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Agora que terminou o Verão e começou a azáfama das vindimas lembrei-me da sangria, uma bebida com que nos regalamos nos dias quentes e longos que se prolongam em noites estreladas. Ao olhar para o jarro de vinho recheado de frutas não pude deixar de me questionar sobre a origem deste hábito alimentar. Isto porque o vi, também, recentemente, a ser servido num almoço que recriava um banquete romano.
Sabemos hoje que é uma bebida classificada pela legislação europeia como identitária da Península Ibérica e, numa breve pesquisa pelo mundo virtual, facilmente encontramos várias estórias que tentam justificar a origem deste hábito nesta parte mais ocidental da Europa. Uns dizem que surgiu na Andaluzia, nos inícios do século XIX, outros afirmam que foram marinheiros britânicos que, por volta do ano de 1700, navegando para as Antilhas espanholas, onde era proibido beber álcool, disfarçaram o rum espanhol com vinho, mel, especiarias e frutas. Outros, ainda, concluem que surgiu na Catalunha.
Seja qual for a verdadeira origem, o que a História, para já, nos diz é que a palavra sangria surge dicionarizada, em 1803, no Dicionário da Real da Academia Espanhola, como uma bebida que se compõe de limonada e vinho tinto. Ora, a dicionarização da palavra implica já um hábito alimentar enraizado. E ao aparecer num dicionário espanhol naturalmente que nos traz a Espanha para o centro desta tradição.
Os componentes e uma história breve da sangria
Mas olhemos os seus componentes. A limonada é um refresco muito antigo composto por água, açúcar e limão. Francisco da Fonseca Henriques, em 1721, considera que ajuda a refrigerar o corpo baixando a febre. No que respeita ao vinho a nossa viagem é ainda mais longa ao percebermos que já os Romanos o bebiam doce. De facto, olhando o tratado de cozinha do cozinheiro romano Apício, sob o olhar atento de Inês Ornelas e Castro, percebemos o consumo de um vinho condimentado com especiarias, flores, frutos e adoçado com mel. De entre as frutas a autora destaca as uvas passas, os figos, as tâmaras e as romãs; das flores usavam-se as rosas, as violetas e as folhas da aromática cidreira, a árvore que dá a cidra ou cidrão.
Este hábito perdura no tempo, atravessa a Idade Média e chega ao século XVIII sob o nome de vinho de Hipocras. Nesta altura percebemos que é consumido habitualmente pelas elites portuguesas em tempos de festa, pois localizamos uma receita desta bebida na obra de Francisco Borges Henriques e, uns anos depois, João António Garrido, no seu Livro de Agricultura, diz-nos que é um vinho generoso, doce e confortativo, que se faz no tempo do frio para regalo nos banquetes.
O vinho hipocras
Tomarão meia canada de agoa da fonte, e nella se claraficara hum arratel de asucar. E despoes de claraficado tornará ao tacho e se lhe deitara hũa onça de erva doce inteira, e de canella quanto caiba em dois dedos pizada, hum tostão de ambar mohido e outro tostão de pós de aljôfar. E neste asucar se lançará hũa canada de vinho bem tinto, e despoes que levantar fervura, se tire e se abafe, thé que refeça, e que se possa deitar em frasco, coando-a primeiro por hũa baeta. […] E tãobem neste vinho hipocras se pode deitar algũa pinga dos espiritos ou de cravo, ou de limão, e o de cravo sempre seja pouco.
Como vemos, este vinho de hipocras não é uma receita fechada. Pode-se deitar mais isto ou mais aquilo, diz-nos o cozinheiro. Receitas similares circulariam também pela vizinha Espanha. Daqui para a sangria é um pequeno passo. Com limonada e, porque não, com frutos frescos, que no Verão abundam nos quintais de qualquer casa. E afinal já vem de longe a tradição de juntar frutos ao vinho.
Em tempo de sol, deliciemo-nos com uma boa sangria
Hoje, na composição de uma sangria, variamos entre diferentes vinhos, espumantes, gasosas e outras bebidas, mais ou menos refinadas, que os novos tempos têm trazido para a mesa. O mesmo quanto às frutas. Das exóticas às mais clássicas, ao gosto de cada um.
Nestes dias outonais em que o sol ainda aquece, deliciemo-nos, então, com uma boa sangria! Agora que sabemos um pouco mais sobre a sua história.
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Imagem: DiVinho
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