De regresso às ‘Viúvas de Braga’

De regresso às ‘Viúvas de Braga’

Pub

 

 

A propósito do livro Viúvas de Braga e outros doces do Convento dos Remédios que publiquei, em 2019, na Ficta Editora, novas investigações que, entretanto, realizei vêm confirmar algumas teorias que aí apresentei e esclarecer dúvidas que não consegui resolver na altura.

Recordo uma história que, sem vir diretamente ao caso, se relaciona com esta e lembra que a História, às vezes, não está fechada. Há uns anos atrás confrontei-me com uns cientistas que queriam reconstituir os estados do tempo antes de existirem registos oficiais. Achavam eles que os documentos guardados nos arquivos lhes davam essa informação, certa e direitinha, de modo a ser incluída numa folha excel. Ainda hoje, não deixo de sorrir quando me lembro do momento em que perceberam que os historiadores não têm essas ditas fontes para reconstituirem a realidade passada. Normalmente trabalham com restos de séries documentais que apenas dão a conhecer fragmentos dessa mesma realidade. Às vezes pouco mais é do que um espreitar atento e reflexivo, que se vai consolidando à custa de novos documentos que vão surgindo e de, claro, interpretações e teorias que o tempo pode ou não confirmar. E, assim, lá se foi a tabela excel!!

Uma das questões que abordo no livro tem a ver com a origem dos doces que se observam a serem comprados pelos mosteiros masculinos da região. Nem sempre as referências ao Convento dos Remédios são claras. Algumas vezes cheguei a essa conclusão por informações indirectas. E ficou-me sempre alguma dúvida sobre a participação neste negócio de mulheres doceiras oriundas da sociedade civil.

Recentemente novos documentos do Mosteiro de São Romão de Neiva (Viana do Castelo) vieram trazer mais um pouco de luz a estas hesitações. Assim, observo que em Setembro de 1722 este mosteiro compra “dúzia e meia de pasteis que vierão de Braga para a função da visita do Nosso Reverendissimo” e, pouco tempo depois, chega um “arratel e meio de caramelo”. Ao fazer o pagamento deste último o monge faz o seguinte registo: “o fizeram nos Remédios em Braga onde se fizeram os pasteis asima lançados”. Também, em 1788, depois da compra de vários doces para a festa de São Bento, voltamos a encontrar um registo curioso que diz o seguinte: “dei pelo gasto que a freira dice tinha feito com o doce para o São Bento e para a visita”.

Estas duas anotações são bem esclarecedoras do labor doceiro quotidiano das freiras dos Remédios e da quase certeza de serem elas as principais fornecedoras dos doces que os mosteiros masculinos da região iam adquirindo para os seus momentos festivos.

O segundo ponto tem a ver com a forma do doce. Quatro pontas de massa que se unem ao centro. Porquê este feitio tão bizarro? Feitio que, alias, encontramos em outros doces, espalhados pelo país. Teria alguma razão especial para ser feito desta maneira? Foi a pergunta que fiz, mas à qual não consegui resposta.

Todavia, recentemente quando li com mais acuidade a receita de pastelinhos de picado, que Francisco Borges Henriques apresenta no seu livro de receitas, surpreendi-me com um pormenor. O autor depois de explicar a maneira de fazer a massa acaba por dizer isto: “pegarão na massa apanhando com a mão as quatro pontas em forma que parece hum barrete e que unão pelas ilhargas” (Dulce Freire, Receitas e Remédios de Francisco Borges Henriques, 2020). De repente as coisas começaram a fazer sentido. Na época um barrete era um adereço para a cabeça usado por clérigos regulares e seculares em forma de quatro cantos. Actualmente é ainda usado pelos cardeais. Afinal o formato das viúvas e de outros pasteis servia também para homenagear os clérigos, não fossem eles os seus principais clientes.

É caso para dizer: e esta hein!!!?

1ª Página. Clique aqui e veja tudo o que temos para lhe oferecer.vila nova online - jornal diário digital generalista com sede em vila nova de famalicão - música - concertos - espetáculo - cultura -livro - literatura - política - trabalho - rendimento - segurança - saúde - cinema - proteção civil - segurança - ribeirão - riba d'ave -

Pub

Categorias: Crónica, Cultura, Gastronomia

Acerca do Autor

Anabela Ramos

Historiadora.

Comente este artigo

Only registered users can comment.