Eu e a minha Professora Helena

Eu e a minha Professora Helena

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Esta foto sou eu com 6 anos, no 2º ano. Tirada na escola, ao meu lado está a minha professora Helena. Foi minha professora pouco tempo.

Era esposa de um militar colocado em Viana do Castelo e foi minha professora na velha escola primária da Abelheira (muito velha, com casas de banho turcas, de 2 salas).

A Abelheira ficava fora do núcleo central da cidade nos anos 70/80. Até havia uma placa, daquelas de estrada, em betão, a assinalar a localidade, ao lado da capela perto do chamado Bairro do Jardim.

Problemas devido a saber ler e escrever antes de entrar na escola

O meu percurso escolar infantil foi atribulado. Nasci no Funchal em 1972 e aí frequentei (coisa rara, ao tempo, creche e jardim-de-infância). Tive, uns tempos, no Funchal, uma ama dinamarquesa cuja memória são uns socos amarelos com a bandeira da Dinamarca. com que apareço em algumas fotos infantis.

O meu pai fugiu para o Brasil eu tinha 4 anos e a minha mãe, que ficou sozinha com 2 filhos, veio trabalhar para Viana. Inscreveu-me no Jardim de Infância em São Domingos (ainda me lembro de ir de autocarro).

Mas fui mordido por um colega, a quem devo ter dito algo que não gostou (eles tinham corpo, como eu já tinha palavra…) e a minha mãe entregou-me aos cuidados da minha avó que achou (na sua sabedoria pedagógica de professora qualificada em pedagogias inovadoras em 1926) que eu devia era aprender a ler. Aos 5 anos lia e escrevia.

Aos 6, fui para a escola e isso criou vários problemas.

Escola Primária da Abelheira: uma marca para a vida

Naquele tempo só os residentes da Abelheira iam para a pobre escola rural degradada da Abelheira.

A minha casa ficava no limite do território para ir para o Carmo e com umas batotas podia ter ido para essa. Mas a minha mãe não fazia batotas.

Poderia ter ido para a Avenida, onde os meus tios eram ambos professores. Mas os meus tios também não faziam batotas.

E eis-me na velha, degradada, isolada, escola primária da Abelheira.

Onde fui muito feliz a ver carros de bois na estrada, a dar pontapés nos ouriços dos castanheiros da estrada, a explorar os túneis da mina de água ou a tentar trepar árvores, apesar das vertigens.

Ainda hoje, quando estou doente, o meu pesadelo tipo inclui um detalhe do asfalto do percurso que fazia para a escola.

Amizades memoráveis e a MINHA professora

Tenho amigos memoráveis desse tempo.

A minha professora chamava-se Helena e dava aulas à 1ª fase (1º e 2º ano). Decidiu que eu devia ser posto no 2º ano da 1ª fase. Sabia ler e escrever e não fazia sentido estar a perturbar os outros que ainda desenhavam letras e nem soletravam.

Fiz o 1º e 2º ano num só, com ela. Era permitido. E, no ano seguinte, fui para a 2ª fase. No 4º, a lei tinha mudado e para ir para o 5º fui especialmente examinado (um dia inteiro) por uma inspetora.

Lembro neste início de ano a minha professora Helena (já falecida, e em circunstâncias trágicas, de que sei o apelido mas vai ser só Helena).

Marcou-me a vida, porque tomou uma decisão fulcral no meu destino, baseada apenas no meu mérito objetivo e sem me conhecer. Entre retardar-me e não me deixar seguir caminho, empurrou-me em frente.

E tenho saudades dela porque embora tenha tido outra professora (2 anos) ela foi A MINHA professora do 1º ciclo.

Marcar a vida com o nome Helena

No dia do exame com a inspetora (vejam lá como as coisas são, aos 9 anos, já tinha conversas longas com inspetores…), estava ela já doente acamada lembro-me de a minha avó me dizer: “Não te esqueças que a Professora Helena arriscou contigo e não podes desiludi-la”.

Se não passasse, a decisão ousada dela de me avançar um ano revelava-se errada e “era uma vergonha”. Um conceito que, neste tempo, alguns professores perderam. Ficava mais um ano a fazer o 4º.

Passei. E, embora tendo morrido precocemente e nunca tendo podido dizer-lhe isso, a Helena foi decisivamente marcante na minha vida.

Qual será o valor do impacto social de um professor excecional?

Sempre que era o mais novo, em tantas coisas em que fui o mais novo, lembrava-me dela: a professora que avaliou o que eu já sabia com justiça e achou que não valia a pena ensinar-me o que já sabia por obrigação burocrática. Que confiou e arriscou no miúdo para que, nesta foto, olha com um olhar que mostra a personalidade que claramente tinha.

Um ar sério, mas com atitude de cuidado. Sem rodriguinhos, mas preocupada e empenhada. E doce na distância.

Nos meus exemplos do que é ser professor anda sempre por lá a memória dela.

Nos países eslavos, no início do ano, oferecem-se flores aos professores. Este ano, lembrem-se dos vossos.

E pensem: quanto vale realmente o impacto social de pessoas como a minha Professora Helena?

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Imagem: LSB


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Categorias: Crónica, Ensino

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