Em favor da greve dos professores

Em favor da greve dos professores

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Amanhã, 15 de novembro, é dia de greve dos professores (do ensino básico e secundário).

O simples facto de os professores estarem em greve deveria constituir, por si só, uma situação para a sociedade inteira se colocar de sobreaviso e colocar, se não ambos, pelo menos um ouvido no ar a tentar perceber se se passa alguma coisa que valha a pena escutar. Afinal, trata-se de uma greve de professores; e os professores têm por função, não apenas profissional mas também pessoal, colocar questões, ensinar e dar algumas orientações sobre os caminhos a trilhar. E mais, os professores não costumam aderir a greves, mas ultimamente têm-no feito de forma inusitada e de modo algum habitual.

O que se estranha nesta greve é a circunstância de os professores, enquanto classe, se encontrarem unidos numa reivindicação que até há muito bem pouco tempo os deixaria a quase todos indiferentes – a não contagem do tempo de serviço para a progressão na carreira profissional.

A causa desta estranheza, a nosso ver, residirá no uso, pelo Governo, de um discurso político confrangedor, que lembra a deslocação do caracol e faz pensar que só daqui a muitos anos os professores poderão aspirar a terem por direito o mesmo que os demais portugueses, tentando fazer esquecer que este Governo foi eleito com um determinado discurso e programa e que é este mesmo Governo quem tem poderes de e obrigação para governar, logo para submeter à aprovação e publicar as leis necessárias a quaisquer alterações indispensáveis de realizar. Não há lei que não possa ser derrogada, em especial se injusta e se contar com a maioria da Assembleia da República contra si.

A estranheza perante este discurso faz prever uma greve com enorme adesão a nível nacional e que deixa entrever o encerramento da maioria das escolas, contrariamente ao habitual. Acresce ainda a já de si igualmente estranha reação dos professores aquando da prévia greve da Função Pública, de 27 de outubro, com a maioria dos professores a terem já aderido à mesma.

Esta estranheza só não é alheia a quem vive nas escolas o dia a dia e é professor ou seu familiar. Nos últimos 30 anos, o grupo profissional dos professores é daqueles que mais tem sentido na pele as transformações sociais, resultado também das mudanças tecnológicas, mas sobretudo das alterações ocorridas nos mercados laborais, das crises financeiras e da mudança de mentalidades associadas à revolução que a liberdade dos nossos dias trouxe à sociedade, com todas as vantagens e desvantagens que lhe são inerentes.

O professor tem vindo a descer na escala social. Se em meados dos anos 80, com o crescimento económico e a entrada de dinheiros europeus, o professor foi visto como uma profissão de futuro e que garantia e projetava ascensão social, hoje o professor é pouco mais do que um proletário. Para além do enorme crescimento da classe, motivado pela necessidade de generalizar o ensino entre a nossa população depois de tantos anos de analfabetismo, que levou para este grupo profissional muita gente com reduzidas preocupações de intervenção no plano social, intelectual e cultural, na sociedade dos nossos dias esse papel fulcral do professor como personagem essencial à transmissão do(s) saber(es) tem-se desvanecido sob o peso da irrelevância financeira numa sociedade que mede o sucesso, logo a qualidade e o estatuto das pessoas, pelo rendimento que elas auferem.

Esta desvalorização contínua da função docente é indissociável da forma como pais e encarregados de educação vêm a escola em geral. As escolas são cada vez mais lugares onde os pais deixam os seus filhos para poderem ir trabalhar, quando não é o caso – pontual, é certo – de apenas aproveitarem o tempo no seu lazer individual. São também lugares onde, com frequência, encarregados de educação e/ou mesmo alunos coagem verbalmente, insultam ou agridem professores. Se com frequência até se ouvem comentários favoráveis ao exercício de uma maior autoridade pela Escola em geral, surgem em sentido contrário as afirmações que a desvalorizam e desautorizam (veja-se o absurdo caso do aparecimento da minhoca numa cantina de Braga em que já se pede a demissão da Diretora da Escola por ter feito o que devia – instaurar um processo disciplinar a quem realizou o uso indevido de imagens em contexto escolar; e não, não se trata do uso da lei da rolha).

Não admira por isso que, segundo os últimos dados, haja cada vez menos jovens a querer ser professores e a só quererem ser professores os alunos com mais baixas classificações no final do secundário. Assim sendo, dentro de poucos anos, serão poucos e cada vez em menor número aqueles que têm aptidão para o exercício da profissão de professor e a quererem sê-lo. Por outro lado, não surpreende também que se movimentem pela dignificação do seu trabalho e do seu estatuto social aqueles que ainda se encontram no ativo, a grande maioria dos quais a caminhar para o final da sua carreira contributiva, mas em situação equivalente, ou semelhante, à de aprendizes.

A avaliação por mérito, como se tem visto ao longo dos últimos anos, é uma falsa questão e, aliás, revela-se completamente desnecessária. Nos últimos tempos, o assunto nem sequer tem sido abordado, mas deveria sê-lo; e ser proposto o seu fim imediato. Para além disso, estou em crer que deveria ser realizada a contagem integral de todo o tempo de serviço a todos os professores, com efeitos retroativos, pelas grandes injustiças salariais que tal diferença acarreta.

É sobretudo por estas questões, apesar de também por algumas outras, que espero sinceramente que os professores obtenham resultados que lhes sejam favoráveis. Toda a sociedade sairia a ganhar.

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Categorias: Editorial

Acerca do Autor

Pedro Costa

Diretor e editor.

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