Era uma vez um velho que sabia

Era uma vez um velho que sabia

Pub

 

 

1.

Era uma vez um velho que sabia. Mas quem sabia mais do velho era Augusto Sabiel, o mago de todas as idades. E já lhes disse que já há muito tempo, que o velho. Passavam-se gerações sem que viesse. Mas mantinha-se a lenda. Porém, desta vez, e sem que se soubesse do menino, que vinha sempre, se já estaria entre os meninos da aldeia, até a lenda do velho ia caindo no esquecimento.

2.

A minha terra é uma terra estranha. Já existia antes do Génesis. Era habitada por um povo, que vivia debaixo de água, por sua livre vontade. Sempre lá aconteceram casos extraordinários, se vistos à luz do pensamento chão vigente. Mas, na minha terra, a do pensamento sempre mais à frente, o extraordinário acontecia com a maior normalidade.

3.

E, porque já falei nele, e para servir de exemplo, ninguém duvidava da biblioteca secreta dos milagres, guardada nas mais profundas cavernas inacessíveis, da cidade de ouro, soterrada na Quintinha, e nas profundidades sagradas de vila de Sambade, onde só Augusto Sabiel, pelo seu muito saber, e sua vontade, e que tinha coisa, como sua mãe vaticinara, logo à nascença. Também ninguém duvidada do velho que aparecia, sempre, e do menino, e que só muito tarde, e só de quando em vez, agiam. E como agiam.

4.

Esse velho, que sabia, e o menino, era uma evidência, na palavra , a um tempo de criação e de salvação, que Augusto Sabiel apregoava, chovesse ou fizesse sol, fosse noite ou fosse dia, desde que houvesse algo a que subisse: um muro, umas ameias, um penedo, ou mesmo uma árvore onde se alcandorava. Havia quem dissesse que o velho era Augusto Sabiel, ele próprio. Mas, então, quem seria o menino, e para quê? E a senhora de branco que descia do não se sabe, mas que se acreditava ser dumas alturas lá do muito acima?

5.

Enquanto havia Augusto Sabiel, tudo se compunha, com o seu saber, de loucura feito, de tanto navegar nos livros. As coisas mais incríveis, para os pensadores banais do presentemente triste, aconteciam, não, porém, para o pensamento soalheiro e avante, que na minha terra a todos invadia, e nunca desistiam, até ao último momento. Assim, quando a escuridão mortífera se abateu lúgubre sobre a aldeia, que já morria, eis que surge numa nuvem, vindo de dentro dos enigmas, Augusto Sabiel, sobe pronto às ameias da fonte, e proclama contra o breu o Serão da Ressurreição da Luz, um dos seus muitos mais famosos, e a luz ressuscitou.

6.

Mas ninguém sabe agora de Augusto Sabiel, o homem que bebia livros loucos e sabia. E andam as almas inquietas, e um mais alto pensamento ameaçado. E é por isso que vos quero falar do velho. Ele não pode deixar de vir. Nem o menino. Tampouco a senhora de branco. Não. Não sou crente. Nem místico. Apenas tenho que vos dizer o que me foi dito. Porque a palavra no sangue está escrita. E há sempre quem a guarde e a transmita. E do alto do meu monte já vejo, pelos carreiros da serra, as mães das filhas, a caminho das ermidas. Engravidam do amor, que o vento sopra, na melopeia das cantigas, que o velho canta.


Obs: texto previamente publicado na página facebook de António Mota, tendo sofrido ligeiras adequações na presente edição.

Imagem: António Mota


1ª Página. Clique aqui e veja tudo o que temos para lhe oferecer.vila nova online - diário digital de âmbito regional - famalicão - braga - barcelos - guimarães - santo tirso - póvoa de varzim - trofa - viana do castelo - esposende - som - ruído - ambiente - poluição - sustentabilidade - construção civil - economia - empresas

Pub

O que vale um reformado?

Pub

Categorias: Mais recentes

Acerca do Autor

António Mota

Professor. Braga.

Comente este artigo

Only registered users can comment.