Falta de água ou falta de uso sustentável da água?

Falta de água ou falta de uso sustentável da água?

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                                                        “A agricultura (irrigação, pecuária e aquacultura)

representa 69% das captações anuais de água a nível mundial,

tornando-a no setor que mais consome água no planeta.” (1)

 

Quem não poupa água e lenha, não poupa nada do que tenha. Este dizer é uma forma popular de lembrar que a água é um bem escasso que tem de ser usado de forma sustentável e foi talvez criado por alguém que nem conhecia a palavra “sustentável”.

O problema da escassez de água no Sul de Portugal originado pelo consumo insustentável pela agricultura intensiva de regadio é um tabu que ninguém aborda, sejam políticos ou técnicos do setor.

Este problema da escassez de água no Sul de Portugal, mas também da Península Ibérica, não é uma desgraça do clima. É uma calamidade que deriva da expansão descontrolada das culturas em regadio intensivo, campos de golf e outras atividades que reclamam quantidades brutais de água. Em zonas onde o clima é caracterizado por baixa quantidade de chuva, a atividade Humana dependente da disponibilidade de água tem de ser planeada para os valores mínimos de precipitação e não para a média. As secas dramáticas não são uma novidade dos tempos atuais, são mencionadas em muitos relatos que os nossos antepassados nos deixaram ao longo de séculos. Um quadro no Mosteiro de Guadalupe, Espanha relata que El año de 1412 foi muy falto de pan em toda a España por haber mas de 6 años que cafi no llovia…

Uso sustentável da água e usos imprudentes da terra

O uso sustentável da água tem de começar pelo licenciamento criterioso dos usos da terra. Porém, o que assistimos é à aprovação incessante, de forma danosa para os interesses do país, de vastas áreas de regadio e outras atividades de que implicam enorme consumo de água. As corporações que buscam o sul de Portugal para instalar atividades depredadoras de água são movidas pela voracidade do lucro. De per se nenhuma empresa vai pautar os seus investimentos pelo uso sustentável da água, a contenção tem de ser imposta pelas autoridades que têm a tutela do assunto.

Ao invés da agricultura que se baseia em uso sustentável da água, a agricultura intensiva de culturas regadas que as empresas privadas têm conseguido ter licenciadas aos milhares de hectares, gera lucros enormes, rápidos e fáceis. E é feita em exploração do tipo mina, ou seja, quando os recursos hídricos e do solo se esgotam abandonam essa zona e reiniciam o ciclo noutro sítio ou noutro país qualquer.

Cerca de 70% do consumo de água é feito pelo sector agrícola (1). A indústria (incluindo a geração de energia) consome cerca de 19% e as famílias uns escassos 12%.

Entre as culturas intensivas de regadio destacam-se a produção de frutas e legumes em estufa. No Mediterrâneo o pináculo é atingido na monstruosidade das estufas em Almeria, mais conhecidas por “mar de plástico”. Em Portugal está a desenrolar-se, aos olhos de todos, um cenário idêntico com as estufas em Odemira e o processo está a expandir-se a outras zonas do país.

Um tabu: os níveis de consumo insustentável da água

O consumo insustentável da água vai muito para além das estufas. Nos novos olivais de regadio não existem as árvores frugais e centenárias que granjearam o respeito dos nossos antepassados. Os olivais novos do Alentejo são culturas agrícolas intensivas em regadio de umas moitas atarracadas e aglomeradas em linhas que serão arrancadas e substituídas logo que a produção decline. Mas não é apenas a oliveira. Ao cortejo juntam-se outras espécies cultivadas em sequeiro há séculos e louvadas pela sua resistência como a vinha, amendoeira e medronheiro. E já se fazem experiências-piloto para sobreiro com rega gota-a-gota.

Por baixo desses milhares de “árvores” transformadas em sebes a poder de máquinas consumidoras de combustível, estão quilómetros de tubos de plástico com goteiras que drenam inarráveis metros cúbicos das albufeiras que só têm a água da chuva como fonte de alimentação. Para agravar a escassez estival de água, muitas albufeiras têm as margens plantadas com eucalipto, uma árvore que a evolução natural dotou com uma fisiologia e arquitetura de raízes, que não tem par nas espécies mediterrânicas autóctones, capazes de ir longe captar água. As barragens do Alentejo e do Algarve que nos anos recentes exibem mais problemas situam-se nos cursos dos rios Sado, Mira, Odelouca, Arade e afluentes terminais do Guadiana. Todos estes cursos de água nascem nas serras do Algarve onde existem grandes plantações de eucalipto que substituíram o sobreiro, as pastagens de sequeiro e outros usos seculares dessas terras.

Lidar com a seca é possível

Todos os discursos políticos e técnicos, culpam a SECA. Quando o problema toma dimensões dramáticas, surgem os remendos – medidas conjunturais a jusante como o aumento do preço da água e o apelo à diminuição do consumo doméstico. São paliativos para afastar responsabilidades e esconder o cerne do problema.

Os Povos Mediterrânicos, nomeadamente o Sul de Portugal, lidam com a prolongada seca estival há milénios. A agricultura de regadio é um dos grandes engenhos da Humanidade para produzir alimentos para a população em crescimento. Já os Romanos construíram barragens no SW da Espanha, como a albufeira de Proserpina, perto de Mérida que, com as necessárias manutenções, ainda hoje funciona. Os sistemas de regadio que os Árabes trouxeram para a Península Ibérica são mais um exemplo dos engenhos Humanos para o aproveitamento judicioso da água. Os egípcios usavam os nilómetros para medir o nível das cheias do Nilo e prever as colheitas em consonância. Os ciclos de chuva / seca já são descritos na BIBLIA, Gênesis 41, com a alegoria dos sete anos de abundância e os sete anos de fome que houve na terra do Egito.

Os ciclos de chuva excelente e seca sempre existiram, fazem parte da normalidade do clima de cada região e não são previsíveis. Viver com a média não exige grandes méritos. O engenho, ou seja, a SUSTENTABILIDADE está em saber viver com os mínimos. E não há nenhuma técnica, por mais sofisticada, que permita gastar mais água do que a que as albufeiras podem armazenar com a precipitação que os céus nos oferecem, sob pena de as barragens do Sul do País se transformarem em Mares de ARAL.

(1) ONU, Centro Regional de Informação para a Europa Ocidental


Imagem: Município de Aljezur (edição e adaptação: VN)

Obs: texto previamente publicado em Raquel Varela | Historiadora, antecipando o Dia Mundial contra a Seca e a Desertificação, tendo sofrido ligeiras adequações na presente edição. Este conteúdo foi também publicado, numa versão mais curta, no Expresso.


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Acerca do Autor

Maria Carolina Varela

Engenheira silvicultora e Investigadora em recursos naturais (Instituto Nacional de Investigação Agrária e Instituto Superior de Agronomia).

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