O confinamento é um erro

O confinamento é um erro

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A metodologia proposta pelo Governo para desconfinar o país é errada:

Um estudo publicado agora por uma das melhores universidades do mundo, Stanford, com o contributo do mais importante e reconhecido epidemiologista mundial, o Prof. Ioannidis, afirma que, ao se comparar países com e sem confinamento, não há benefícios do confinamento.

A metodologia do Governo português usa uma fórmula insustentável cientificamente. Uma vez que não contabiliza número de internados em UCI, mas contabiliza um R que tenderá nesta fase, de poucos casos, sempre para próximo de 1 – facto que o Prof. Buescu ignorou nas suas declarações públicas onde defendeu esta fórmula. Ora, podemos ter um número muito grande de casos em pessoas jovens e saudáveis e poucos internamentos. E podemos ter um R alto, próximo de 1 e poucos casos – é aliás o que se passa há semanas. A metodologia exige ainda testagem em massa sem distinguir infectados de positivos. Podemos ter uma enorme massa de pessoas positivas sem estarem doentes. E quanto mais testes com baixa prevalência maior o número de falsos positivos. Isto não é matéria de opinião – são factos, não depende da subjectividade de cada um. Quem diz que o R nesta fase é importante está cientificamente errado.

O papel de um Governo

Um Governo não é um grupo de cientistas, não eleitos – isso seria uma ditadura técnica. Um Governo é um grupo político de pessoas que representam, por eleição, um povo. Ninguém vota em cientistas, isso seria uma distopia tecnocrática. Um Governo tem que tomar medidas que são a melhor opção para 10 milhões de pessoas, e não escudar-se atrás de uma metodologia técnica, reitero, defendida por pessoas não eleitas, para concluir decisões que afectam de forma desastrosa a saúde, o emprego, e o bem-estar social. Aliás, é significativo que para tomar estas decisões que condicionam todo o país não haja cientistas das humanidades e da sociedade – estes foram chamados apenas para melhorar a “comunicação” e não para enquadrar crítica e socialmente os efeitos do confinamento. Estas escolhas para desconfinar, cientificamente erradas, são da responsabilidade do Governo que escolheu estes cientistas – podia ter escolhido outros, entre os vários, em Portugal e no estrangeiro, que são contra o confinamento. Porque consideram – e isso é um facto, não é matéria de opinião – que o confinamento não impede a pandemia e agrava muitos outros problemas da sociedade, como o acesso ao SNS, desemprego, saúde mental, entre outros.

Opção neoliberal

O Eurofound acabou de tornar público que em toda a Europa que confinou menos de metade esteve de facto confinado – facto que fui alertando desde o início, porque a opção sempre foi por manter o sector de produção de valor aberto. O que se confinou foi o lazer, a cultura, as relações humanas essenciais à vida. Há pouco tempo desconfinava-se com menos de 2.000 internamentos, segundo Marcelo. Agora temos menos de 1.000 e crianças e adolescentes fora da escola e sem relações sociais densas, com ameaça grave à sua saúde mental; e restaurantes e empresas na falência real uma vez que as ajudas não chegam ou, quando chegam, não são suficientes para colmatar as perdas. São as classes trabalhadores e médias que estão a ser as principais vítimas destas políticas.

O confinamento é uma opção neoliberal, que protege quem tem rendimentos fixos, deixando a maior da população à mercê do desemprego, e por isso, da quebra salarial e da proletarização com a falência dos negócios familiares. Trump tinha uma visão do salve-se quem puder, desumana, como tem Bolsonaro. A Suécia social-democrata, do proteger o mais possível o bem-estar social e salvar a democracia liberal. Os governos neoliberais ingleses, francês e alemão – que o Estado português segue – optaram pela opção que não salva pessoas, porque essas só podem ser salvas por políticas focalizadas de saúde reforçada aos mais frágeis com intenso pessoal médico (o caso de Cuba é exemplar, porque uma pandemia depende antes de mais de grande quantidade de pessoal médico), o que implicava nacionalizar na Europa todo o sector privado.

Confinamento não salva vidas

Pelo contrário, o confinamento não salva vidas. Deixa um rasto de destruição social, mas permite, à boleia de uma pandemia, esconder a destruição neoliberal dos serviços de saúde e apostar numa restruturação produtiva para a automação, que gera milhões de desempregados em pleno Estado de excepção, confiando que isso evitará greves e protestos sociais. É por isso que o estudo de Stanford passa despercebido apesar de divulgado numa revista de excelência, de uma Universidade de topo mundial e com uma equipa de médicos e epidemiologistas que estão entre os melhores do mundo.

Portugal tem pandemia e não tem democracia

Portugal está há 1 ano sem democracia – a democracia não é uma formalidade. É ignóbil que um polícia nos possa perguntar quem vamos visitar no município ao lado ou se estamos a praticar exercício – cruzou-se uma linha vermelha. Nenhum problema se resolve com restrição de direitos, em nenhuma sociedade em tempo algum da história. Quanto maiores são os problemas, mais as pessoas devem estar envolvidas democraticamente a resolvê-los. Hoje, não está garantido que a democracia regressa a Portugal. Tudo isto começou com confinar 15 dias para achatar a curva e estamos há um ano a viver sobre a arbitrariedade do Estado.

As curvas dos erros políticos

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Obs: publicação original no blogue da autora Raquel Varela Historiadora | Labour Historian em 18032021. O texto sofreu ligeiras adequações editoriais na presente edição.

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Categorias: Autor, Crónica, Pandemia, Sociedade

Acerca do Autor

Raquel Varela

Raquel Varela é Historiadora, Investigadora e professora universitária da FCSH da Universidade Nova de Lisboa / IHC / Socialdata Nova4Globe, Fellow do International Institute for Social History (Amsterdam) e membro do Observatório para as Condições de Vida e Trabalho. Foi Professora-visitante internacional da Universidade Federal Fluminense. É coordenadora do projeto internacional de história global do trabalho In The Same Boat? Shipbuilding industry, a global labour history no ISSH Amsterdam / Holanda. Autora e coordenadora de mais de 2 dezenas de livros sobre história do trabalho, do movimento operário, história global. Publicou como autora mais de 5 dezenas de artigos em revistas com arbitragem científica, na área da sociologia, história, serviço social e ciência política. Foi responsável científica das comemorações oficiais dos 40 anos do 25 de Abril (2014). Em 2013 recebeu o Santander Prize for Internationalization of Scientific Production. É editora convidada da Editora de História do Movimento Operário Pluto Press/London e comentadora residente do programa semanal de debate público O Último Apaga a Luz na RTP. Entre outros, autora do livro Breve História da Europa (Bertrand, 2018).

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