Estão na moda as cozinhas nativas e ancestrais com as suas técnicas e os seus ingredientes milenares. Em continentes como África, América e Oceânia ganha força o gosto pelos alimentos e cozinhados pré-colonização, resgatando hábitos alimentares, produtos e técnicas, que foram abandonadas por força de uma certa globalização alimentar imposta pelos movimentos colonizadores.
No nosso país não falamos de colonização, mas falamos claramente de uma cozinha e de alimentos que, durante um tempo histórico, garantiram às populações mais pobres alguma sobrevivência alimentar e que, por força da melhoria das condições de vida, foram abandonadas.
Falamos de survival food, ou seja, comida de sobrevivência, ensinada agora em programas televisivos e em caminhadas científicas e culturais, para gente que vive na abundância e gosta de experiências exóticas como esta. É claro que algumas nuvens negras ameaçam agora a nossa existência. Volta-se a falar de falta de géneros, de racionamento alimentar. A tal comida de sobrevivência talvez não nos seja em breve assim tão exótica. Esperemos que não!
Foi neste contexto, e porque estamos a chegar à Primavera, que me lembrei das pútegas, quer dizer, da fome e de tempos difíceis em que se deitava mão de tudo o que pudesse saciar o apetite famélico.
Muitos, tal como eu, não saberão o que isso é, que também nunca as comi, apenas as provei por curiosidade. Nem perceberão o contexto. Falemos, por isso, um pouco sobre o assunto.
‘O pão nosso de cada dia’
Em tempos que já lá vão, e que se prolongaram até meados do século XX, o consumo de cereais constituía a base alimentar de uma grande percentagem da população portuguesa. O “pão nosso de cada dia” não era uma frase sem sentido. Era mesmo assim que se vivia. Ora, como sabemos, os cereais colhem-se em Junho/Julho (os de Primavera) e Setembro/Outubro (os de Verão). Tal como as batatas, que entraram na alimentação portuguesa apenas no século XIX. São os tempos de maior abundância alimentar. Quando se anunciava o Ano Novo começava um tempo de escassez e de açambarcamento. Os cereais e as batatas começavam a diminuir nas casas das pessoas e tornavam-se mais escassos e caros, muito caros, no mercado. No mês de Maio chegava já o primeiro cereal panificável – a cevada – e, por isso, o povo dizia – “chamas-me rabuda mas em Maio dou-te uma ajuda”. Até lá, pelos meses de Fevereiro, Março e Abril, pairava o espectro da fome, da carestia dos cereais, da falta de pão para por na mesa.
As pútegas, um alimento de gerações de famílias nos tempos mais difíceis
Os primeiros rebentos da Primavera eram, por isso, maná que alimentava o povo faminto. Para além das couves da horta pouco mais havia que comer nos campos. Mas nas zonas serranas, junto às raízes das estevas, de que se alimentavam, rebentavam umas flores róseas, de folhas carnudas, doces e suculentas (Cytinus hypocistis). Para quem andava pelas serras a pastorear o gado, meninos-pastores ou homens de barba rija, ou quem vivia nas imediações, as pútegas eram alimento rico e suculento que substituía com sucesso a falta de pão. Eu vi-as e provei-as na serra do Montemuro, quando por lá me aventurei em busca de um tempo perdido, que ainda senti, e que me ajudou a perceber e escrever sobre aquele povo. E continuam por aí, em especial nas zonas serranas onde abundam as estevas, testemunhando o alimento de gerações de famílias nos tempos mais difíceis.
Estamos no tempo delas! Das pútegas! Esperemos não precisar de voltar a rebuscar o chão para as encontrar!
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Imagem: Wilder
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