Desenganem-se aqueles que pensam que o molho de tomate é mais uma americanice, isto é, um molho inventado pelos americanos no século XIX e comercializado em frascos com a denominação de ketchup.
É verdade que foram os americanos que, por volta de 1837, iniciaram o fabrico industrial daquele molho. O nome, ketchup, derivava de um outro molho chinês, feito à base de peixe, que migrou para o Reino Unido e daí para a América. Os americanos adaptaram-no à sua realidade e usaram o tomate, um fruto abundante por aquelas paragens e já conhecido por todos os europeus, desde o século XVI. Oriundo da América do Sul foi um dos produtos alimentares que os europeus trouxeram para a Europa com as descobertas atlânticas. A nova planta deu-se bem no sul do continente, onde o clima melhor se lhe adapta, e começou a ser utilizada na alimentação.
Nos inícios do século XVIII, Francisco Borges Henriques é dos primeiros portugueses a registar receitas com este fruto. E entre os vários cozinhados que faz com ele, apresenta já uma receita de calda de tomate, guardada em garrafas, e de um molho de tomate. Para este recomendava, então, que, depois de tostados ao lume, os tomates fossem pisados num almofariz juntamente com alho, miolo de pão, vinagre, orégãos e pimentão. Assim feito, este molho era “boa mostarda”. O que queria isto dizer? Na realidade, em Portugal o molho de mostarda era quotidianamente utilizado para acompanhar a carne ou o peixe. Fazia-se moendo simplesmente a mostarda e juntando-lhe sal, azeite e vinagre, mas podia também juntar-se-lhe outros ingredientes como alhos, coentros e nozes. Ora, nestes inícios do século XVIII Francisco Borges Henriques (Freire, 2020) sugere que o molho de tomate pudesse substituir a tradicional mostarda. Mas de onde trouxe ele este hábito? Provavelmente do Brasil, de onde traz outras receitas que regista no seu livro manuscrito.
E ficávamo-nos por aqui, porque ao longo do século XVIII e XIX pouco mais encontramos sobre o tomate. É verdade que na segunda metade do século XIX ele começa a aparecer mais amiúde nos receituários, em particular o molho de tomate. E também sabemos que a mostarda vai deixar lentamente de estar à mesa portuguesa.
Mas eis que nos inícios do século XX localizamos num receituário português (Tratado de Cozinha e de Copa, 1904) uma receita curiosa – molho de mostarda fingido – que mais não é do que um molho de tomate.
Fazia-se do seguinte modo:
“Tomam-se seis tomates e passam-se por um passador de rede. Junta-se-lhe sal, pimenta, manteiga, um dente de alho e cravo da Índia. De seguida põe-se tudo numa caçarola ao lume a ferver, até ficar uma massa fluída, que se volta a passar por um crivo. Leva-se à mesa numa mostardeira”.
E cá temos o nosso molho de tomate que, desde há vários séculos, vem fazendo as delícias dos portugueses. A receita é já um pouco diferente da do século XVIII e também diferente do ketchup que, por esta altura, já brilhava na América, mas, à boa maneira portuguesa, levava quantidades generosas de especiarias, e servia-se na mostardeira.
Afinal, nos inícios do século XVIII, Francisco Borges Henriques servia já numa mesa portuguesa um bom molho de tomate, a acompanhar o peixe ou a carne, em vez da tradicional mostarda. E essa tradição, surpreendentemente, vai perdurar pelos séculos seguintes e, quiçá, empurrar a mostarda para fora dos nossos hábitos alimentares.
Um bom ketchup à portuguesa!
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