De Eva a Jezabel

De Eva a Jezabel

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Lembro-me de ontem ter ido à missa. Não vejo isso como algo que me torne moralmente superior, mas lá estava eu. Uma eucaristia é uma cerimónia como tantas outras, logo não se dispensa a sucessão tipificada de rituais. Eis que chega a leitura da homilia e o episódio bíblico escolhido é o da “mulher adúltera”. Imagino que todos conheçam a história graças à frase que a resume: “Quem nunca pecou, atire a primeira pedra”. Manuel da Rocha (presumo que quem venha a ler este texto não seja crente. Não o denominarei “Senhor Padre”) aproxima-se do seu púlpito e diz: “É interessante ninguém falar do homem com quem ela cometeu o adultério. Qual será a razão para vermos sempre a mulher como a única responsável, a vil tentadora? Serão os homens tão inocentes a ponto de não saberem dizer a palavra ˈnãoˈ?”

Ninguém desconhece o arquétipo “femme fatale”, que manipula os homens à sua volta quais marionetas. Escassos seriam os malefícios se esse modelo mental se cingisse à ficção. Mas não são poucas as vezes nas quais ele sustenta perspetivas do mundo real (atrevo-me a dizer que chega mesmo a influenciar o olhar de outras mulheres). Quando um caso de violação é noticiado, não é infrequente ouvir alguém dizer “Vejam como estava vestida! Que esperava ela?”. Pelos vistos o cromossoma sexual XY impede o ser humano de controlar os seus impulsos e torna-o incapaz de compreender o significado de um “não”.

Tudo no comportamento feminino é interpretado como uma insinuação. Um simples sorriso ou uma demonstração de cortesia são imediatamente entendidos como um flirt. Quem não conhece o calvário de muitas empregadas de balcão, causado por clientes desconhecedores da simpatia encenada à qual a sua profissão as obriga (mea culpa, mea maxima culpa no passado)?

A carta-branca dada aos supostos machos acaba por se alastrar a todos os domínios. Na “Era #MeToo” ninguém desconhece os casos de assédio sexual que diversas mulheres sofrem tanto nos seus lugares de trabalho como no contexto universitário. Ninguém desconhece a forma como os clientes da mais velha profissão do mundo são olhados com piedade por muitos, como se o ato sexual não supusesse desejo e prazer recíprocos. As mulheres são meros objetos para o deleite masculino. Afinal, essas vis tentadoras não querem outra coisa a não ser despertar o desejo nos homens! Vejam Eva com Adão ou Jezabel com Acab! É surpreendente ver como 27 séculos após a morte de Hesíodo, ainda há pessoas que o replicam e vêm as mulheres como uma maldição, como Pandoras prontas a abrir a sua caixa.

Não escondamos a verdade: os homens sabem muito bem o que fazem. As mulheres idem. Se alguma diz um “não”, é provável que o seu significado seja literal e não uma afirmação disfarçada de negação. Em último recurso, há sempre um estalo ou um pontapé nos genitais, atos que não oferecem qualquer margem para dúvidas. Infelizmente, há homens que não entendem outra linguagem.

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Imagem: Jan Brueghel de Oude s/ Peter Paul Rubens

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Acerca do Autor

Pedro Maia Martins

Esposendense de nascimento, barcelense de criação e conimbricense por hábito. Licenciado em Jornalismo e Comunicação pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Colaborou no passado com o Jornal Universitário de Coimbra - a Cabra e com a Revista Via Latina - Ad Libitum. Foi o último editor de País e Mundo do referido jornal. Colabora neste no momento com a Vila Nova Online e a Revista Bica.

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