Sobre os fogos do eucaliptal português, conhecidos como “fogos florestais”, a comunicação do Governo e da Presidência da República (PR) passa por dois temas, que os jornais vertem sem crítica: aquecimento global e ausência de limpeza de matas. Junta-se a do poder local: “faltam meios de combate ao fogo”. Ambos, Estado central e local, são coniventes com o eucaliptal e (cada vez com menos importância) pinhal. Nestas horas há que destacar responsabilidades políticas.
Ora, ondas de calor sempre houve, e com ou sem aquecimento global, existirão. Podem piorar mas 40 graus com vento sempre houve e 48 pode ser o máximo, 45 é comum e arde tudo na mesma, como arde com 38; vento, em Portugal, no Verão, é norma, não é nem nunca foi excepção; limpeza de matos é uma solução incomportável, cara, insuportável para os proprietários, e errada – os matos são local de biodiversidade, entre outros. É uma solução que qualquer guarda florestal chamaria de “ecopateta”. Limpar matos junto a estradas faz sentido, mas num eucaliptal é inútil, até porque o eucalipto já seca grande parte desses matos.
Enquanto existirem manchas ininterruptas de eucalipto, com um campo abandonado, sem biodiversidade, com as populações concentradas nas cidades, e o eucalipto for lucrativo, podem cortar todos os matos e chamar todos os bombeiros e meios que o país vai arder.
Não podemos ter um país eucaliptado
Os fogos do eucaliptal português são uma grande demonstração de como o Homem não controla a natureza, de como o Planeta avança sobre os seres humanos com uma força imparável. Embora todas as manifestações pelo clima sejam em tom milenarista, acentuando que a “Terra pode acabar”, isso não tem qualquer sentido de realidade. O Homem pode acabar, que o Planeta Terra fica cá. Não é a Terra que precisa de ser salva, somos nós. A “Terra” brinca connosco demonstrando a sua força. Temos que ser salvos da voracidade do lucro que destrói os nossos meios de vida, entre eles uma relação sustentável com a natureza. Ou passamos a ter uma relação com o meio que seja de sustentabilidade ou a destruição sistemática dos bens essenciais à vida permanecerá, limpem os matos que limparem. Não podemos ter o país eucaliptado. Podemos aqui ou ali ter eucalipto, como temos que ter políticas de produção de agriculta sustentável, floresta de carvalhos, cidades pequenas interligadas por bons comboios e muito mais. País eucaliptado vai arder, mesmo que lhe chamemos “floresta”, mesmo que a comunicação política insista em dizer que a culpa é de quem não limpa matos ou das ondas de calor.
Matos e ondas de calor, ou falta de aviões, não explicam nada. Mas são sintomáticos sobre a completa ausência de ideias governativas sobre o tema em Portugal.
A destruição ecológica não causa fogos no eucalipto por ondas de calor, são os eucaliptais que provocam a destruição ecológica porque são parte da política predatória dessa onda de calor chamada “capitalismo”, “mercado”, “investimento”.
A PAC e o eucalipto
Em Portugal não é o abandono do campo que faz fogos, é a política, incluindo a do eucalipto (o mercado) que leva ao abandono do campo. Fazer do campo abandonado a origem do problema é promover de facto a expropriação dos pequenos proprietários.
Esta política tem uma história remota.
Os camponeses expropriados para se tornarem trabalhadores ou vão de forma submissa para a fábrica, sem organização, ou fazem revoltas incontroláveis. Mais, na Champanhe como na Ucrânia Ocidental, no Minho como Baviera, eles são protagonistas de revoltas que podem tornar uma revolução incontrolável (russa) mas também são a base social contra as revoluções sociais. Como garantir o fim destes evitando revoltas massivas, como conseguir introduzir o capitalismo nos campos da Europa, sem que eles camponeses se tornassem disruptivos? A Política Agrícola Comum foi a resposta da burguesia europeia do pós-guerra a esta questão.
A PAC não é uma política de fixação ou desenvolvimento rural mas justamente da mercantilização da agricultura. O campo foi sendo abandonado porque a produtividade do trabalho agrícola é muito baixa, a única agricultura rentável para o lucro é a intensiva, quase sem trabalhadores (no geral, há excepções, como apanha de algumas frutas). Nestes 40 anos, a esse abandono juntou-se o monopólio (de facto) da pasta de papel que fez da paisagem florestal portuguesa uma monotonia, desinteressante, seca, feia e repetitiva. Espécie altamente combustível, foi plantada segundo o modelo clássico neoliberal: as pequenas empresas subcontratadas (os pequenos proprietários) plantam, vendem ou alugam às celuloses, o prejuízo é do Estado – o custo com fogos e erosão dos solos.
Para quem é ‘rentável’ a floresta de eucalipto?
Claro que podemos argumentar que a pequena propriedade não é viável. Ou pelo menos debater o tema sem tabus. Podia ser viável com subsídios – quanto gastamos em fogos que podemos gastar a produzir alimentos subsidiados? Não tenhamos, porém, ilusões – a floresta portuguesa devia ser de gestão pública e colectiva. Não Estatal, mas sim pública e coletiva, permitindo plantar áreas de floresta e agricultura com alto retorno em matérias-primas e lamentos ricos.
Mas façamos a questão ao contrário: desde quando a grande propriedade privada das celuloses é viável? O país a arder, pessoas a morrerem, casas a desaparecer, uma paisagem devastada é “rentável”, para quem?
Imagem: Regional TV
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Obs: este texto resulta da fusão de 2 outros textos previamente publicados no blogue da autora Raquel Varela, sob os títulos Fogos Eucaliptal e A PAC e o Eucalipto que, assim sendo, sofreram ligeiras adequações na presente edição.