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A essência do cinema de Dziga Vertov – a verdade vista através de um olhar cinemático – é lembrada a propósito de ‘O homem da máquina de filmar’.
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Na sua introdução ao livro de escritos do realizador soviético, Kino-Eye – The Writings of Dziga Vertov (University of California Press, 1984), Annette Michelson escreveu que “a investigação epistemológica e o projecto de um cinema revolucionário convergem nesse mundo de verdade visto pelo olho cinemático. E Vertov é o grande descobridor desse mundo. O seu trabalho é paradoxalmente concreto, a instância original e paradigmática de “uma tentativa de filmar, em câmara lenta, aquilo que aconteceu, em consequência da forma como é apreendida em velocidade natural, não absolutamente invisível mas perdida pela vista, sujeita ao equívoco. Uma tentativa de abordar de forma lenta e calma essa intensidade original que não é dada em aparência, mas da qual as coisas e os processos, no entanto, por sua vez derivaram.”
“A evolução do seu trabalho torna insistentemente concreto, como numa série de ícones cinéticos, aquele fantasma filosófico da consciência reflexiva: o olho a ver, apreendendo-se a si mesmo à medida que constitui a visibilidade do mundo: o olho transformado pelo projecto revolucionário num agente de produção crítica.
“O caso de Vertov é muito especial: uma história com quarenta anos da recepção mais céptica e hostil e de uma sistemática negligência crítica. Claro que o cepticismo e a hostilidade não são únicos; mas a negligência continuada, o cepticismo e a perplexidade partilhados por parte de espectadores geralmente perceptivos e qualificados e a literatura evasiva e inadequada sobre o filme de Vertov dão que pensar. A história do cinema soviético é uma das áreas mais elaboradamente documentadas e consagradas do meio. Claro que é verdade que há muita pesquisa sobre a história do cinema soviético que continua por se fazer e refazer, para ser resgatado do molde prejudicial da piedade, mas a ausência de atenção dedicada e séria até muito recentemente torna o caso de Vertov efectivamente singular. Metido à pressa e distraidamente no balde do lixo da história do cinema, os seus maiores trabalhos foram deixados a marcar o tempo, ao longo de quatro décadas, como bombas-relógio.”
Em resposta ao jornal Kinofront, em 1930, Dziga Vertov disse que “até agora, não houve um único documentário ou filme actuado a responder totalmente às exigências políticas feitas pelo cinema revolucionário. Lançado numa altura de crise cinematográfica (crise não tanto temática – havia temas infindáveis – como de meios de expressão), lançado como um filme com um propósito em particular – o de preencher a lacuna no interior da linguagem cinematográfica, e a cineficação da fotografia “de pau”, O Homem da Câmara de Filmar não reivindica substituir ou destituir os nossos outros trabalhos. Mas nem sequer a soma total destes filmes pode esperar ter respondido (ou responder) totalmente e de forma oportuna a todas as exigências políticas que o partido criou e devia criar para o cinema revolucionário.
“É essencial triplicar a nossa energia, re-organizar a produção e a distribuição cinematográfica com base na “proporção Leninista,” organizar uma fábrica de filmes documentais, nomear quadros de trabalhadores de produção cinematográfica ao longo de toda a frente do Plano Quinquenal. O método de competição socialista vai ajudar os trabalhadores de filmes documentais a aproximar-se de uma melhor e mais completa realização das exigências políticas do partido.”
Já Henri Langlois, em texto reunido nos Écrits de Cinéma (Flammarion, 2014), e descrevendo o trabalho de Vertov, escreveu que “considerando a imagem já filmada como um valor em si, ele quis fazer dela o elemento de base da arte cinematográfica, quis, na verdade, utilizar o documento nascido intervindo apenas a posteriori, com a escolha do documento e com a sua organização, dando à montagem um valor primordial e absoluto. Por isso, foi um dos grandes pioneiros do cinema.
“O Homem da Câmara de Filmar é apenas um dos seus últimos filmes mudos, o único que nos está acessível actualmente, e se a data da sua realização não nos permite situar Vertov neste programa dentro da sua data e do seu lugar histórico : antes de Ruttmann, esse arrependimento é amplamente compensado pela vantagem de tornar sensível a sua arte, as suas teorias e a sua ciência com o seu filme mudo que consideramos mais representativo.
“Dificilmente se pode imaginar montagem mais fulgurante, ao ponto de fazer da imagem um valor secundário e de nos fazer esquecer a teoria do Cine-Olho.”
Na terceira semana de Outubro (curioso mês), o Lucky Star – Cineclube de Braga prosseguiu o seu ciclo sobre as Repúblicas Sociais Soviéticas mostrando o homem e o olho perdido pela urbe moderna de Dziga Vertov, nascido David Abelevich Kaufman, através da sua obra mais conhecida, O Homem da Câmara de Filmar. A sessão foi apresentada a 15 de outubro no auditório da Casa dos Crivos.
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Natural do Porto, João Palhares editou os dois únicos números da revista portuguesa Cinergia, colaborando ainda com revistas estrangeiras como a italiana “La Furia Umana” ou a “Foco – Revista de Cinema”, do Brasil. Em 2015, fundou o Lucky Star com José Oliveira, cineclube em que também programa e para o qual escreve folhas de sala, colaborando ainda com traduções. Foi colaborador do site “À Pala de Walsh” entre 2012 e 2015.
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