“Viver sem ler é perigoso porque obriga-[nos] a acreditar no que [nos] dizem”, lembrando um aviso de Mafalda, a irreverente personagem criada pelo cartoonista Quino. Sermos leitores é também sermos leitores e intérpretes do mundo, é sabermos analisá-lo e questioná-lo, de modo a não cairmos em dogmas. Poucos o fizeram de forma tão exímia como José Saramago. A sua obra Ensaio sobre a cegueira permanece(rá) uma leitura fundamental e uma alegoria alarmante dos perigos que corremos quando deixamos de ver o outro.
Como que o confirmando, e complementando, Saramago afirmou, por sua vez: “Eu não invento nada. Limito-me a pôr à vista. Levanto as pedras e mostro o que está por baixo. Nós somos o outro do outro”, em citação que seduziu e inspirou Alexandra Silva a produzir uma ilustração de homenagem ao escritor português vencedor do Prémio Nobel da Literatura.
O resultado foi a representação do autor com o rosto parcialmente ilustrado com excertos de três das suas obras, Memorial do Convento, Levantado do Chãoe O Evangelho Segundo Jesus Cristo, acompanhado pela oliveira transplantada do olival centenário que ficava perto da casa dos avós de José Saramago, na sua aldeia natal, Azinhaga do Ribatejo, onde foram depositadas as suas cinzas, um ano após a sua morte, que se funde com o próprio autor e, na retaguarda da imagem, a Fundação José Saramago.
Alexandra Silva
Advertir para perigos de certos comportamentos
“[O] que a literatura faz é o mesmo que acender um fósforo no meio da noite. Um fósforo não ilumina quase nada, mas permite-nos ver quanta escuridão existe ao nosso redor” (disse William Faulkner, também ele vencedor do prémio Nobel da Literatura, em 1950, citado por Javier Marías).
Esse foi, realmente, o mote de grande parte da obra literária de José Saramago. Fazendo uso da fantasia e da realidade, da ficção e do relato histórico, como só ele sabia fazer, pintou-nos retratos da nossa sociedade e, em última análise, da nossa própria humanidade, iluminando, muitas vezes os aspetos que, por norma, estão votados à escuridão.
Foi, aliás, esse aspeto da sua criação literária que foi homenageado pela Academia Sueca, justificando a escolha do autor como aquele “que, com parábolas portadoras de imaginação, compaixão e ironia torna constantemente compreensível uma realidade fugidia”. É, igualmente, isso que as distopias pretendem fazer. Através da criação de realidades ampliadas e satirizadas da nossa, criam paralelismos entre as duas, de modo a servir de advertência para os perigos de certos comportamentos.
Literatura e esperança nas distopias de Saramago
Saramago fazia este tipo de alertas recorrendo, frequentemente, ao humor, tendo feito críticas mordazes a instituições como a igreja, Deus e a religião ou o poder político. Em Ensaio sobre a cegueira, desenvolveu uma das suas maiores críticas à sociedade. Neste, “um homem fica cego, inexplicavelmente, quando se encontra no seu carro no meio do trânsito” e, gradualmente “[a] cegueira alastra como um rastilho de pólvora” até se tornar numa cegueira coletiva, um mundo de cegos – alegoria de um mundo (o real) de “cegos que vendo, não veem”.
Esta cegueira de Saramago pode ter muitas associações na nossa sociedade contemporânea. É a cegueira da indiferença, do individualismo, da intolerância… É, sobretudo, a cegueira do medo, alienante e contagiante e, por isso, perigosa. Como escreve numa passagem de Ensaio sobre a cegueira, num tom profundamente atual: “O medo cega”. E é, também, por isso que a literatura é tão importante: para convidar as pessoas a sair da sua zona de conforto e a descobrir o desconhecido, a confrontar o outro, vestir a sua pele e ver que, afinal, não somos assim tão diferentes. É por essa razão que, embora pintem uma realidade negra, os livros distópicos, por norma, não são totalmente despojados de esperança.
O que a literatura faz é o mesmo que acender um fósforo no meio da noite. – William Faulkner
Ler para combater perigos de um mundo devotado ao medo e à ignorância
Num mundo de cegos, há quase sempre um (ou dois, no caso de 1984) que começam, aos poucos, a delinear formas no nevoeiro, a distinguir o que é real do que não é e a ver as coisas como elas são (literal ou metaforicamente). É esse o caso da personagem principal (sem nome) de Ensaio sobre a cegueira que, para além de manter a sua visão, mantém também a sua humanidade, auxiliando o grupo a sobreviver não só à cegueira dos sentidos mas à cegueira maior, a cegueira ética, que os ameaça desumanizar. É também o caso de Winston e Julia, personagens de 1984, e do seu amor, que é como um golpe político contra um estado totalitário que proíbe as relações afetivas, ou de Offred em A História de uma Serva cuja resistência inspira, ainda hoje, à rebelião contra o conservadorismo e o fundamentalismo religioso no que diz respeito aos direitos das mulheres. É, igualmente, o caso dos leitores, que se recusam a acreditar meramente no que lhes dizem, como adverte Mafalda, e, assim, combatem os perigos de um mundo devotado ao medo e à ignorância.
Pior cego é aquele que não quer [ler]
Saramago escreve que a cegueira é também (…) viver num mundo onde se tenha acabado a esperança. A isso temos a acrescentar que cegueira pode também ser viver num mundo em que não se lê, ou ainda: O pior cego é aquele que não quer [l]er.
Dado o âmbito generalista, a VILA NOVA Online aborda de tudo um pouco, desde as Artes e a Cultura – artes do palco e artes plásticas, cinema, história, literatura, poesia, por exemplo -, à Política, passando pelo Ambiente ou pela Saúde e a Economia ou Responsabilidade Social, mas também o Desporto e o Reconhecimento públicos. As nossas referências fundam-se na liberdade individual e nos direitos humanos. Entre os nossos conteúdos, poderá encontrar uma série de temas transversais à sociedade contemporânea, nomeadamente o trabalho e as desigualdades sociais ou a ciência e a tecnologia. A democracia e as liberdades cívicas e individuais, a vida das empresas, o ensino, as finanças, o lazer, a inclusão, entre tantos outros, marcam o rumo da nossa presença online.
Parcerias com VILA NOVA Online
Caso tenha interesse em estabelecer connosco alguma forma de colaboração ou parceria, poderá estabelecer um contacto inicial connosco através do endereço de email pedrocostavilanovaonline.com. Poderá utilizar este endereço de email do jornal VILA NOVA Online para publicar artigos de opinião ou ensaios de sua autoria ou realizar a divulgação de conteúdos, nomeadamente sob a forma de notícias.
Efetuar o login em VILA NOVA Online
Para poder comentar a informação e opinião publicada neste jornal diário digital, isto é, efetuar comentários expressando a sua opinião sobre os diversos conteúdos publicados, terá obrigatoriamente de se registar, caso ainda o não tenha feito, e posteriormente efetuar o login em VILA NOVA Online. Por favor, no sentido de enriquecer a qualidade da publicação e fomentar o interesse de outros leitores deixe apenas comentários relacionados com o tema em apreço.
Sinopse
VILA NOVA Online começou por ser um órgão de comunicação social, com periodicidade periódica diária, existente num suporte e respetivo endereço online. Hoje em dia é apenas um blogue.
Este projeto, embora seja de caráter generalista – política, economia, sociedade, arte e cultura, ciência e tecnologia, desporto -, possui um âmbito de atuação sobretudo local e regional.
VILA NOVA Online destina-se sobretudo a Famalicão e aos famalicenses. A Famalicão, uma vez que este é o seu ponto de partida geográfico para a sua existência; aos famalicenses, aqui nascidos e criados, residindo no concelho ou fora dele vivendo, quer em áreas limítrofes quer até mesmo espalhados pelo mundo, mas também os adotivos, caso daqueles que aqui residem ou trabalham, porquanto todos estes serão o seu público preferencial.
A publicação VILA NOVA Online pretende assim ser um espaço de encontro, diálogo, debate, de aprofundamento relacional entre todos os seus leitores. Será, por essa razão, produzido também preferencialmente por famalicenses, no fundo, aqueles que aqui nasceram ou que com a cidade e o concelho têm uma relação pessoal de proximidade e intimidade.
Sendo VILA NOVA um título que já previamente existiu nesta localidade – Vila Nova de Famalicão – vai lá buscar-lhe o nome em função de princípios subjacentes à fundação do órgão que lhe deu a designação: a democracia, a liberdade de expressão e a existência de uma opinião pública forte, interveniente e civicamente responsável, mas também assertiva nas suas apreciações e nos seus pontos de vista.
Por outro lado, este renovado VILA NOVA pretende enquadrar-se de forma plena na civilização contemporânea e no mundo de novas tecnologias e novas formas de atuação e convívio sociais que lhe são correspondentes. Entende por isso, a expressão “Vila” como um conceito de natureza histórica, em que o centro urbano ou o aglomerado urbano é um local habitado pelos cidadãos em que estes têm os seus direitos e deveres. Vai ainda um pouco mais além, concretizando o adjetivo “Nova” no sentido da forma interrelacional que os centros urbanos dos nossos dias têm vindo a desenvolver, atuando com frequência de forma conjunta ou interagindo entre si, estejam eles e os seus cidadãos a curta ou a longa distância.
Do exposto resulta que o novo VILA NOVA incidirá a sua ação sobretudo na análise e contextualização do evento noticioso, frequentemente por via da opinião, da entrevista e do inquérito, mas também da reportagem, entre outras.
Estatuto editorial
VILA NOVA Online é um órgão de comunicação generalista que, tendo a sua sede em Vila Nova de Famalicão e partindo de um âmbito regional e vocacionado para a esfera local, se afirma como um espaço de cidadania ativa e participativa e se desenvolve num quadro contemporâneo de profundas mudanças civilizacionais e tecnológicas.
A VILA NOVA Online reveste a forma de uma publicação digital, com lugar próprio numa plataforma online. Depois de inicialmente apresentar uma periodicidade de produção informativa diária, hoje em dia encontra-se encerrada, eventualmente apenas suspensa caso algum dia volte a ser reativada. A publicação apresenta caráter de divulgação de tipo genérico e diversificado, nomeadamente em diversos campos de atividade nos planos político, económico, social, artístico e cultural, corresponde às motivações e interesses de um público diferenciado e heterogéneo.
As opções editoriais relativamente aos artigos e notícias publicadas em VILA NOVA obedecem a uma constante disponibilidade para a análise, contextualização e produção de opinião em torno dos acontecimentos e situações que ocorrem sobretudo no quotidiano local e regional e não têm qualquer tipo de hierarquia prévia entre os diversos conteúdos, sem ainda assim perder de vista as interações globais da sociedade contemporânea. Estas escolhas são orientadas por critérios de rigor, originalidade e criatividade editorial e não têm qualquer dependência de ordem política, económica e/ou ideológica.
VILA NOVA Online participa no debate das questões que se colocam à sociedade portuguesa na perspetiva da transformação do espaço interno, mas também dos quadros europeu e internacional de relações em que Portugal se inscreve.
Os artigos e notícias publicados em VILA NOVA Online respondem perante os seus leitores, numa relação rigorosa e transparente e cujos limites são a privacidade de cada cidadão e o seu reconhecimento e credibilidade públicas.
Para lá disso, a VILA NOVA Online compromete-se a assegurar o respeito pelos princípios deontológicos e pela ética profissional dos jornalistas, assim como pela boa fé dos leitores.