Falar de feijões é regressar à mesa da cozinha da avó e brincar a espalhar os grãos que saíam de um saco de pano florido e se amontoavam no tampo da mesa. É catar pedrinhas de várias formas e tamanhos, escondidas nos grãos, e rir com o ar sério fingido da avó tentando mostrar que aquilo era tarefa importante e de responsabilidade. E era. Era terapia de mimo e riso. Era meditação familiar juntando 4 ou 5 pessoas em roda da mesa.
As leguminosas fazem parte da minha infância e provavelmente de toda a gente por estas bandas e arredores.
Estudos na Síria demonstraram que o cultivo de favas remonta a 9000 a.C. ou até mesmo antes.
Astecas, Incas, Maias, todos deixaram vestígios do uso de leguminosas, principalmente feijão.
Na Grécia Antiga os feijões eram usados para votar: branco era um sim e negro era um não.
As leguminosas em grão fazem parte de um conjunto de espécies que pertencem à família Fabaceae, também conhecida como Leguminosae. Com algumas exceções, uma característica típica desta família é a presença de frutos em forma de vagem. Esta família tem mais de 400 géneros e mais de 12 500 espécies. O grão de bico, a ervilha, a fava, a lentilha e o feijão são apenas alguns exemplos.
A nossa cultura gastronómica está repleta de heranças do seu uso: tripas à moda do Porto, feijoada, bacalhau com grão, favas guisadas, são inúmeros e “velhos” os pratos da cozinha tradicional que as usam. Qual é a mesa de verão em que faltam os tremoços?
Hoje em dia é amplamente conhecido pela comunidade científica os benefícios para a saúde pública do consumo de leguminosas, tanto que a FAO (Food and Agriculture Organization) lhe dedicou o ano de 2016. Foram inúmeras as campanhas nacionais e internacionais de esclarecimento e promoção do seu consumo, no entanto, na prática, parece que os portugueses ainda estão muito aquém das doses recomendadas.
O grupo das leguminosas deve fornecer cerca de 4% da energia diária total (em 2015 consumíamos 0,6%), ou seja, uma ingestão de apenas 1 a 2 porções diárias. Sendo que 1 porção é equivalente a 1 colher sopa leguminosas secas cruas (25gr) ou 3 c. sopa de leguminosas frescas cruas (80g) ou 3 c. sopa de leguminosas secas/frescas cozinhadas (80g). Podendo estas ser acrescentadas a sopas, guisados, cozidos, estufados, base de hambúrgueres e almôndegas, usadas em farinhas ou sobremesas.
Além de boas fontes de vitaminas e minerais, são fornecedores de proteínas de médio valor biológico e hidratos de carbono complexos.
Possuem, normalmente, baixo teor de gordura, com algumas exceções como soja ou amendoins, e nenhum colesterol. Podem, por isso, substituir os alimentos do grupo da Carne, Pescado e Ovos em algumas refeições. (3 a 6 colheres de sopa de leguminosas equivale a 50 – 100 g de carne).
São ricas em hidratos de carbono de absorção lenta e fibras solúveis, tendo assim um papel importante no controlo do apetite, na regulação do açúcar no sangue, no aumento dos níveis de colesterol-HDL (“colesterol bom”, com efeito regulador dos níveis de colesterol sanguíneo) e na regulação do trânsito intestinal.
Mas se queremos beneficiar das leguminosas não as podemos abafar com quilos de carnes repletas de gorduras e dezenas de enchidos, temperando-as ainda com excesso de gordura (sim mesmo sendo azeite não deixa de ser gordura e extrapolar acima das 100 calorias por cada colher de sopa) e ainda esmagando as coitadas das leguminosas com toneladas de sal.
Devemos sim, consumi-las sempre casadas com bastantes legumes e uma boa fonte de cereais. Poderão ou não acompanhar uma fonte de proteína animal consoante as preferências e necessidades nutricionais, não esquecendo que a porção varia se existem ou não outras fontes de proteína no prato.
Retomar o hábito da demolha em casa poupa saúde e dinheiro e não gasta muito tempo e ainda diminui aquele problema de “gases” quando as come. Pôr as leguminosas de molho à noite para usar no dia seguinte pode ser um bom planeamento e se as cozer “de uma enfiada só” e congelar em porções, tem “fast food” saudável sempre à mão, que é como quem diz, rápida e boa!
Imagine que chega a casa sem tempo (não é preciso imaginar muito, pois não?), abre o congelador, tira uma porção de feijão frade congelado, coloca numa peneira (ou coador), passa debaixo da torneira, escorre e coloca numa taça.
Entretanto pica uma cebolinha e um ramo de salsa fresca ou congelada ou o que tiver, aquece o feijão, aquece aquele restinho de arroz que sobrou de ontem, mistura tudo na taça, tempera com um fio de azeite, misturado com um dentinho de alho quase desfeito, sal muito pouco e só se não tiver restrições de saúde. Inicie a refeição com uma sopa (que já estava pronta no frigorífico e aqueceu enquanto tratava do feijão debaixo da torneira), e comece a desfrutar.
No fim remata com uma tangerina, fruta desta época do ano e rica em vitamina C e vai cheio de energia e sem fome para o trabalho novamente. Se faltou alguma coisa? Absolutamente nada. Refeição completa.
Mas ainda está a pensar no assunto e a achar que vai ficar com a “barriga inchada” depois desta refeição. Que tal beber uma infusão de funcho ou hortelã pimenta ou cidreira ou roibos? Vá variando, são ervas, mas não deixam de ter efeitos secundários.
Quando cozinha leguminosas experimente adicionar ervas aromáticas nos seus preparados e vai ver que a flatulência diminui, o tomilho, orégãos, coentros, hortelã são algumas que auxiliam a digestão.
No entanto, existem pessoas que podem apresentar alguns sintomas desagradáveis aquando do consumo de leguminosas e nesse caso deve sempre aconselhar-se com um nutricionista.
Mas lembre-se, quando come leguminosas, além de tratar da sua saúde, estas plantas ainda ajudam na adaptação às alterações climatéricas, melhorando a qualidade dos solos, fixando azoto e potenciando o desenvolvimento de outras espécies.
As leguminosas são grãos nutritivos, facilmente disponíveis e baratos. Por isso “jogar a feijões” afinal pode ser uma aposta ganha em saúde!
Imagens: Carina Oliveira