Artur Manuel Rodrigues do Cruzeiro Seixas surrealizou por aí quanto baste – em Portugal, mas não apenas. Deixou, assim, para memória futura uma impressionante quantidade de trabalhos enquanto pintor, poeta, livre criador. Durante quase um século – tão longa foi a sua vida -, desenvolveu um universo imaginário muito pessoal, no qual documentou o (não) viver da sua vida imaginada e sonhada, sem imposições ou restrições de caráter estético ou moral. Surrealismo é a palavra que todos associam ao artista, mas liberdade será, de facto, a palavra-chave que ficará associada para sempre ao seu viver.
Nascido a 23 de fevereiro de 1920, Cruzeiro Seixas faleceu a 8 de novembro de 2020 em Lisboa, a poucos dias de completar os 100 anos de idade. Viveu, por isso, durante um dos mais agitados e revolucionários séculos na história da humanidade. Atendendo à sua personalidade, não conseguiu viver indiferente ao tempo e imune às transformações operadas na sociedade, em que a palavra Liberdade, como referia André Breton, o líder do movimento surrealista que acabou por integrar, era palavra-chave. O rei Artur é mesmo considerado um dos principais representantes do Surrealismo em Portugal, com uma obra extensa e de produção incansável.
Escola António Arroio e Café Herminius marcam destino do criador
Na Escola de Artes Decorativas António Arroio, que frequentou entre 1935 e 1941, estabeleceu a marcante amizade que o uniria para sempre a Mário Cesariny, mas também com António Domingues, Fernando de Azevedo, Marcelino Vespeira, Júlio Pomar, Fernando José Francisco, entre outros. Mais tarde, a partir de 1942, frequentaria o Café Herminius na Avenida Almirante Reis (Lisboa), local de encontro de intelectuais que, apesar dos parcos recursos financeiros, frequentavam assiduamente as livrarias e aí se reuniam para debaterem as suas ideias e terem acesso aos livros proibidos pela PIDE.
Do expressionimo-neorralista ao surrealismo
Cruzeiro Seixas atravessou um período expressionista-neorrealista, mas desde cedo tomou parte no movimento Surrealista que melhor dava resposta às suas necessidades pessoais de libertação criativa e estética, criativos, mas também ideológica e social. Em 1948 integrou o grupo Os Surrealistas com António Maria Lisboa, António Paulo Tomaz, Carlos Calvet, Carlos Eurico da Costa, Fernando Alves dos Santos, Fernando José Francisco, Henrique Risques Pereira, Mário Cesariny, Mário-Henrique Leiria e Pedro Oom.
Viajar pelo mundo com regresso a Portugal
Em 1951, alistou-se na Marinha Mercante, viajando pela Índia, Extremo Oriente e África, e acabou por se fixar a viver em Angola em 1952. Em Luanda, iniciou a sua coleção etnográfica, escreveu os primeiros poemas e trabalhou no Museu de Angola onde realizou exposições em moldes absolutamente novos no país. Com o eclodir da guerra colonial regressou a Portugal, em 1964, viajando pela Europa.
Ligações de Cruzeiro Seixas a movimentos surrealistas em Chicago e Paris
Apesar do grupo Os Surrealistas se ter desmembrado ainda na década de 1950, Cruzeiro Seixas prosseguie o seu trejato pessoal, destacando-se sobretudo como desenhador e pelos seus objetos surrealistas. Expõe, então, por esse tempo, individual e coletivamente, em Portugal e no estrangeiro, destacando-se a Exposição Internacional Surrealista na Holanda (1969) e a exposição Marvellous Freedoom – Vigilance of Desire: World Surrealist Exhibition, organizada pelo Chicago Surrealist Group, nos Estados Unidos da América (1976), que apresentou mais de 500 trabalhos de 1 centena de autores de vários artistas de todo o mundo. A sua carreira internacional beneficiou ainda do facto de ter aderido ao Movimento Internacional Phases, em Paris, liderado pelo poeta e ensaísta Édouard Jaguer, que valorizava formas de expressão artística desvinculadas da tradição ocidental, tais como a produção infantil, sob efeito de psicóticos, de povos não ocidentais, bem como de artistas populares, o que lhe permitiu aparecer em várias apresentações coletivas do grupo, assim como em diversas publicações como a Phases, Brumes Blondes ou La Tortue-Lièvre.
Reconhecimento definitivo em finais dos anos 80 do Século XX
Mais tarde, já em Portugal, desenvolve funções de consultor artístico na Galeria de São Mamede (1968 -1974) e dirige a Galeria da Junta de Turismo da Costa do Estoril (1976-1983) e a Galeria de Vilamoura (1985-1988), tendo sido responsável por impulsionar o meio artístico na promoção de exposições.
Foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian por duas vezes (1967 e 1978) e em 1986 publicou a sua primeira edição de poesia Eu Falo em Chamas pela Galeria Gilde, de Guimarães. Em 1989, o conjunto do seu trabalho obteve reconhecimento ao ver ser-lhe atribuído o galardão Artista do Ano, instituído pelo Centro de Arte Soctip, na sequência do qual foi publicado o álbum Cruzeiro Seixas sobre a sua vida e obra.
Mudar de vida aos 80 anos
Em 1999, doou a sua coleção à Fundação Cupertino de Miranda (FCM) e esta dedicou-lhe uma exposição retrospetiva e de homenagem por ocasião do seu 80.º aniversário.
Foi homenageado pelo Presidente da República Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, com o Grande-Colar da Ordem Militar Sant’Iago da Espada, em 2009. Em 2012, fixou residência em Vila Nova de Famalicão, cidade que lhe prestou diversas homenagens, tais como: atribuição do seu nome a uma das principais ruas de acesso ao Parque da Devesa (2013); atribuição do título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Lusíada (2014); atribuição da Medalha de Honra do Município, o galardão maior do município pela projeção cultural e artística que trouxe à cidade (2015).
Em abril de 2016, regressou a Lisboa, passando a viver na Casa do Artista. Nesse ano estreou o filme-documentário Cruzeiro Seixas – As Cartas do Rei Artur, realizado por Cláudia Rita Oliveira galardoado com reconhecimento do público no Prémio RTP para melhor filme português.

100 anos de (não) viver em 2020
Artur Manuel Rodrigues do Cruzeiro Seixas encontra-se representado em diversas coleções privadas e instituições em Portugal e no estrangeiro. Sobre a sua obra, Emília Ferreira afirmaria que o traço certeiro de Cruzeiro Seixas, “de limites apurados e atmosferas de vertigem […] edifica um mundo desolador em que a face onírica e literária não esconde a violência do conjunto, destruindo toda a possibilidade de quietude“. Mas essa noite primordial e inquietante “soube coexistir com paisagens mais ligeiras e felizes, como algumas das pintadas nos anos de Angola, e com citações plásticas da história da arte, num jogo de grande prazer plástico, bem como com objetos dotados de flagrante poética, na sua simplicidade de materiais, de técnicas e no sobressalto imaginativo”.
Como programador cultural e colecionador contribuiu para o crescimento do acervo do Centro Português do Surrealismo, através das suas doações, conselhos e das aquisições por parte da Fundação Cupertino de Miranda. Esta é detentora do seu acervo artístico com mais de 400 obras do próprio e outras tantas de outros artistas, e do seu acervo documental, destaca-se uma coleção de 42 cadernos intitulados Diários Não Diários com registos da sua vida pessoal e profissional. Sobre estes, afirmou João Prates: “Ele tem sempre uma ideia de futuro, está sempre a pensar não no que está feito, mas em tudo no que falta fazer, essa é uma das razões da sua grande longevidade. É sempre o seu espírito, a sua imaginação, a capacidade criativa, ultrapassam seguramente essa idade e tornam-no um jovem no sentido de projeção no futuro”.

Em 2020, foi condecorado com a Medalha de Mérito Cultural pela Ministra da Cultura Graça Fonseca, e foi celebrado o Centenário do Nascimento de Cruzeiro Seixas, consagrando esta personalidade portuguesa das Artes e das Letras.
Celebrar o grande artista com descontos na FCM
Na livraria da Fundação Cupertino de Miranda, em VilaNova de Famalicão, o Autor deste mês de dezembro, época de Natal, é Cruzeiro Seixas. Pode, por isso, aproveitar 10% de desconto nos títulos deste grande vulto da cultura nacional, até ao encerramento do ano de 2022.