As mais belas transparências das estações surgem nas manhãs obsoletas de Inverno, ainda que seja Verão ou Primavera em fim de estação. O que mostram está na transmutação do núcleo abstracto da imagem que se dilui no ácido purificado das cortinas húmidas: representações familiares que se desfocam à passagem de pássaros como intervalos de sílabas, recordações que deflagram na memória de outras vidas, contornos de figuras divinas da Renascença que em muito contribuíram para a ignorância, movimentos paralíticos de animais fora de prazo condensados em metáforas de açúcar. A subjectividade imagética dos nevoeiros na construção aérea de interrogações que prendem a atenção silenciosa e, por vezes, clandestina, do observador anónimo em busca de momentos que o ajudem na alienação de si porque a insuportável realidade o impõe como método de sobrevivência ao desastre anunciado. Instantes em fuga no apriorismo do tempo por vezes abalados pela falsa inconsciência de um cão que ladra, chamando a atenção que está na hora de ir ao mercado dos conflitos financeiros. Lá se vai o sossego enquanto as nuvens se movem condicionadas pelos anticiclones.
(nabos, cenouras, alho francês, abóbora, tomate, courgette, a lista está pronta, faltando apenas os coentros para cilantrar a sopa, sem esquecer o papel higiénico, muito papel higiénico)
Imagem: José Lorvão