era de uma salva de palmas no final de cada sonho”
Assim se iniciou, em novembro do ano passado, a colaboração do poeta Tiago Alves Costa na Vila Nova Online, publicação que não sendo uma revista literária quer dar a conhecer valores artísticos desconhecidos, ou quase, na região onde se insere a sua ação. O poema fazia parte do seu mais recente livro Mecanismo de Emergência e vinha também acompanhado de um video realizado pelo seu amigo e cineasta Roi Fernández.
Foi uma autêntica surpresa tomar contacto com aquele texto. As palavras de Tiago Alves Costa sucediam-se umas às outras, como em mecanismo avassalador, de tal forma que só restava ficarmos presos ao texto até a um final estonteante. Tiago joga com as palavras de uma forma que parece leve, mas não deixa de ser séria até aos ossos.
De então para cá, Tiago publicaria dois outros poemas e novos textos deverão vir a ser publicados a seu tempo, assim mantendo também ajudando a manter uma ligação com a cidade que o viu nascer.
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Tiago Alves Costa vive na Corunha desde 2009 e é lá que exerce a sua atividade profissional como editor da Revista Palavra Comum.
Nascido em 1980, em Vila Nova de Famalicão, tem percorrido outras paragens, nomeadamente Nova Iorque, onde realizou os seus estudos de pós-graduação em Criatividade e Inovação pela Tompkins Cortland Community College, isto depois de se ter licenciado em Publicidade.
A sua formação de base sente-se no ritmo que imprime à sua escrita. Parece ser lá que vai buscar uma frescura e vigor sempre presentes nos seus textos, sem que com isso perca a necessária autenticidade. Manuel Eiroa, no prefácio ao seu primeiro livro refere que Tiago Alves Costa “inventa novos poemas do eterno humano.” E acrescenta: “Não é possível pensar fora do tempo, porque a vida, fora dele, não é absolutamente nada. O poeta revela-nos o verdadeiro significado das palavras, a sua essência. (…) É necessário ser corajoso e lúcido para fazer algo tão singelo, aparentemente, como recuperar o valor e o
sentido que as palavras têm de seu.“
No Festival literário Raias Poéticas (Afluentes Ibero-Afro-Americanos de Arte e Pensamento), onde estará presente participando na sessão RAIAS SONORAS, no dia 25 de maio, pelas 17h00, é ele o responsável pelas relações com a Galiza.
Tiago Alves Costa é também, atualmente, membro da Associação Galega da Língua (AGAL), bem como membro da Associação de Escritoras e Escritores em Língua Galega (AELG).
Colabora com a revista de tradução Asymptote, com sede em Londres, a revista de Artes e ideas [sem] Equívocos, e a revista digital Palavra Comum. Foi membro fundador do Grupo Criador Editora.
Em 2017 recebeu a Menção Honrosa do Prémio Glória D´Santanna pelo seu livro Mecanismo de Emergência, editado pela Através Editora (Galiza) e já em 2018 obteve um 2º lugar, no Prémio de Narracións Curtas Manuel Murguía.
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Pedro Costa: Quem é o Tiago Alves Costa? Podemos pedir-lhe um autorretrato?
“Sou um homem
um poeta
uma máquina de passar vidro colorido
um copo uma pedra
uma pedra configurada
um avião que sobe levando-te nos seus braços
que atravessam agora o último glaciar da terra…”
Talvez o início do poema “Autografia”, do Mário Cesariny, pudesse responder aquilo que eu próprio não sei responder. Passamos uma vida inteira nessa eterna busca: Quem sou eu? Quem queremos ser? Quem deveríamos ser?
É curioso porque hoje mesmo, antes de me chegar a entrevista da Vila Nova, o meu sobrinho mais velho confessava-me ter falado de mim numa pequena apresentação na escola. E quando lhe perguntei sobre o que falara sobre mim, respondeu: Depois eu conto-te, tio.
Talvez eu pudesse também dizer “Depois eu conto”; seria mais fácil, não é verdade? Talvez a resposta a “quem sou eu” deva estar naquilo que escrevo. Transformo-me na minha escrita e, por isso mesmo, prefiro que conheçam mais e melhor as minhas palavras do que a mim. Se eu conseguir que elas sejam mais interessantes do que o Tiago Alves Costa, acho, muito sinceramente, ter atingido algum objetivo na minha vida.
Pedro Costa: Daquilo que sabemos sobre si, o Tiago parece ser um homem sensível. Por que escreve poesia: Para se sentir vivo, ganhar dinheiro ou ir para o céu?
Tiago Alves Costa: Apetece-me dizer que escrevo porque não sei fazer outra coisa. Sentir-me vivo é talvez a opção de que mais estou próximo. Ir para o céu talvez fosse uma boa ideia já que a maioria dos escritores vivem atormentados em terra (risos). Quanto à opção de ganhar dinheiro, quem não quer ganhar dinheiro com aquilo que gosta de fazer? Há uma ideia errada em relação à vida dos poetas. A maioria das pessoas pensam que vivem com as suas musas e em constantes devaneios oníricos… é ideia completamente errada.
Li recentemente, por aí, esta frase: “Inscreve no vivo um princípio de bondade. Dá Razão ao Poeta!” Na Islândia há uma política especificamente direcionada aos escritores que são pagos para escrever. Parece-me acertado. O Fernando Pessoa tem uma frase, no Livro do Desassossego, que reflete muito sobre isto: “Quem tenha estado a ler as páginas deste livro talvez tenha chegado à conclusão equivocada que eu sou um sonhador. Grande erro: para ser um sonhador falta-me o dinheiro.”
Pedro Costa: Sobre que fala a sua poesia? Recordo um poema que fala assim no seu início:
“O POEMA apresentou-se a um concurso de poesia
e leu-se a ele mesmo diante dos júris.”
Tiago Alves Costa: Gaston Bachelard dizia que “subir e descer nas próprias palavras é a vida do poeta”. Eu pratico muito esse exercício: subo e salto, desço e corro, salto de novo, paro para o silêncio, fico a olhar as palavras, elas ficam a olhar para mim, temos dias que nem sequer nos vemos, elas procuram-me e eu faço de conta, há outros dias que nos queremos tanto como dois amantes… Escrever, para mim, é uma posição de vida: esperar. É também um território da alma. Barraram-nos o acesso à alma? É texto-Movimento. Uma perturbação também. É romper com a ditadura da língua. Um último reduto de liberdade. Uma cartografia do eu (nós?). Quando escrevemos temos de conseguir revigorar a realidade, recriar o mundo. A forma mais radical de liberdade é da ordem do poético; eu gostava que a minha poesia andasse por estes territórios que referi, mas o leitor é soberano e é com ele que eu aprendo sobre aquilo que supostamente “fala a minha poesia”.
Pedro Costa: Quando começou a escrever poesia? Ainda guarda esses textos seminais? Lembra-se de alguma “imagem escrita” que o tenha orientado para esta forma de arte? Que imagem foi essa?
Tiago Alves Costa: Sou um escritor tardio, se é que posso dizer isso. A escrita andou sempre longe. No entanto, a literatura andou sempre perto já que o meu Pai também é escritor. A música, pelo contrário, despertou muito cedo em mim. Talvez daí ter passado a minha adolescência a tocar em bandas e, porque nas palavras dou mais sentido ao som do que ao sentido, um dia dei por mim a tentar escrevinhar alguns poemas querendo imitar o Miguel Torga. Obviamente que falhei por completo nessa imitação, mas foi o início de algo, o elemento propulsor que desencadeou toda esta minha vida pelas palavras. E sim, ainda guardo esses textos seminais.
Pedro Costa: Quem são os seus poetas preferidos? Posso pedir-lhe que partilhe connosco um extrato ou um poema que lhe fale direto ao coração?
Tiago Alves Costa: Não tenho poetas preferidos. Há leituras, e não se cingem somente à poesia, que passo todos os dias como uma religião, tais como Mário Cesariny, Maria Gabriela Llansol, Clarice Lispector, Brecht, Antonin Artur, Guimarães Rosa, W. C. Williams, Nietzsche, Maria Zambrano, são só alguns… E há um extrato de uma conferência de E.E. Cummings que é, sem dúvida, uma referência no meu caminho: “Se desejam seguir, mesmo à distância, a vocação de poeta têm de sair do universo do executar mensurável e entrar na incomensurável habitação do ser (…); se é a poesia o vosso objectivo têm de esquecer tudo acerca de castigos e tudo acerca de recompensas e tudo acerca de pretensas obrigações e lembrar-vos apenas de uma coisa: de que são vocês – e mais ninguém – quem determina o vosso destino e decide o vosso fado. Ninguém mais pode estar vivo no vosso lugar…” É bonito, não é?
Pedro Costa: De entre os seus escritos, qual é o poema que mais lhe toca, que sente como mais seu, de entre todos os que escreveu?
Tiago Alves Costa: Há um que pelo qual tenho um carinho especial e ao qual chamei “As raparigas vêm-me perguntar quantos anos tenho, mãe”… É uma espécie de confissão a uma Mãe que deixou de estar fisicamente, uma confissão que nunca lhe fizera. Este misterioso mundo da palavra é assim mesmo, inexorável, catártico, quem sabe de cura…
Pedro Costa: Costuma escrever com regularidade ou funciona por impulso?
Tiago Alves Costa: Eu tento escrever com o impulso suficiente que se torne regularidade. Escrevo sempre à mão num caderno que levo comigo para todo o lado, coisas sem nexo e sem nenhuma legitimidade. Depois, quando posso, repasso de novo o caderno tentando ler aquilo que escrevi como se não tivesse sido eu a escrever. É muito difícil esse exercício ou muito raro que aconteça algo de original, mas, no fundo, estou constantemente em busca desse novo, desse espanto, farejando esse impossível que me permita dizer “É isto!” Tento sempre olhar de um ângulo diferente as palavras e isso também é, penso eu, mudar de posição relativamente à própria linguagem. Mas sim, sou muito impulso.
Pedro Costa: Que livros já publicou? Qual foi o que teve mais sucesso? É o seu preferido? Porquê? Sabemos que tem atividade editorial numa revista? Qual? O que faz em concreto nessa publicação?
Tiago Alves Costa: O primeiro livro, apesar de achar que já está muito distante daquilo que quero para a minha escrita, foi o começo de algo muito importante para me transfigurar. Intitulava-se w.c. constrangido. O Mecanismo de Emergência, o livro mais recente, é para mim uma surpresa pela forma como foi recebido pelos leitores, sobretudo a crítica na Galiza. É um livro muito especial, escrito num tempo muito intenso e cheio de vida que é um elemento fundamental para potencializar a escrita; por outro lado, é especial também por ter sido editado numa editora de Santiago de Compostela, com autores que sempre admirei. Quanto ao projeto Revista Palavra Comum, assumi recentemente a sua co-direção. É uma revista de artes e letras com um importante vínculo nas relações da Galiza com Portugal e a lusofonia. Para mim, foi uma honra este convite. Há todo um simbolismo que envolve a dinâmica deste projeto cuja vitalidade é fundamental para alimentar e construir um futuro comum. A Palavra Comum tem já uma longa trajetória e entra agora numa nova fase, na qual se fortalecerá a presença da cultura portuguesa na mesma. Serão estabelecidas novas parcerias com o objetivo de se tornar num referente para a promoção das relações inter-culturais no espaço galego-lusófono.
Pedro Costa: Por que escolheu a Corunha para viver e não outro local qualquer (já que saiu de Famalicão), uma capital, por exemplo, como Lisboa, ou Nova Iorque, onde estudou? Um poeta nunca é reconhecido na sua terra e por isso deve partir?
Tiago Alves Costa: Talvez a Corunha me tenha escolhido a mim. A minha relação com a Galiza é simplesmente uma história de amor, sentimento que também foi descrito pela escritora homenageada no Dia das Letras Galegas 2018, a asturiana María Victoria Moreno Márquez… parece que ambos sentimos o mesmo por esta terra. O reconhecimento é muito relativo. Na Galiza tenho sido tratado como um filho, tenho grandes amigos, escritores e não só, dos mais fecundos que alguma vez já li, há uma vida literária, há um ritmo muito próprio e em constante celebração com a vida. A Galiza tem uma energia que faz aproximar as pessoas… Não sei se em Lisboa sentiria o mesmo. Também não penso muito nisso.
Pedro Costa: Agora que está prestes a regressar a Famalicão, ainda que por uns dias, o que mais lhe apetece? O que vem fazer em concreto às Raias Poéticas, isto é, sobre que vai falar?
Tiago Alves Costa: Desde 2014 que o Raias Poéticas me traz de volta a casa. E tornou-se no momento especial que aproveito para testar coisas novas que vou escrevendo ao longo do ano, provo assim algumas leituras em busca dessas sonoridades de que tanto gosto encontrar no texto. A convite do curador do festival Luís Serguilha, desde 2016 tenho colaborado para potencializar o vínculo com a nossa terra irmã no festival contando com a presença de poetas como Estíbaliz Espinosa, Verónica Martinez, Ramiro Torres, Teresa Moure Pereiro, Alfredo Ferreiro e este ano o poeta José António Lozano. Além disso, nesta edição a revista Palavra Comum é parceira do festival, para também falarmos desse elo vital com a Galiza e com Famalicão.
Aproveito ainda este momento para, obviamente, felicitar o Pedro Costa pelo projeto Vila Nova. Parece-me vital para Vila Nova de Famalicão que exista um projeto digital com tanta variedade de conteúdos e que, acima de tudo, dê voz à arte e à poesia num mundo cada vez mais austero e insensível. Aqui ficam os meu votos de muito sucesso para a Vila Nova.
Pedro Costa: Obrigado, Tiago, pelas suas palavras. Aproveito igualmente o momento para aqui mesmo exprimir o meu reconhecimento e agradecimento pela colaboração que tem dado à Vila Nova desde o seu início, oferecendo-nos alguns poemas para publicar, um deles até, recordo-o perfeitamente e não o hei-de esquecer, que foi escrito a propósito de uma conversa que tivemos poucos dias antes da sua publicação. Além disso, aproveito para o felicitar pelo prémio recentemente recebido por “A Porta do Reconhecimento” que ficou em segundo lugar no 27º Prémio de Narracións Curtas Manuel Murguía, um dos mais prestigiados da Galiza e, certamente marcará um ponto significativo, em termos de reconhecimento público generalizado, da sua carreira. Parabéns!
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Imagem de destaque: Tiago Alves Costa (Distrito Xermar; fotografia); outras imagens: Tiago Alves Costa (Distrito Xermar; fotografia), Quotidiano Excêntrico, de Lukasz Wierzbowsk; em Palavra Comum), Mário Cesariny (Duarte Belo; em Revista Caliban), Mecanismo de Emergência (Editora Através; capa de livro), Tiago Alves Costa (autor desconhecido; divulgação fb), Sem Título (José António Passos; pintura sobre tela) e Tiago Alves Costa (Distrito Xermar; fotografia).
A poesia de Tiago Alves Costa na VILA NOVA Online:
- Do que nós precisávamos era de uma salva de palmas no final de cada sonho
- Os homens que carregam dúvidas ocupam demasiado espaço
- Enquanto os jornais anunciavam o fim do mundo, meu amor
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