Vivo com ele há muitos anos. Fui tutor legal de uma familiar menor e passei, bastantes vezes, durante 4 anos, pelo tribunal de menores por causa dos seus assuntos. E sem problemas de maior, mas observo o real.Sou professor há 27 e geri 6 anos um agrupamento de escolas TEIP que, à sua conta, gerava ou continha uns 40% do fluxo de processos da CPCJ do sítio (um concelho urbano médio).
Digo isto para não se alegar que falo por preconceito mas, por experiência, que não é assim tão pequena.
O que aprendi e penso sobre o sistema de proteção de crianças?
1. LÍRICO E RETÓRICO. O discurso público do sistema é bonito, enleva, cheio de palavras como parceria, partilha, empatia, afeto ou comunidade, mas, nos momentos críticos, é distraído da sua doutrina e quase só funciona empurrado. E nem falemos da questão do radicalismo da necessidade de CONSENTIMENTO familiar para uma CPCJ agir. Questão que tem base constitucional, mas podia ter melhores soluções (com todo o respeito pelo Senhor Conselheiro, que foi o pai da doutrina, que nunca deve ter lidado no seu tempo com o que os professores hoje lidam, até em escolas pacatas).
2. DISPERSA a responsabilidade operativa pela “comunidade”, para nunca se chegar a determinar responsáveis concretos. As comissões têm “representantes” de tudo e mais alguma coisa, mas não é claro, em muitos casos, de onde vêm, como foram designados e qual o real peso representativo na sociedade civil ou real relevância da sua representação na ação das CPCJ ou na ligação às entidades que representam.
As CPCJ têm muita gente boa e generosa, mas também muita gente que está por lá “para marcar presença”, por falta do melhor que fazer ou “chutado para cima”.
Que rodam pouco e, em certos meios pequenos, formam um “círculo de pessoas interessadas na política assistencial” (que ocupam o seu tempo em reuniões de CLA, CSF ou RLI numa proliferação de siglas e comissões, núcleos, projetos e projetinhos, que são uma forma de vida, que a comunicação social e o público não percepcionam porque estas estruturas “fazem o bem” e nem só a Jonet tem direito a fazer discursos sobre os “pobrezinhos”).
E nem questionemos o “rei vai nu” de se saber se numa sociedade de “associações sem sócios” haja realmente tanta sociedade civil.
3. No meio do folclore da “mobilização comunitária”, visível na imagem de lacinhos e semanas, mas pouco consistente no real, o sistema é PARCO DE RECURSOS, tem dificuldades em arranjar um simples carro para ir a casa, ou um telemóvel para ser contactado ou ter recursos humanos para agir fora das horas úteis dos dias de semana.
É DESORGANIZADO na sua obsessão, quase monotemática, com redes e parcerias, formas de organização que exigem mais qualidade dos processos organizacionais e não o diletantismo poético, adotado e que os ignora.
4. É BUROCRÁTICO.. Inunda as escolas com pedidos de informação para empilhar em processos. Exige formulários inúteis, na sua irrelevância para os casos concretos, mas cuja falta gera ralhetes e “doutorices” (como diz, com graça no tom, um assistente técnico, licenciado, meu amigo que durante anos processou à vez sinalizações e arquivamentos).
Cria rotinas de abertura e arquivamento de processos, que nem simbólicas são. Reaje mal, ou nem reaje aos momentos críticos ou na urgência.
Chega depois dos casos críticos, quase sempre a dizer que “não havia notícias de problemas” ou “realmente correu mal, mas havia um processo aberto e a família não deu consentimento e foi tudo para tribunal e não é rápido”. Ou que não havia “sinalização”. Na novilíngua do contexto, estar sinalizado é “saber-se dos problemas, mas estar à espera para ver o que fazer”.
5. Tem NULO SENTIDO CRÍTICO INTERNO RACIONALIZAVEL ou gerador de sinais de auto-regeneração. Os seus agentes acham, na maioria, que alguém criticar o sistema é sempre ataque pessoal e no círculo, que forma a ganga que rodeia as estruturas, ninguém reconhece que o sistema precisa de uma urgentíssima e abrangentíssima reforma.
Afinal, só mesmo um ogre como eu critica quem “faz o bem”.
É tempo de agendar a reforma estrutural da proteção de crianças
Vi coisas “lá de fora” mas, às tantas, “estou muito condicionado pela visão de “parolo de Viana”, dizem-me, mas com “muita empatia” quando escrevo ou digo estas coisas (vai para 15 ou 16 anos).
Num país em que se passa a vida a falar de “reformas estruturais” é curioso que esta nunca seja agendada, apesar dos casos e até das mortes.
Mas isso é fácil de entender. Vejam as críticas que houver a este texto e como a minha “atitude de ogre que não faz parceria” vai ser respondida com “evidências” ou aparições exuberantes dos pontos 1 e 5.
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