regiões - estradas - cidades - livro - marco polo - gonçalo cadilhe - as cidades invisíveis - italo calvino - encontros marcados - viagem - livro de viagens - fotografia - felicidade - viajar

A felicidade de estar vivo através d’ ‘As Cidades Invisíveis’

 

 

Há cerca de trinta anos, muito antes da dupla de amigalhaços Bin Laden e George Bush ter envenenado as relações entre os mundos ocidental e islâmico, viajei durante uns meses pelas mesmas regiões, estradas e cidades que Marco Polo descreveu no seu famoso livro. O livro viajava comigo. Entre nós dois criou-se uma relação afetiva que explica parte da torrente de sentimentos que, anos mais tarde, As Cidades Invisíveis de Italo Calvino iria despoletar em mim. 

Calvino apropria-se da situação histórica, da forma de linguagem e da realidade onírica do livro de Marco Polo para nos deixar um convite universal a percorrer o mundo, a aceitar os desafios do exótico, a amar a perplexidade. Quem passeia por As Cidades Invisíveis aprende a viajar. Essa é uma das razões por que retorno continuamente ao livro de Calvino: para reordenar ideias e prioridades na minha vida. Eu viajo por profissão e escrevo sobre isso. Por vezes o lado profissional da viagem desgasta o estímulo de viajar e a frescura da escrita. Mas sempre que pego em As Cidades Invisíveis salta-me outra vez um atormentado desejo de movimento, uma vontade de viajar para escrever e de escrever sobre viajar. Nesse sentido, posso afirmar que este livro possui uma qualidade talismânica para mim. 

regiões - estradas - cidades - livro - marco polo - gonçalo cadilhe - as cidades invisíveis - italo calvino - encontros marcados - viagem - livro de viagens - fotografia - felicidade - viajar - deserto - viagem em camelo - oriente

A beleza de As Cidades Invisíveis é incompreensível e irrepetível

Li As Cidades Invisíveis durante um Outono em Veneza. Descia do apartamento até uma tasquinha na esquina do prédio, bebericava um copo de tinto teroldego e perdia-me na beleza inalcançável daquele livro. 

Perguntava-me continuamente: como é possível a mente humana chegar a estes limites de fantasia, de inspiração, de domínio do vocabulário, de graça e leveza literária? Ainda hoje folheio As Cidades Invisíveis com pasmo e incredulidade. Pego nele para me convencer que realmente existe; que alguém conseguiu escrever um livro assim. Esse é um outro motivo porque considero o livro de Italo Calvino muito especial para mim: porque a sua beleza não é assimilável, é incompreensível e irrepetível. 

As Cidades Invisíveis e a beleza de estar vivo

Depois, o facto de estar a viver durante uns meses em Veneza tornou particularmente feliz a leitura deste livro que, entre outras coisas, é também uma ode à perfeição misteriosa da cidade de Marco Polo. Sempre que terminava de ler sobre uma cidade invisível, apetecia-me poisar o livro e ir olhar para Veneza. Qualquer pormenor me bastava: uma fachada carcomida, uma varanda gótica, uma ponte em arco, as lambidelas da água no mármore, uma viela em desuso, um campanário periclitante, uma criança a brincar em qualquer praceta. E então sentia-me feliz por estar vivo. 

Ainda hoje, regularmente, sempre que estou por casa, pego n’ As Cidades Invisíveis. Pela forma como está estruturado, é possível abrir uma página ao acaso e ler nada mais que um excerto, uma descrição, uma cidade. Por vezes, nem isso faço. Basta-me tocá-lo, acariciá-lo, e sinto-me outra vez feliz por estar vivo. 

regiões - estradas - cidades - livro - marco polo - gonçalo cadilhe - as cidades invisíveis - italo calvino - encontros marcados - viagem - livro de viagens - fotografia - felicidade - viajar

Obs: texto original publicado no livro Encontros Marcados (Edições Clube do Autor, 2011), de Gonçalo Cadilhe, republicado com ligeiras adequações após publicação na página facebook do autor.

Imagens: 0, 2) Mondadori 1) Gonçalo Cadilhe

1ª Página. Clique aqui e veja tudo o que temos para lhe oferecer.vila nova online - 1ª página - finanças - europa - prr - joão leão - primeiro pagamento - europa - história - cultura - grécia - maratona - guerra - ocidente - mundo islâmico - oriente

Maratona

‘Gaspar, Belchior e Baltasar’, de Michel Tournier, um livro a desvendar em Dia de Reis

Deixe um comentário