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Lampreia… ou veneno doce

 

 

Por estes dias, e durante mais algum tempo, fala-se de lampreia. Nas redes sociais, nas conversas de café, nas ementas dos restaurantes, nas bancas do mercado. A lampreia está por todo lado. E, coincidência ou não, também se faz presente nos documentos que por agora trago em mãos: “possuía três canais de lampreia” ou “tem hua pesqueira que he boa de lampreias”, são registos dos séculos XVI e XVII que testemunham a abundância da lampreia no rio Cávado. Mas também no rio Lima e, mais acima, no Minho, a lampreia se anuncia desde tempos remotos. E descendo até ao Douro observo, ao longo do século XVIII, as lutas judiciais dos monges de Alpendurada por causa das pesqueiras dos sáveis e das lampreias. Nesses séculos antigos, e até ao século XIX, a pesca nestes rios era, em quase toda a sua extensão, propriedade dos grandes senhores. Apenas em alguns lanços havia pesca livre, naturalmente onde já se sabia que não abundaria grande pescado.

Os sáveis, as lampreias e os salmões eram muito apreciados e, por isso, a sua pescaria muito acautelada pelos que a ela tinham direito. O Mosteiro de Tibães era um desses grandes senhorios que controlava a pesca da lampreia no rio Cávado. E de tal forma o fazia que dava uma gorjeta ao “caçador” quando este, no início da época, caçava a primeira lampreia. Na festa de São Bento, a 21 de Março, tempo de Quaresma e de peixe, comia-se com abundância. Mas também se oferecia como mimo a figuras ilustres e recebia-se de oferenda de outros mosteiros mais a Norte. Está visto que era repasto apenas acessível às elites. Será por isso que vamos localizar uma receita, talvez a primeira em português, no livro de cozinha da Infanta D. Maria, redigido no século XVI.

Maneiras de cozinhar e conservar a lampreia

Esta abundância de pescado deu origem ao longo dos séculos a várias formas de conservação que ainda hoje persistem. Podia ser seca e fumada, mas também se podia cozinhar num bom escabeche que depois se embarrilava e assim seguia até Lisboa ou até… á Índia. Relembro aqui apenas o envio para a corte, por parte do Mosteiro de Tibães, em 1653, de seis barris de lampreias que se fizeram em São João da Foz, local onde os beneditinos tinham uma casa (in: Alimentar o corpo, saciar a alma, 2013).

Mas não nos enganemos. Este bicho, que afinal não é um peixe, mas um ciclóstomo, um vertebrado aquático que circula entre o rio e o mar, não era considerado pelos cânones médicos da época grande alimento. Diz-nos Francisco da Fonseca Henriques, em 1721, que é “indigesta e gerão-se della humores melancólicos e glutinosos que causão obstruçõens”. Fazia mal, portanto. Denominava-se inclusive por “veneno doce”!

Contudo, também se anota que tem sabor delicioso. E é por aqui que nós andamos. Sem saber o que a ciência hoje diz sobre os seus componentes nutricionais, a lampreia come-se por aí com o mesmo regalo do passado. Em cabidela, em escabeche ou como aprouver a cada um. Pois que seja um “veneno doce”. Perdoa-se o mal que faz pelo bem que sabe!


Imagem: Alexander Francis Lydon / Wikimedia Commons


À custa do doente… come-se uma cabidela

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