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A história fantástica do tão simples ‘arroz de coelho’

 

 

Recentemente, num show cooking da Agro, em Braga, saltou-me à vista uma receita de arroz de coelho feito pelas mãos de uma conceituada chefe. Não é comida muito vulgar nas mãos dos chefes, mas aquele arroz, feito a preceito, tinha um ar delicioso.

O coelho, doméstico ou selvagem, é uma animal que, ao longo dos séculos, tem marcado presença nos diferentes livros de receitas. Todavia, noutro tipo de documentação quase não damos por ele. No caso dos mosteiros, por exemplo, sabemos da existência da coelheira, das obras de conservação que aí iam sendo feitas, mas pouco da sua dimensão. Apenas numa descrição deliciosa do mosteiro de Alcobaça, que nos oferece António Maduro, se refere que, no século XVIII, aí existiam cerca de cinco a seis mil coelhos. Observamos, igualmente, que está pouco presente nos foros recebidos, dando-se sempre preferência aos galináceos, e nas casas particulares a sua presença também não é muito notada. Em vária documentação já consultada sobre propriedades agrícolas no Norte do país, durante os séculos XVII e XVIII, apenas numa delas localizei a presença de “cortelhos que servem de gados, porcos e cuelhos”.

Iria Gonçalves, escrevendo sobre o Minho, diz-nos que era muito apreciado na Idade Média. As informações que vou colhendo, para os séculos seguintes, nos livros de gasto dos mosteiros e nos livros de receitas, confirmam essa realidade. Apesar de ausente das compras quotidianas e de pouco notado noutras situações, percebe-se a sua presença. Criava-se na casa e comia-se em dias festa ou oferecia-se como mimo.

Península Ibérica – terra de coelhos

Perante esta evidencia há duas perguntas que se impõem. Desde quando se come coelho em Portugal? E quando se domesticou?

AS respostas são surpreendentes. Por um lado, ficamos a saber que o coelho é autóctone da Península Ibérica, tendo sido levado daqui para outras regiões e continentes. Por essa razão quando os Fenícios por cá passaram, no primeiro milénio antes de Cristo, encontrando muitos coelhos, deram o nome de “i-shephan-im” a esta região, ou seja, “terra de coelhos”. Este termo foi depois latinizado para dar Hispânia, e mais tarde Espanha.  Por outro, há uns anos atrás, uma investigação da equipa de Nuno Ferrand de Almeida, coordenador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio) da Universidade do Porto, coordenador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio) da Universidade do Porto, concluiu que quem os domesticou foram provavelmente os romanos ou, com mais certeza, os mosteiros beneditinos do século VII, localizados na região da Provença, sudeste francês. Dizem os autores que o papa Gregório I (590-604) não considerava o coelho carne e, por isso, poderia ser consumida durante os dias de jejum e abstinência. Esta circunstância poderá ter levado à domesticação e ao aumento do seu consumo. Na realidade, sabemos que a regra de São Bento, que passa a reger todos os mosteiros do ocidente a partir da acção deste mesmo papa, proibia o consumo de quadrúpedes, permitindo apenas que os monges comessem peixe e aves. Muito provavelmente estes pequenos roedores, sendo quadrúpedes, e quase desconhecidos na Europa, não estavam incluídos no grupo daqueles animais de maior porte (bovinos, ovinos, caprinos e suínos) cuja carne era proibida. Tal como os ovos, nem eram carne nem peixe, por isso o seu consumo era permitido.  Uma carne que se foi fazendo presente na mesa monástica e que os monges agradeceram, já que o consumo de carne era mais desejado do que o peixe, por ser considerada mais nutritiva e saudável.

Toda uma história por trás da simples receita de arroz de coelho

E sendo tão abundante, era um desafio para a domesticação e para a caça. Uma carne saborosa que foi entrando nos cardápios daqueles que se foram aventurando. Criado em casa ou caçado nos campos, hoje quando nos deliciamos com o tradicional arroz de coelho nem imaginamos a história fantástica que uma receita tão simples pode conter! E já nem falo do arroz. Fico só no coelho! Bom apetite!


Imagem: Vítor Sobral


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