Só por amor o sabereis também

Só por amor o sabereis também

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1.

Há momentos, eu sei, que não se inscrevem na fluída corrente do tempo em que acontecem, nem mesmo na teia da memória sua que se tece, mas logo esmaece, vai embora e desaparece. São de uma raridade tal, que, ao serem, o tempo pára, enquanto são. São de outra natureza. São de outra dimensão. Saltam do mistério profundo, para que espreitamos com espanto, mas não vemos, para que caminhamos, sem chegarmos. Somos cegos. Somos mancos. Não ousamos.

2.

São intensos, são efémeros. Não são nossos. São-nos dados. São vislumbres singulares. É a beleza, na sua pura essência, posta à mesa à nossa frente, para a entendermos e querermos mais. E a bondade a passar na nossa rua, descalça tantas vezes, chega envergonhada a tocar à campainha, e não abrimos, ou a bater à porta, e batemos-lhe com ela na cara. E o pensamento a acender-se e nós logo a apagá-lo com palavras que são maravalhas, ocas e vazias, sem sentido, mil vezes repetidas.

3.

São de ser, esses momentos, onde perpassa a essência de tudo, e se respira, num apego a uma racionalidade afectiva e digna, de que não temos sido capazes. Que se passa no meu país e neste mundo, onde o caricato é levado aos ombros em glória, e o crime? Ou damos às nossas atitudes a dignidade humana que merecem, e pensada com afecto, ou teremos definitiva a anarquia do lucro sem freio, e sem pejo. Como é possível olhar e não ver, escutar e não entender?

4.

Há ilhas de pensamento, de compaixão, de amor ao próximo, de bondade, no meu país, e de solidariedade maior. Por que não se incentiva o capaz, o honesto, o bom e o bem, o digno e o honrado. Por que nos distraímos tanto com falácias de pobres de espírito? Por que toleramos a incompetência degenerescente e irresponsável? Por que se espera? Pelo armagedão final? Por que não buscamos estas ilhas desconhecidas muitas que nos restam, e de que tanto precisamos?

5.

Em verdade vos digo que estão a destruir à falsa fé a gente boa deste país. São os mesmos que promovem a ralé do pensamento sórdido e ineficaz. Mas ainda há muitas ilhas boas neste país, amostras que são da maior, da mais pura, e de melhor humanidade, ainda a ser um dia. Será já tarde? Por amor vos digo, e sei; e só por amor o sabereis também. Só quem muito ama, muito pode saber e fazer. E só quem não ama é que não sofre o que nos está a acontecer.

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Categorias: Cultura, Literatura, Poesia

Acerca do Autor

António Mota

Professor. Braga.

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