Não cresci com o pão-de-ló na mesa natalícia. Ele chegava, sim, no tempo pascal, quando os ovos abundavam nas capoeiras e o queijo da serra já estava no ponto certo para se poder cortar, sem se desfazer. Podia agora depositar-se em segurança em cima de uma fatia do dito, bem batido, mas com farinha suficiente que lhe dava a firmeza necessária para aguentar o queijo que se levar à boca, em uníssono, numa dentada de prazer.
Aqui, no Minho, contudo, o pão-de-ló é tradição natalícia e dizia-me alguém, há poucos dias, que quando se anda pelas casas a cantar os reis não há nenhuma mesa sem pão-de-ló. Não deve ser uma tradição popular, mas sim um hábito dos mais abastados que se foi generalizando. Até porque, tal como o bolo-rei, é um doce que geralmente se compra nas pastelarias.
História do pão-de-ló remonta pelo menos ao Século XVII
De facto, quando olho este Minho, rico de sabores e tradições gastronómicas, e recuo no tempo, vejo que o “pão de bate”, que assim por aqui é chamado, já se encontra na mesa de Natal no século XVII.
Os monges beneditinos deliciavam-se nas duas oitavas natalícias, que começavam a 25 de Dezembro e se estendiam até dia de Reis, com vários tipos de doce, entre os quais se destacavam as fatias de pão leve, pão-de-ló ou pão de bate. Também as freiras de São Bento de Viana eram exímias fabricantes deste doce, prática que registamos logo desde 1600. Ao longo de todo o século observamos a compra de ovos, açúcar, papel e “bacias de bate”. Regista-se também o gasto, em 1678, de 880 reis para “coatro bates que se fizeram, otto arrates de asuquar e ottenta ovos”. Temos assim uma proposta de receita em que cada “bate” ou “broa” levava 2 arráteis de açúcar (cerca de 1 quilo) e 20 ovos. As bacias, tal como ainda hoje, eram as formas de barro onde se vertia a massa, devidamente forradas com papel costaneira. E assim adquiria a forma de rosca, mais popular no Minho, ou de broa, também referida, conforme tivesse, ou não, uma pequena peça de barro no centro da forma.
Um doce com nomes diferentes em cada região do país
Com a vulgarização do doce por todo o país diversificaram-se as receitas, mas também as denominações. No Minho chama-se “pão de bate”, por ser muito batido, em Lisboa “pão de ló”, no resto do país “pão leve”, por ser leve e fofo. Assim nos diz Raphael Bluteau: “pão leve chamão nas províncias de entre Douro e Minho, Beira e Trás os Montes, aos que em Lisboa chamão pão de ló”. Mas, como já referimos, nos mosteiros beneditinos encontramos as três denominações embora o termo “bate” seja bastante comum. Percebemos também a comercialização de “pão de bate coberto”, isto é, envolto numa camada de açúcar em ponto, que o conservava durante mais tempo. Tradições que perduram até hoje.
Da casa dos nobres para a mesa dos portugueses
E, assim, nos conventos, nas casas nobres, onde abundavam o açúcar e os ovos, essa “massa fofa em que entrão gemas de ovos e assucar” ia alegrando a mesa natalícia. Vai adquirir fama ao longo de todo o século XVIII e tornar-se o rei da festa. Converte-se também no ingrediente base para outros doces, num tempo em que das mãos mágicas das freiras, e das doceiras populares, saíam inúmeras variedades de pequenos manjares. As gentes do povo, os rústicos, estavam ainda longe desta iguaria pois o açúcar, ao preço médio de 60 reis o arrátel, era pouco acessível para quem não ultrapassava os 40 reis de jorna diária.
Hoje está à mesa de todos os portugueses em várias festas que se vão sucedendo ao longo do ano! Deliciemo-nos, então, com uma fatia e, já agora, em homenagem à minha Beira Alta, juntemos-lhe o Queijo da Serra!
Imagem: Pastelaria Gomes da Costa