Os corpos, nossos e dos demais seres vivos, mas também de objetos como os livros, todas as infraestruturas e todos os equipamentos, como a Câmara Municipal de Famalicão, o Museu Bernardino Machado ou a Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco, vão envelhecendo, vão-se degradando. Chega o momento em que é preciso repará-los, modernizá-los, dar-lhes um outro ar e outra aparência, fazer com que, na medida do possível, voltem a ser novos e possam adquirir as funcionalidades que tinham antes de envelhecerem; ou, então, deixar que a morte os leve de vez.
Nas infraestruturas e nos equipamentos, isso é relativamente fácil de conseguir. Tudo se resume a um projeto, a “cimento armado”, à criação ou não de uma nova dependência, a uma ampliação e a uma regeneração. Nos corpos, tudo é mais difícil. Estamos a tratar de células vivas que morreram, de veias vivas que entopem, de ossos que se desgastaram, de sangue que já não tem a força de outrora. É por isso que eu digo muitas vezes “Que saudades eu tenho de ser novo!”.
Mas a juventude não é coisa que se compre como se compra o ferro, os tijolos e o cimento. É algo de mais sublime, em que, a determinado momento, já nada pode valer.
Por isso, é relativamente fácil remodelar, ampliar e trazer novas funcionalidades a uma biblioteca, mas é muito mais difícil, senão impossível, remodelar, ampliar e trazer as funcionalidades de outrora a um corpo já “carcomido” pela idade.
Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco foi espaço cultural deserto durante quase toda a sua vida
A Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco foi inaugurada em 5 de outubro de 1913, vai fazer agora 110 anos. Este equipamento cultural famalicense foi organizada pelo então Presidente da Câmara, Joaquim José de Sousa Fernandes, e era uma forma de revelar com clareza as preocupações culturais associadas ao movimento republicano de 1910, evidenciando um período brilhante da vida cultural famalicense que, de 1880 a 1930, constituiu uma das muitas idades de ouro na História do Município.
Com a chegada do “Estado Novo” (1926), a Biblioteca Municipal entrou em declínio acelerado, esquecendo-se até, na memória dos homens, que o seu patrono era e continuava a ser Camilo Castelo Branco, um dos grandes génios literários portugueses.
Apesar de algumas boas-vontades que tentaram, por vezes, voltar a reanimar a Biblioteca Municipal, a situação que se vivia era consequência da mais completa desorganização a que os munícipes respondiam, deixando deserto este espaço cultural.
A partir de 1983, com Agostinho Fernandes, a Biblioteca Municipal de Famalicão mudou de rumo
A partir de 1983, com Agostinho Fernandes como Presidente da Câmara Municipal de Famalicão, procedeu-se a uma reorganização completa deste serviço didático e cultural, admitindo-se o necessário pessoal qualificado para a sua gestão quotidiana e definindo-se objetivos concretos a atingir.
Foi claro, desde 1983 em diante, que a Biblioteca Municipal, recuperado entretanto o seu patrono de sempre, foi aumentando gradual, mas seguramente, a quantidade de livros disponíveis e a sua intervenção cultural, mostrando que o crescente número de utilizadores era uma prova evidente de uma “reconciliação” dos habitantes de Vila Nova de Famalicão com a sua biblioteca.
O grande passo foi dado também por Agostinho Fernandes com a construção do novo e atual edifício “bibliotecário” na parte Sul do Parque de Sinçães. Este novo equipamento estava integrado na Rede Nacional de Leitura Pública, lançada pelo Instituto Português do Livro e da Leitura que, em colaboração com muitas câmaras municipais, se foi concretizando no terreno.
A leitura de livros lidos em silêncio transportam-nos a outros mundos e mostram-nos outras realidades
A primeira pedra da nova Biblioteca Municipal (até aí funcionava numa cave do edifício dos Paços do Concelho) foi colocada em 30 de abril de 1988 pelo então Presidente da República, Mário Soares, na companhia de Agostinho Fernandes, presidentes cultos que compreendiam como ninguém a importância do livro e da leitura na vida das pessoas, das crianças, dos jovens e dos trabalhadores. Quantos dias passaram eles nas bibliotecas, em silêncio, a ler os livros de Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Alexandre Herculano, Almeida Garrett, Florbela Espanca, Teixeira de Pascoais e de outros muitos e bons escritores da Língua Portuguesa? Quantos livros leram em silêncio? Cem? Mais de cem? Certamente muitos mais, porque os livros lidos em silêncio levam-nos para outros mundos e ensinam-nos outras realidades, abrem-nos a cabeça e despertam-nos para outras pessoas, fazem-nos tolerantes, democratas e solidários.
Esta primeira pedra e o início da construção da nova Biblioteca Municipal foi a melhor forma de festejar os seus 75 anos de vida (1913 – 1988) que se cumpriam então.
Novo edifício e nova vida da Biblioteca Municipal inaugurados em 1992
O novo edifício da Biblioteca Municipal foi inaugurado em 1 de junho de 1992. Custou 300 mil contos, dinheiro do tempo que hoje serão aproximadamente 1 500 000 euros. Tinha na altura 30 000 volumes (livros), com as salas de leitura (geral, infantil, juvenil) e uma sala de audiovisuais. O seu auditório para 150 pessoas desempenhou ao tempo e por vários anos o papel que lhe cabia nas ações de formação e informação, nos colóquios, conferências e sessões várias promovidas pela Câmara Municipal ou por entidades externas. Este espaço foi também, durante muitos anos, o local das reuniões da Assembleia Municipal.
Celebrar um lugar de encontro, mas também, de leitura e de conhecimento neste Dia do Concelho
No dia 28 de setembro, foi inaugurada pela Câmara Municipal de Famalicão, agora liderada por Mário Passos, não a Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco, mas a renovação, pelas razões atrás apontadas, da Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco. A funcionalidade e o enquadramento mantêm-se e os espaços para ler e estudar também. Ao completar 110 anos de vida (1913 – 2023), a Biblioteca vai continuar a ser um lugar de encontro e um lugar de prazer, sobretudo para as camadas mais jovens da população famalicense. E esperemos que de muitos e diversos livros também, bem como de outras actividades culturais.
Um dos maiores prazeres que se podem proporcionar às pessoas é o prazer de ler em silêncio, num diálogo interior com os livros e os seus personagens que nos conduzem a mundos e a pessoas que não conhecíamos e que nos ensinam a ser, como Mário Soares e Agostinho Fernandes, amantes da paz e da liberdade e praticantes da solidariedade.
Nada melhor que a renovação de uma biblioteca para celebrar o “Dia do Concelho”!
Imagens: MVNF
Obs: texto previamente publicadona página facebook de Mário Martins, tendo sofrido ligeiras adequações na presente edição.
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