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Poema para o septuagésimo aniversário

 

 

Para a minha decrepitude peço bondade

E um resto de memória para que se saiba quem fui.

Quanto aos apelos, quero que fiquem esquecidos,

Bem como o modo como a casa envelheceu.

 

Se tive feridas, já as limpei algures

E delas nem a crosta sobre a pele quis ficar.

Com as mãos no andarilho faço força

Para me manter de pé, embora às vezes caia.

 

Continuo a abrir a boca para a sopa

Mas isso é uma questão, digamos, não mais que técnica.

A árvore recebe a chuva e nada diz e eu

É desse silêncio fidedigno que sobrevivo.

 

Quanto aos amores que tive o peito os cale

Como se de um sedimento se tratasse.

Cada uma das camadas permanece

E entre elas agora só há fósseis.

 

Na gaveta de baixo guardo o lume

Que me afogueava os sentidos antigamente.

Por ora, com a ressaca, já não vibro,

Desmantelei as rosas com o tempo.

 

Só vejo construções paradas neste sítio,

Andaimes apodrecidos e pregos ferrugentos.

Algo está mal na cidade indefesa e, por prudência,

Contrariado obrigo-me a carregar a máscara insuportável.

 

Na constelação do vazio há bizarrias

Que são de levar à loucura os heróis do dia-a-dia.

Nunca se sabe o que nos bate à porta, se Godot, se a fome,

Se o cobrador de impostos, se um monte de cadáveres.

 

A vida é poderosa, um arrebatamento que não cessa,

A doce e amarga preposição que nos identifica.

Vivi ao abandono e será ao abandono que vou morrer,

A ouvir a mãe a chamar do outro lado do abismo.

 

Como Cristo, não parti nenhum osso e se inclinei

A cabeça não foi por reverência mas para conferir

Se o chão estava limpo, a altura do gelo, a quantidade

De destroços acumulados à minha volta.

 

A decadência é só a decadência,

Uma vassoura gasta que é preciso deitar fora.

Não tenho pão nem vinho que possa repartir

E não creio que após esta noite ressuscite.

 

Se alguma coisa devo à escrita

É o sabor da viagem que senti no comboio

Que me trouxe até aqui quase sem norte

Mas com a estrela polar no pensamento.

 

Andei sempre ao contrário do ocaso

Ou andei sempre ao contrário do acaso?

Tomei os sinais do sacrifício por beleza

E é essa evocação que mais me interessa.

 

Digam de mim que ao olhar o horizonte

Confundi fúria com caminho, utopia com ímpeto

E dúvida com dádiva. Depois não digam nada,

Que eu hei-de ficar calado para sempre.


Imagem: Amadeu Baptista

Obs: texto previamente publicado na página facebook de Amadeu Baptista.


Interminável fascínio

Gostava de morrer em Setembro

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