Debato-me há muito com esta mania que certos tipos têm de dizer que as pessoas precisam de ser “disciplinadas” usando como arma o medo da vergonha. Sendo mulher é-me muito mais fácil perceber o quanto é difícil lidar com o medo da vergonha que durante séculos foi o maior dos meios de controlo patriarcal.
Este sábado ouvi na Rádio RUM, de Braga, um desses! Cheio de certezas sobre os outros, com a língua afiada e a bolsar demagogia barata!
O que ouvi na RUM!?
“Se os pais preferem não ser sinalizados pela CPCJ então que cumpram com aquilo que é a sua obrigação”
“A BragaHabit encerrou as contas do ano passado com 60 mil euros de dívida de pais que não pagaram as refeições escolares. Atenção que não são de pais do escalão A. São de pais que têm vidas normais e que provavelmente gastam mais dinheiro nos telemóveis dos seus filhos e não pagam as refeições às escolas. É disso que estamos a falar. É de gente que não paga as refeições – 1 euro e 46 cêntimos – por refeição. Preferem deixar o seu filho na vergonha de não ter que comer para gastar o dinheiro noutras coisas.
Isto não é uma questão de escola, não é uma questão de edução. Estamos a falar de uma coisa diferente – a responsabilidade pela alimentação das crianças. O que está em causa é aplicar uma regra ou deixar isto na bandalheira; é uma forma de disciplinar. Se os pais preferem não ser sinalizados pela CPCJ (Comissão de Proteção de Crianças e Jovens) então que cumpram com aquilo que é a sua obrigação. É tão simples quanto isto!”
Estas declarações surgem na sequência de notícias vindas a público sobre o facto de o Município de Braga ter criado um regulamento sobre refeições escolares, segundo o qual admite acionar a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) quando houver três esquecimentos na marcação prévia, e respetivo pagamento, dos almoços dos alunos que têm deixado pais em sobressalto.
Resolução de diferendos da BragaHabit com os pais não deve retirar dignidade às pessoas
Para resolver estes diferendos, a Bragahabit – empresa municipal gestora dos apoios sociais e prestadora de serviços socioeducativos, como sejam os serviços de refeição e ocupação de tempos livres – que contrate um advogado, por exemplo. Se precisar de indicações, posso recomendar vários. Ela ou ele darão conta aos respectivos administradores do que pode e deve ser feito nos casos de cobrança de dívida sem ser necessário envergonhar ninguém, muito menos retirar-lhe a dignidade mínima que a lei e a declaração universal dos direitos do homem lhe reconhece.
Suspeito, porém, que existe um certo sadismo nesta moda de envergonhar os pares. Parece que lhes dá certo gozo colocarem-se em bicos de pés perante os que consideram inferiores, os que não são “de bem” para retirarem dividendos políticos.
Coligação Juntos por Braga com mão pesada na escola pública
Percebi, estarrecida, que a Coligação Juntos Por Braga resolveu ter mão pesada na escola pública e suscitar a intervenção da CPCJ concelhia quando há dívidas de refeições das crianças.
Impressionante!!
Empoderamento e hipocrisia na imputação da vergonha às mulheres
Desconfio que nem a eles, nem aos deles, serão aplicáveis tais medidas já que os seus filhos hão-de frequentar colégios privados onde a CPCJ nunca entra, nem mesmo quando efectivamente devia.
Esta medida, concerteza, dar-lhes-á certa sensação de empoderamento, tanto mais que grande parte das pessoas que gerem a plataforma digital das refeições escolares das crianças são mulheres, o que faz delas o principal alvo da imputação da vergonha! Que conveniente!…
Já agora podiam explicar-nos o que fazem aos dados que somos obrigados a colocar na tal plataforma os quais ninguém sabe a quem podem ser cedidos ou vendidos!!
Tanta hipocrisia faz mal a tudo!
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O áudio é do Programa ‘Praça do Município’ que passou na Rádio Universitária do Minho (RUM) entre as 12h00 e as 13h00 de 3 de dezembro.. A gravação é de minha autoria, tal foi o meu espanto.
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Obs: texto previamente publicado na página facebook de Célia Borges, tendo sofrido ligeiras adequações na presente edição.