Em busca de um partido socialista

 

 

Se o «nosso» Partido Socialista (PS) fizesse jus ao nome, o cenário político português seria razoavelmente diferente. O Bloco de Esquerda encolheria consideravelmente, já que uma parte do seu eleitorado habitual acabaria por se rever nas políticas socialistas de um partido que o fosse, ao mesmo tempo que o chamado «voto útil» afetaria de forma mais significativa os resultados da CDU (Coligação PCP‘Os Verdes’. A Concertação Social funcionaria de forma mais equilibrada, não apenas dando voz aos diferentes parceiros mas também reconhecendo sentido às reivindicações de todas as partes; o «projeto europeu» seria olhado de forma crítica, já que é assim que os «bons alunos» devem olhar a realidade que os cerca; o engodo da moeda única seria denunciado e as receitas liberais seriam encaradas com a desconfiança que merecem. Um partido que fosse socialista perceberia que a reversão das medidas da «troika» relativas ao trabalho são uma urgência e o sinal necessário de uma genuína vontade de mudança. Um partido que fosse socialista não permitiria que um ministro seu comunicasse ir tornar obrigatória e universal uma unidade curricular de «empreendedorismo», impondo-a a todos os cursos de licenciatura, se cumprir o que promete. Não o permitiria por desconfiar da iniciativa individual, mas por saber que uma medida como essa apenas ilude as desigualdades sociais e de classe, cedendo à retórica liberal, ou seja, a ideias e ideais de que um partido que fosse mesmo socialista manteria uma intransigente distância por pudor e nojo. Eu consideraria votar num partido assim, que fosse mesmo socialista. Eu, que nunca militei em partido nenhum, consideraria mesmo militar e ser parte de um partido que fosse realmente socialista.

Um ato de contrição em falta no PS

As razões para esse partido não exista são múltiplas, naturalmente, sendo que as mais importantes são as que não se centram nas características pessoais de quem vai passando pela liderança. Claro que as lideranças marcam os partidos. Não é indiferente ter Sócrates, António Costa ou Pedro Nuno Santos ao leme. Porém, o mais importante são as questões estruturais, aquelas que se inscrevem no tempo longo e explicam mais que aquilo que resulta da espuma dos dias.

O final dos anos 70 marca uma importante viragem no rumo político das democracias europeias, com as soluções social-democratas – estado social; escola e saúde públicas de qualidade; impostos elevados sobre os rendimentos mais altos – a darem lugar a um outro mantra, o do liberalismo económico: privatizações, favorecimentos das condições de acumulação de capital, desagregação do trabalhador dos vínculos coletivos, nomeadamente sindicais e de contratação coletiva. Esta foi uma onda que se levantou e se mostrou poderosa e eficaz, mudando o mundo que o pós-guerra desenhara. São vários os fatores (históricos, sociais e políticos) que ajudam a explicar o poder e eficácia dessa onda, mas para o que aqui está em causa o que importa é perceber a reação dos partidos de esquerda a essa corrente avassaladora.

Globalmente, e de uma forma muito evidente na Europa, assistiu-se a uma viragem geral à direita. No caso de alguns partidos, que eram «sociais-democratas» apenas nominalmente, como o PSD, não se notou lá muito: «desideologizaram-se» apenas um pouco mais, ajustando-se aos novos ciclos políticos sem qualquer sobressalto ético ou moral. Para os partidos mais vincadamente ligados à tradição social-democrata (no sentido original do termo), como o PS, o SPD, na Alemanha, o PSOE, em Espanha ou o Partido Trabalhista inglês, esse ajustamento era mais complicado. Se começaram por adotar uma atitude essencialmente defensiva – «Vamos ver o que podemos preservar esperando que os ventos mudem» – rapidamente essa atitude se alterou, fazendo dos sapos engolidos a contragosto um pitéu de primeira ordem. A chamada «terceira via», assumida por jovens quadros desempoeirados (tipo Sócrates), que iam ganhando cada vez mais destaque dentro desses partidos, mais não foi que a entrada dos princípios liberais no que tinham sido as fortalezas social-democratas. A onda que se levantara, cavalgada por Thatcher e Reagan, quais surfistas prateados, não apenas engolira as utopias de esquerda como reduzira a quase nada as conquistas sociais dos trinta anos anteriores. Rendido a um liberalismo que pintava de rosa a ver se convenciam os eleitores, o «nosso» PS lá foi levando a sua vidinha. Pode dizer-se que esse «aggiornamento» o salvou, evitando o colapso que afetou partidos irmãos por toda a Europa. Será verdade, mas isso custou-lhe senão a alma pelo menos um ato de contrição – de que ainda estamos à espera.

Os mais recentes ‘players’ políticos

Desprezados por um PS disponível para fazer todo o necessário para não perder o lastro de partido de poder, os ideais de esquerda ficaram disponíveis para quem os quisesse agarrar. Foi o que tentou fazer o BE, com um sucesso muito relativo, não conseguindo mais que colar-se a um PC que perdera as velhas referências revolucionárias com o colapso da URSS. Este relativo insucesso da esquerda à esquerda do PS talvez resulte de a onda estar ainda demasiado viva e difícil de contrariar, ou talvez se deva à dificuldade de (re)inventar uma linguagem política que faça caminho à esquerda. Por outro lado, as consequências do modelo económico liberal (aumento das desigualdades; crise ambiental; desemprego ou insegurança no trabalho; dificuldade da justiça lidar um sistema financeiro que assenta na invisibilidade do dinheiro) criaram condições para o surgimento de novos «players». Surgiram à direita, em muitos casos reciclando alguma da linguagem de esquerda, mas surgiram também deslocalizados da velha topografia política binária, não se afirmando à direita nem à esquerda, orientando a sua ação para causas ambientais, seguindo aí diferentes linhas de intervenção política.

Muitas perguntas, uma resposta

O balanço dos seis anos de «geringonça» deve ser feito tendo presente este quadro. Este PS, de tradição social-democrata mas reajustado ao liberalismo dominante, procurou criar uma verdadeira solução política à esquerda ou instrumentalizou os seus parceiros? Como devemos entender as reversões de medidas tomadas em tempos de troika? Como expressão da cedência do PS aos seus parceiros ou como parte de um projeto em que também o PS acreditava? Devemos classificar como fracasso uma solução política que durou mais tempo do que qualquer aliança à direita? Se as sondagens estiverem certas e o PS estiver frente a uma caminho que se bifurca, para onde pretende caminhar? Para onde o levam as suas convicções ou para onde lhe parece ser mais fácil manter o poder? Mais importante ainda: quais são afinal as suas convicções? A crença de que o empreendedorismo, a competição, a desagregação do trabalho, a rutura com todos os vínculos de classe nos conduzirá a um paraíso liberal? Ou, ao contrário, a convicção de que o combate às desigualdades deve ser prioritário e que há que encontrar coragem para desafiar um modelo económico assente no crescimento cego e que nos está a conduzir, de desastre em desastre, ao colapso anunciado? Saberá alguém responder? Por mim, continuo à espera de um partido que seja socialista e tenha condições de ser poder.

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