José Ilídio Torres acaba de publicar um novo livro: «O romântico que lia Bukowski».
Pelos escaparates ainda se vão encontrando alguns dos seus trabalhos anteriores. No entanto, a presente obra surge após alguns anos de ausência no que se refere a novas edições e a um curto período de intensa dedicação a uma ideia que lhe preenchia o imaginário de há tempos a esta parte.
«O romântico que lia Bukowski» representa também, para lá do regresso às livrarias, uma mudança de paradigma na vida do professor e escritor natural de Barcelos. Trata-se de uma ruptura com tudo o que havia publicado até aqui, bem visível nas palavras escolhidas com conta, peso e medida para serem incluídas ao longo das 148 páginas deste romance.
O novo livro apresenta-se de certo modo autobiográfico, uma vez que autor, narrador e personagem central da narrativa se entrecruzam numa única e mesma pessoa. Se está presente a necessária mudança na escrita, com o assumir de uma crueza e veracidade pela verosimilhança com a realidade do autor e proximidade aos seus leitores, este passo de afirmação é apenas possível numa escrita amadurecida pela(s) experiência(s) de vida.
Treze anos depois de ter começado a publicar, José Ilídio Torres vai à conversa com ele próprio. Não fala dos seus amores, assunto demasiado íntimo para abordar na autenticidade que uma entrevista exige, mas recorda as primeiras aventuras na escrita, a sua evolução enquanto escritor e deixa mesmo um desejo: o de que «O romântico que lia Bukowski» se concretize no passo que lhe faltava para ser escritor a tempo inteiro.
Senhoras e senhores, entrevistador e entrevistado, autor-narrador-personagem, José Ilídio Torres por ele próprio.
Primeiros passos na escrita
José Ilídio Torres– Quando é que surgiu a escrita na tua vida?
José Ilídio Torres – Penso que surgiu quando fui capaz de juntar as letras, com elas formar palavras, e com estas últimas frases. Foi na escola primária.
Desde muito novo tive a percepção de que contar histórias era algo que se fazia para um outro. Uma coisa especial. É curioso que ao longo de 20 anos como professor, uma boa parte deles como docente do primeiro ciclo, encontrei um punhado de miúdos com essa capacidade. A de serem narradores, e terem a noção que não escreviam para o professor, mas para um público, existisse ele ou não, real ou imaginário.
JIT – É importante o feed-back que se dá nessa altura ao aluno/escritor?
JIT – Muito importante. Tive a felicidade de ter professores na área do português, que entendendo essa visceral necessidade, foram capazes de me marcar de forma decisiva.
Foi na adolescência, pelos 15/16 anos, que comecei a mostrar uns poemas e umas prosas-poéticas que fazia. Na revista «Amanhecer» da Escola Secundária de Barcelos.
De uns poemas do Zé Ilídio ao primeiro livro do José Ilídio Torres
JIT – Quando publicaste o teu primeiro livro?
JIT – Foi em 2007, há 13 anos portanto. Tinha na altura 40 anos.
Depois de ter publicado outros, nos anos subsequentes, poesia e contos, achei que aquele primeiro livro não representava mais que um resumo de algumas coisas que tinha escrito pelos anos, e que mostrava ainda alguém à procura de uma identidade.
Reneguei-o quando comecei a escrever umas coisas, que eu achava melhores, mas hoje já não o faço.
Chamava-se «A tristeza matou os peixes que nadavam nos teus olhos».
Anos seguintes: «A Lenda das Cruzes» e um electrocardiograma
JIT – Como foram os anos seguintes?
JIT – Se queres que te diga, acho que sou um adulto tardio (risos). Demorei bastante tempo a entender verdadeiramente quem era, que não um eterno apaixonado pela mulher, um poeta que quando bebia uns copos a mais, soltava em verso uma espécie de alma escondida, que ninguém era capaz de amordaçar.
JIT – Escreveste também contos infantis…
JIT – Sim, fiz umas edições de autor e andei durante uns anos a promover os livros pelas escolas, a conversar com os alunos – uns milhares. Não tenho bem noção em quantas estive, mas foram certamente mais de 50.
JIT – Em 2011, se não estou em erro, escreveste a pedido da Câmara Municipal de Barcelos «A Lenda das Cruzes». Uma parceria com o já desaparecido artista plástico Carlos Basto. Queres falar-nos um pouco desse livro?
JIT – Começou aí uma zanga de vários anos…
JIT – Com quem, com o Carlos Basto?
JIT – Não. Ao Carlos Basto eu perdoei rápido. À Câmara é que durou um pouco mais.
Quando me encomendaram o texto, que foi bem pago na altura, não tenho qualquer problema em dizê-lo, eu achava, porque ninguém me tinha dito, que aquela era uma iniciativa da CMB, o que posteriormente vim a descobrir que não, mesmo tendo sido a Câmara a publicar o livro.
Era um projecto do Carlos Basto, que já tinha os desenhos e tudo. O problema é que não conseguiu quem fizesse o texto em condições.
Escrevi aquilo numa tarde. O Victor Pinho fotocopiou-me uns documentos, estudei as várias versões da lenda e o necessário enquadramento histórico, e entreguei.
O problema é que o texto não batia com certas pranchas já feitas pelo Carlos Basto. Foram precisas algumas reuniões com a Vereadora para se chegar a um acordo. Cedi em algumas coisas e noutras não, pois nunca tinha ouvido falar do escritor andar a reboque do ilustrador.
Na apresentação, perante uma vasta plateia, o Carlos Basto, um magnífico aguarelista, foi indelicado comigo, chamando-me jocosamente «menino», e dizendo que o tinha obrigado a fazer mais 10 desenhos, que depois, em plena sessão, ofereceu a quem bem lhe apeteceu.
Naquele dia percebi que nem tudo o que parece é…
O livro esgotou rapidamente, e era uma edição com bastantes exemplares e, vá lá saber-se porquê, a Câmara nunca mais o reeditou, mesmo tendo sido um sucesso.
JIT – Noto uma certa mágoa nas tuas palavras…
JIT – Não, já passou. Tudo nesta vida é uma aprendizagem. Se fosse feita apenas de coisas boas eras um anjinho e o teu destino era inexoravelmente, o céu.
Já passei por muito na vida, apesar de não poder dizer que passei necessidades, como aconteceu a tanta gente já. Nasci em berço de ouro, como é costume dizer-se.
No entanto, tem sido uma vida de altos e baixos. Uma espécie de electrocardiograma, como diz uma das personagens do meu mais recente livro, o psiquiatra.
«Bukowski» e o renascer para a escrita
JIT – Fala-nos deste teu último livro – «O romântico que lia Bukowski».
JIT – Não diria o último, talvez mais o primeiro…
JIT – Porquê?
JIT – Porque acho que cresci finalmente (riso). O livro nasceu de uma experiência emocional muito traumática que vivi há dois anos. Escrevi-o durante o período de confinamento, e consegui finalmente sair de mim, sem precisar de beber uns copos a mais, para me olhar de cima, de uma forma absolutamente crítica e bem-humorada. Um sinal evidente que tinha finalmente ultrapassado a crise que passei.
Luís Manuel Cunha no posfácio que gentilmente escreveu para o livro, fala de um «real biográfico ficcionado, de uma narrativa desempoeirada, de capítulos curtos e incisivos». E tem toda a razão.
Nada será como antes
É um livro onde não há nada de supérfluo.
Considero que após este livro nada será igual. E tenciono escrever mais ficcção no futuro.
Tinha feito uma primeira experiência num livro meu de 2009, «Diário de Maria Cura». Quem leu esse e já leu este, pode encontrar aqui e ali afinidades, o que não encontra certamente é o mesmo escritor.
JIT – Quais são os teus projectos para o futuro?
JIT – Não fazer outra coisa que não seja escrever. Não sou uma figura televisiva, não tenho padrinhos, mas tenho feito um percurso que um dia me levará a viver unicamente de e para a escrita. Não sei quando, mas sei que lá chegarei.
JIT – Agradeço-te a disponibilidade para esta entrevista e desejo-te sorte nessa tua demanda pela escrita e por continuares a narrar histórias para os outros.
Muito obrigado.
JIT – Não tens que agradecer, pagas tu um copo.
Bukowski provoca viragem na carreira literária de José Ilídio Torres
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