‘Indústria 4.0 permite reganhar competitividade e produtividade’

‘Indústria 4.0 permite reganhar competitividade e produtividade’

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Joaquim Norberto Pires, vimaranense por nascimento e conimbricense por adoção, é um dos mais relevantes pensadores e atores em Portugal na área da automação e robótica industrial. Professor Associado na Universidade de Coimbra, tem vindo a publicar com frequência sobre o assunto, inclusive diversos livros.


 

 

António Piedade: O que é a Indústria 4.0?

Norberto Pires: É o nome que se dá a uma iniciativa internacional que tem como objetivo reganhar competitividade e produtividade da indústria. Nasceu na Alemanha em 2015, sendo proposto como um plano a 10 anos que pretende atingir esses objetivos revolucionando a cadeia logística associada a todos os processos de transformação industrial, isto é, o caminho entre as matérias primas e o cliente final. Na verdade, o fenómeno de globalização colocou grandes desafios às economias ocidentais. A primeira resposta das empresas foi a de deslocalizar meios de produção para locais onde os custos de contexto (salários, impostos, custos de energia, etc.) eram mais baixos e, complementarmente, procurar ganhar dimensão agregando várias empresas. Isso permitiu, por um lado, recuperar competitividade, pois os custos eram menores, mas também mais eficiência e especialização, pois organizações maiores facilitam essas transformações. Essa resposta revelou-se, no entanto, e como seria de esperar, pouco sustentável, pois não resolveu o problema e só o adiou. Ao deixarem de crescer de forma consistente e robusta, as economias ocidentais enfrentam um novo problema, porque sem crescimento as novas gerações não terão uma vida melhor, como já começam a verificar, e a riqueza disponível, com o aumento da população, é a dividir por mais pessoas. Isso abre espaço a tensões, conflitos, problemas com migrações, etc. A perda de competitividade retira recursos ao nosso modelo social e coloca em causa muitas das conquistas civilizacionais que fizemos desde a 1ª revolução industrial (1760).

AP: Pode apontar outras características identificadoras desta Indústria?

NP: A Indústria 4.0 tem de ser vista num quadro geral da forma como vivemos e trabalhamos, como resposta aos desafios e perda de COMPETITIVIDADE e consequentemente de CRESCIMENTO, originados pela GLOBALIZAÇÃO Económica. Pretende, na verdade, ser o suporte de uma grande transformação (e essa é a verdadeira REVOLUÇÃO) no atual supply-chain (cadeia logística) originando um Ecosistema Digital de elevada eficiência que permita ganhos de competitividade. Isso significa, a capacidade de reagir em tempo real a ruturas no supply-chain, se possível antecipá-las, modelizando completamente a rede, criando, por exemplo, cenários “what-if” – ambiente propício para a inteligência artificial, etc., de forma ajustar o supply-chain em tempo real a alterações de condições.

AP: Podemos identificar um objectivo principal da Indútria 4.0?

NP: A nova “revolução” tem como objetivo produzir melhor, o que significa, fazer de forma mais eficiente o caminho entre as matérias primas e o cliente final. Isso tem impacto significativo em todas as áreas de trabalho humano, especialmente nas fábricas, mas também na seleção de materiais, na distribuição, na forma como trabalhamos e vivemos – ou seja, em toda a cadeia logística.

AP: Onde se iniciou a Indústria 4.0?

NP: É justo referir que apesar de ter nascido na Alemanha, sob proposta de uma consultora internacional que trabalhava para a a poderosa indústria alemã, o conceito da “Indústria 4.0” não é novo. Tinha sido apresentado cerca de 1 ano antes, pelo Presidente Obama, nos EUA sob o nome de “Manufacturing Challenge” e tinha, no essencial, os mesmos objetivos. Não é em si uma revolução, mas sim um plano de evolução tecnológica (algo desesperdo, por ser crítico para o nosso modelo social) que permite colocar no terreno novas técnicas para transformar completamente a forma como produzimos. O resultado pode, de facto, ser uma revolução. Mas teremos de aguardar pelos resultados.

AP: A Indústria 4.0 exige novas competências na mão de obra? Quais?

NP: A Indústria 4.0 coloca dois grandes desafios. Em primeiro lugar, exige novas competências e conhecimentos, abrindo espaço para uma nova oferta de emprego que atinge valores significativos. No entanto, por outro lado, abate muitas das funções que hoje são desempenhadas por muitos milhões de pessoas, colocando o desafio de as reconverter. Ou seja, sendo a Indústria 4.0 um plano para reganhar competitividade, tendo muitos de nós colocado o foco nos aspetos tecnológicos e nos ganhos potenciais, deixamos em aberto, sem acautelar, as enormes necessidades de formação de perfis muito diferenciados dos atuais (ligados a uma nova realidade, com máquinas, mais digital, mais relacionada com a gestão de grandes volumes de informação em tempo-real) e que apelam a capacidades que não treinamos devidamente (os aspetos tecnológicos, a capacidade de usar máquinas, de as programar, o espírito crítico, a capacidade de apreender rapidamente novas realidades, a liderança, a valorização da competência, etc.), mas também a reconversão daqueles que são apanhados pelo processo (desenhado para ser rápido). Os números são muito claros. No ano passado, um relatório do World Economic Forum dizia que em 2020 haveria só no espaço europeu um déficit de 1 milhão de engenheiros de dados. Nem todas as universidades europeias são capazes de formar toda esta gente. No mesmo relatório, as empresas confessavam que 41% dos seus trabalhadores iam precisar de planos de formação superiores a 3 meses, e que 20% precisariam de 6 meses ou mais (10% mais de um ano). É fazer as contas, como dizia António Guterres. Estudos de várias consultoras nacionais e internacionais (como a PwC, Mckinsey e Boston Consulting Group) apontam para um incremento de oferta de emprego em toda a Europa na ordem dos 5% (nos próximos 10 anos) do total de pessoas a trabalhar nas áreas associadas à Indústria 4.0, o que equivale a mais de 16 milhões de empregos (350 mil só na Alemanha). Os desafios de formação, que estavam bem presentes no relatório da Boston Consulting Group que deu origem à Indústria 4.0 foram negligenciados e são agora um enorme problema, para os quais não estamos preparados e podem gerar um gravíssimo problema social. Por exemplo: Segundo a famosa revista Harvard Business Review, 5 dos novos tipos de empregos criados pela Indústria 4.0 estão classificados entre os 20 empregos mais “sexiest” do século XXI. Esses empregos são: 1) Industrial data scientists; 2) Robot Coordinator; 3) Industry 4.0 solution architect; 4) Industrial computer engineer/programmer; 5) Industrial UI/UX programmer. Ou seja, tudo empregos novos, para os quais não formamos pessoas.

AP: As universidades portuguesas estão a acompanhar a formação destas novas competências?

NP: Penso que não. No outro dia, num evento em Coimbra, um empresário nacional que fatura mais de 600 milhões de euros, colocou o dedo no problema dizendo, a determinada altura, que a Universidade ensina mais ou menos como fazia há 50 anos. São os mesmos métodos, às vezes com as mesmas pessoas, ou outras iguais, sem se aperceberem de uma enorme necessidade de mudança. Não só na oferta formativa, mas essencialmente na forma como se ligam ao mundo, como o R&D está orientado, também para melhorar a economia, na forma como lidera as transformações sociais e económicas e na forma como é suporte dessas transformações. É uma mudança gigantesca porque implica sair de uma lógica centrada em si própria, para uma lógica centrada no serviço prestado: no ensino, na ciência e na capacidade de mudar o mundo.

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Imagens: 0, 2, 3) JNP, 1) CV

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