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O direito a não ser ofendido não existe

 

 

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Censura sob capa da democracia

O Tio Patinhas foi censurado. Os livros d’“Os Cinco”, mundialmente conhecidos pelo público juvenil ao longo de várias gerações, foram igualmente alvo da censura.

Dois contos clássicos da banda desenhada do personagem criado por Walt Disney, vão ser revistos pela Disney no âmbito do seu (e passamos a citar) “compromisso com a diversidade e inclusão”. Já no que se refere às aventuras dos The Famous Five (no original), que quase todos conhecem e eram e são destinadas à leitura pelo público infantojuvenil, as versões originais destes últimos estão a ser armazenadas em zonas fora do alcance do público, nalgumas bibliotecas do Reino Unido, para evitar que os leitores tropecem em livros com (e passamos a citar) “linguagem datada e potencialmente ofensiva”.

Sentir-se ofendido por tudo e por nada

Somos defensores dos direitos de todos. Somos absolutamente contra o racismo, a xenofobia, o machismo, a homofobia e demais parvoíces do mesmo género. Respeitamos o direito de cada um a ser quem é, e a viver a vida como melhor lhe aprouver.

Dito isto, temos muita dificuldade em entender, em que medida, a revisão censória dos contos do Tio Patinhas ou o afastamento dos livros de “Os Cinco” das estantes das bibliotecas, contribuiu para um mundo em que os direitos de todos sejam respeitados.

Todos devemos ter igual direito à habitação, à saúde, à educação, à segurança, à justiça, à plena cidadania e a outras coisas mais. Aquilo a que definitivamente não temos direito é a que não nos ofendam. Isso não é um direito. É um desejo legítimo, é uma pretensão razoável, mas não um direito.

Não ser ofendido não é um direito, porque diferentes pessoas ofendem-se com diferentes coisas e em diferentes graus. Mais do que nunca, hoje em dia, há muito por aí quem se sinta ofendido por tudo e por nada.

Se de cada vez que abríssemos a boca ou escrevêssemos, tivéssemos de tomar em consideração todos os que eventualmente pudessem sentir-se ofendidos com o que dizemos, o mais certo era calarmo-nos para sempre, pois poucos assuntos restariam sobre os quais pudéssemos falar ou escrever.

Qualquer frase, em qualquer circunstância, pode ser tomada por quem a ouve ou a lê como sendo uma ofensa. Haja ou não essa intenção. Sempre assim foi, sempre assim será. Querer que exista o direito a não ser ofendido, é querer que todos se calem antes sequer de abrirem a boca ou escreverem a primeira letra.

Imaginemos que vamos dar um passinho de dança a um qualquer salão de baile e o nosso par queixa-se que lhe pisamos os calos e diz-nos que temos uns pés, que mais parecem uns tijolos. Provavelmente, isso seria algo que não desejaríamos ouvir, que nos arreliaria, nos chatearia e até nos ofenderia. Contudo, daí a dizer-se que o nosso par deveria permanecer em silêncio, pois nós temos o direito a não sermos ofendidos, vai um enorme passo.

O exemplo de Travolta e Umma Thurman em Pulp Fiction

Um aparte. Só para que conste, a hipótese que acima colocámos é meramente académica e exemplificativa pois que nós, quando dançamos, fazemos maravilhas que fariam o John Travolta doutros tempos roer-se de inveja. Ainda assim, só para que tenham um termo de comparação, abaixo deixamos-vos um excerto de Pulp Fiction.

Travolta foi encarregue pelo seu patrão, um perigoso gangster, de entreter a esposa. Durante a tarde, massajou-lhe os pés. À notinha  levou-a a um bar dançante. A esposa do patrão, insistiu em que Travolta dançasse com ela. E assim foi. Quando mais tarde, a patrão, o perigoso gangster, soube disto, ofendeu-se. Há quem se ofenda por tudo e por nada. Travolta poderia ter acabado cravejado de balas. Fica a dança:

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Depois do aparte, regressemos ao nosso tema.

Censura, não! Obrigado.

Imaginemos agora que nos chamam gordos, feios, caixa de óculos, calhau com olhos, burros que nem uma porta ou qualquer outro epíteto menos simpático. Não é certamente agradável ouvir nenhuma dessas coisas, nem revela grande educação da parte de quem o diz. Consequentemente, podemos legitimamente ofender-nos com a pessoa que o disse. Ainda assim, não é por causa disso que passa a existir o direito a não ser ofendido. Esse direito não existe.

Já agora, fazemos mais um aparte, para que conste que, tal como a anterior, também esta segunda hipótese é meramente académica e exemplificativa.

Em conclusão, vai sempre haver quem se ache melhor do que nós nisto ou naquilo. Vai sempre haver quem efetivamente seja melhor do que nós nisto e naquilo. E vai também sempre haver quem tenha necessidade de nos fazer sentir que é melhor do que nós nisto e naquilo e para isso recorra a uma linguagem que achincalha e ofende. Não é bonito, não fica bem, mas não faz com que exista o direito a não sermos ofendidos e a que os outros tenham de se calar.

Caso nos ofendam e nos chamem nomes feios, a melhor resposta que podemos dar é a seguinte: ”Quem o diz é quem o é”. É uma resposta inconsequente e infantil, todavia muito melhor solução do que começarmos a censurar isto, aqueloutro, mais aquilo e ainda mais isto, e mais aqueloutro, e mais aquilo, e mais isto e mais aquilo…


Obs: texto previamente publicado em Blogue If…, tendo sofrido ligeiras adequações na presente edição.

Imagens: 0) Walt Disney Productions / Cover to Cover, 1) Custo Justo, 2) Julian Tysoe / The Conversation, 3) Pulp Fiction / Miramax


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