Recentemente participei numa sessão da Assembleia Municipal de Famalicão. Apesar de termos um regimento completamente ultrapassado e que releva para segundo plano a participação do/a o/a cidadão/ã, não desisti de marcar a minha posição, considerando que existem situações que não podem ficar escondidas nas linhas de um email, o qual, por norma, fica sem resposta.
Linguagem discriminatória usada em regulamentos municipais famalicenses
Um dos pontos referidos na minha intervenção deveu-se a um regulamento, recentemente aprovado em reunião de Câmara. Regulamento esse que esteve em consulta pública e para o qual foram enviadas propostas de alteração, sendo estas rejeitadas na sua totalidade.
Obviamente não seria de esperar que o executivo as acolhesse, seria (talvez) demonstrar as falhas do regulamento em questão, e garantir ir mais além na proteção e bem-estar animal, algo que só fica bonito dizer na comunicação social e nos posts do facebook.
Indiferença perante os alertas
Contudo, o que foi lamentável assistir prende-se com o facto de perceber que não existiu uma só pessoa, responsável pela análise da consulta pública, que se tenha interessado em perguntar ou pesquisar sobre – afinal que é isto de linguagem inclusiva e não discriminatória? O regulamento em questão, além da não utilização de terminologia no feminino, diz o seguinte – “existem WCs para feminino, masculino e deficientes”, quando o que deveria dizer era WC adaptado; e que “o CROA encontra-se disponível para realizar atividades com deficientes” quando o que deveria dizer era “atividades com pessoas com deficiência”
O mínimo denominador exigível no tratamento das pessoas com deficiência deveria ser a convenção, a lei ou, mínimo dos mínimos, a orientação genérica
Aquando da discussão pública, os serviços foram alertados para que este erro gravíssimo fosse corrigido, e perceber que não foi, só demonstra uma falta de sensibilidade grosseira. Nunca dará bons frutos considerar-nos senhores da verdade, pois ficaremos presos num mundo ilusório que impede a evolução civilizacional, o respeito, a inclusão e o conhecimento.
Poderão existir pessoas para as quais é diferente a terminologia utilizada, contudo quando se publicam documentos, ou nos dirigimos a um todo, o mínimo exigido é a utilização do que está estipulado em convenção ou na lei, ou até em orientações genéricas.
Respeito pelo outro passa pela forma como nos dirigimos uns aos outros
Numa sociedade onde existe tanta discriminação, apoios que não chegam à esmagadora maioria dos que deles necessitam, quando as acessibilidades, como um dos instrumentos para efetivar direitos fundamentais, mais não são que rabiscos num papel, é inaceitável estas posições. As pessoas com deficiência têm direito à dignidade inalienável, à igualdade de tratamento, a uma vida independente, à autonomia e à plena participação na sociedade, e isso passa também pelo respeito na forma como nos dirigimos aos outros.
Dignidade da pessoa humana, um valor fundamental da nossa Constituição e sociedade
Do alto da sua maioria arbitrária e assente numa ideia que se governa apenas para alguns, aprovou-se em reunião de Câmara um regulamento que classifica as pessoas com deficiência como alguém reduzido à sua deficiência.
Numa época em que as relações digitais ganham cada vez mais relevo e se sobrepõem às pessoais, em que o teclado se transformou numa arma que dispara sobre tudo e todos, sem qualquer pudor e respeito pela liberdade do próximo, e ainda numa época em que se assiste a um crescimento de extremismos bizarros que seduzem os esquecidos (ou não) da realidade que se assiste em sociedades ditatoriais, é imperioso não baixar os braços e não permitir retrocessos, especialmente, nas matérias associadas à dignidade da pessoa humana, valor fundamental da nossa Constituição e sociedade (ou assim deveria ser).