O Reitor da Universidade de Coimbra despediu um professor por propaganda russa. Como nós sabemos hoje, ler grande parte da imprensa é um exercício de investigação cuidada. Por exemplo, já se sabe que o professor estava reformado, pelo que não pode ser despedido, também se sabe que o Reitor recusa divulgar os factos, pelo que não se pode afirmar que o motivo foi “propaganda russa”. Ou seja, nem foi despedido nem foi por razões conhecidas. Cheira tudo a agência de comunicação da propaganda ucraniana vertida directamente nos jornais.
Calma, não só não sou “puntinista” como quando houver uma revolução na Rússia contra o Putin espero estar entre os primeiros a colocar-me num avião e celebrá-la em frente do Palácio de Inverno. O mesmo, lamento, para Zellensky, um oligarca que entregou o seu país à guerra eterna da NATO, da Rússia e da China pelo controlo das matérias primas indispensáveis à automação, IA e queda do preço da força de trabalho (preço do trigo). É no eixo Ucrânia, China, Rússia que está a mina de ouro da economia de guerra. Na Ucrânia hoje os homens não podem sair, há apenas um meio de comunicação autorizado, o do governo, e é proibido fazer declarações contra a guerra e a política do governo ucraniano. É uma ditadura. Como é a Russa.
Há quem defenda Putin e há quem defenda Zellensky – estão no seu direito. Eu tenho outra posição – não existem só duas opções e dois lados, um culpado outro vítima – isso é uma explicação para crianças de 4 anos. Há contextos, história, geopolítica. Pode ser-se contra a invasão, eu sou, sem estar ao lado do Estado da Ucrânia. Como fui contra a invasão do Afeganistão e não apoio os talibans – a vida é complexa.
Dito isto não posso deixar de ficar perplexa e nada surpreendida, com as declarações do Reitor da Universidade de Coimbra que, cito os jornais onde ele refere que não haveria “qualquer tipo de transmissão ideológica fosse de que espécie fosse” na Universidade.
Ora, a Universidade é um espaço de ideologias, por inerência. De ideias. O que faz a Universidade ser séria não é a neutralidade ideológica, que é uma mentira, é a objectividade e o compromisso com a verdade. Não é a ausência da ideologia mas o debate livre de ideias e ideologias. Uma Universidade não pode apoiar nem o Estado da Ucrânia nem o Estado Russo, os seus professores podem porém apoiar quem quiserem, incluindo a Rússia. A Universidade como instituição tem que apoiar o debate livre, profundo e sério sobre a guerra e as suas consequências.
Todos os reitores aliás – desconheço o caso concreto – são eleitos por organizações ideológicas e de interesses que se organizam dentro das universidades ligados a estruturas ideológicas (dos partidos, PS e PSD à cabeça, aos partidos de facto como a Opus Dei ou Maçonaria). O que é normal. As sociedades saudáveis organizam-se em interesses e defesa deles. Lamento sempre a fraqueza das ideologias de defesa dos trabalhadores na Universidade, em, defesa por exemplo, da Universidade totalmente gratuita e que regresse a um modelo pré-Bolonha, de uma Universidade que esteja contra as pressões dos Estados e do mercado, mas não posso lamentar – é isso a democracia – que haja organizações que defendem outras ideias e lutem por elas e apoiem reitores. Chama-se democracia.
Tive professores do PCP, do PS, do BE, do MRPP, do PSD e do CDS e fascistas que estavam dentro do PSD e do CDS e na altura disfarçavam. Na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, depois no ISCTE, e depois em várias universidades pelo mundo. Tive muitos com ideologia, sem filiação partidária, e muitos que pensavam não ter ideologia nenhuma e nos vendiam a tese da “independência” (estes eram os mais desinteressantes). Tirando um caso – fascistas não podem ser permitidos porque são os que querem proibir todos os outros – a ideologia dos professores quando é assumida, o que para mim é um acto de seriedade, não só é inevitável como torna a Universidade um espaço muito mais interessante. Não há Universidade sem liberdade ideológica.
E sim, são tempos sombrios. No Brasil de Bolsonaro inventou-se a “Escola sem partido” – nome para escola sem ideologias. No Portugal de Costa, de Passos Coelho e de Barroso, desde os tempos da guerra ao terrorismo, passando pela pandemia e agora pela guerra da Ucrânia a tendência para impedir o pensamento livre, com discursos fanáticos que sequer permitem debates. Os adversários são catalogados e o debate é assim impedido. O Estado e as instituições ocupam-se cada vez menos de nos prestar serviços públicos e cada vez mais da nossa vida privada e do nosso pensamento. Em 2023 ler que a Universidade “não tem ideologia” é simplesmente absurdo, que o Reitor o expresse é um sinal claro da democracia a esboroar-se. E da luta que vai dentro das Universidades para de facto retirar autonomia a todos os professores fazendo de nós transmissores de ideias pré-assumidas para alimentar o mercado de trabalho, daí que o silêncio dos sindicatos face a estas declarações não seja bom de ouvir.
Obs: texto previamente publicado no blogue Raquel Varela | Historiadora, tendo sofrido ligeiras adequações na presente edição.