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Madrugada no teto do mundo

 

 

Respiro fundo, muitas vezes. À esquerda o ar puro chega do Dhaulagiri, que toca os 8167 metros. À direita chega do Annapurna I, por sua vez 8090 metros. Eu estou no centro, sinto-me a pedra angular desta madrugada de pureza ancestral no Nepal, teto do mundo.

Não estou sozinho. Algumas dezenas de caminhantes de todo o mundo vieram nesta mesma madrugada ao cume gelado de Poon Hill, o miradouro do Annapurna. Estamos cheios de sorte com a visibilidade cristalina. Nos últimos dias o tempo não esteve bom, com nuvens baixas fechando os vales dos Himalaias numa capa de humidade e mistério.

Em Poon Hill, a madrugada do Nepal é um Absoluto imprevisto

A colina de Poon Hill é o ponto mais alto, e não só em sentido literal, do meu itinerário. Estou a 3.200 metros de altitude, e desfruto o momento mais espectacular da minha semana a caminhar pelos contrafortes do Annapurna. Sinto-me feliz, sereno, emocionado com a coincidência de passar por Poon Hill no único dia de todo o trekking em que a madrugada amanheceu sem uma nuvem, sem um farrapo de neblina. O Absoluto imprevisto.

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‘Inevitavelmente, penso em Deus’

Olho para este anfiteatro de montanhas e tento encontrar um sentido das proporções, um cálculo seguro das distâncias. Mas é tudo tão novo para mim, tão imenso. Por exemplo, quantos quilómetros me separam, em linha recta, daquele pico? E que tamanho terá um homem lá em cima? Será visível desde aqui de baixo? Uma bandeira, será visível? Aquele hálito branco que sai da montanha — lá perto, o que passa a ser? Uma colina de gelo que se evapora? Uma rajada ciclónica de vento que varre a neve fresca? E se o que eu vejo nem existe, é apenas uma ilusão da minha vista atordoada com tanto espaço, com tanta eternidade?

Inevitavelmente, penso em Deus. É a consequência da sequência violenta de poucos dias e milhares de quilómetros que me trouxe aqui, desnorteado através da Índia, do sul para o norte, do calor para o frio, da planície para o planalto, depois pelas colinas e pelos contrafortes até, por fim, chegar à grande barreira vertical que separa o sub-continente do resto do planeta. O contraste não podia ser maior.

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Se Deus existe deve habitar estas cristas do teto do mundo

Penso no choque emocional que estas montanhas iluminadas pelos primeiros raios de sol teriam provocado na sensibilidade exaltada de um brâmane peregrino ou num monge budista em ascese. Penso no poder de sugestão destas paredes incumbentes, claramente definidas, viris e perpétuas, sobre os homens que chegavam da paisagem árida, melancólica, desbotada pelo excesso de sol, sem contornos nítidos nem limites horizontais, da infinita planície indiana. Esses homens colocaram, há milhares de anos, a morada dos seus deuses aqui: no monte Kailash, na pirâmide do Shivling, no Machhapuchhare. E eu penso, hoje, que se Deus existe, deve habitar nestas cristas que o sol cobre de fogo em cada madrugada desde a criação do mundo.

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Obs: texto previamente publicado em Planisfério Pessoal, Clube do Autor, 2005, tendo sofrido ligeiras adequações na presente edição.

Imagens: Gonçalo Cadilhe

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