crise de identidade - professores - uma classe ao espelho - carlos santos

Afinal quem somos nós, professores!?

 

 

Afinal quem somos nós, professores? E, porventura, saberemos onde estamos?

Chegámos a um lugar que está em parte alguma, onde o presente, o passado e o futuro se fundem num só. O cheiro a enxofre deixa-me uma pista sobre o sítio onde realmente me encontro. Um lugar cheio de espelhos, mas todos tapados para que não tenhamos de ver refletido o modo pouco recomendável como nos tratamos entre nós.

Tento compreender o motivo de nos encontrarmos perdidos neste lugar obscuro onde só há desânimo trazido do passado, desespero no presente e desesperança no futuro. Resta-me procurar o caminho que nos trouxe até aqui para tentar entender como foi possível que um grupo tão grande se tivesse deixado perder.

Ninguém sonhava sobre aquilo que éramos capazes de fazer uns aos outros. Mas os governos, tendo perfeito conhecimento das nossas peculiares características, foram muito mais inteligentes do que nós e manipularam-nos. A grande diferença é que eles aprenderam com os próprios erros e nós não.

Prova do seu elevado nível de eficácia é visível quando verificamos que o motivo que levou Maria de Lurdes Rodrigues ao fracasso foi ter usado uma linguagem ofensiva e atacado toda a classe com várias medidas em simultâneo, propiciando uma revolta e a uma mobilização generalizada dos professores. Os ministros que se lhe seguiram aprenderam com o erro e foram dissimulados nas palavras, optando por atacar seletivamente grupos específicos de professores com medidas avulsas, que somadas, no total acabaram por afetar na mesma toda a classe. Percebendo da desunião que conspurcava a classe, lançaram a discórdia conseguindo dividir para reinar, com os excelentes resultados que estão à vista de todos. Quando atacavam uma parte, a outra não se solidarizava e não conseguiam força reivindicativa para se defenderem. Sabendo não ter capacidade de combater todos em simultâneo, a tutela teve a clarividência de isolar os alvos para irem implementando com eficácia todas as medidas que quiseram sem que os professores conseguissem ter força suficiente para as contestarem. Em suma, o nosso comportamento individualista tornou-nos numa presa fácil.

Agora temos uma classe estupefacta a perguntar-se como foi possível chegar a este ponto de enorme perda de direitos e com condições e trabalho deploráveis, acrescidas de instabilidade e baixos salários. Se fossemos unidos como outras profissões o são, nada disto teria acontecido. Funcionários da Carris, da recolha do lixo, médicos, enfermeiros, camionistas, conseguem unir-se e ter força reivindicativa, serem ouvidos e até parar o país quando é preciso. Muitos deles com salário inferior ao nosso, prosseguiram com formas de luta e greves prolongadas que lhes pesaram na carteira, mas que lhes proporcionaram ganhos consideráveis. Tiveram a inteligência de saber que para grandes vitórias, exigem-se grandes sacrifícios.

Os professores, por seu lado, sendo o maior grupo profissional do estado, por comodismo, miserabilismo, individualismo e falta de visão, não conseguem praticamente nada, simplesmente porque vão sendo uma agremiação de «umbigos», cada um pensando no proveito próprio e imediato, nem que seja às custas do infortúnio de colegas de profissão. E isto, acreditem, é o que tem feito toda a diferença sempre que a casa do ensino estremece.

Examinando esta luta que tenho encabeçado contra a enorme injustiça deste concurso de Mobilidade por Doença, só posso ver o comportamento da classe como o exemplo acabado daquilo que somos. Ainda ontem, nas redes sociais, mais um colega desvalorizava o problema dos docentes desafortunados desacreditando a sua causa ao desenhar círculos de 50km de raio que se sobrepunham parcialmente no mapa, asneirando: “Não olhem para o vosso umbigo como sendo o único. (…) o mais que pode acontecer é deslocarem-se para um concelho não muito distante…”. Porventura, saberá que (salvo determinadas exceções) os colegas que se veem obrigados a recorrer à MPD têm enorme dificuldade em conduzir em viagens que se tornariam impossíveis, penosas ou nocivas para a sua saúde? Andam a medir círculos em vez de se debruçarem sobre a injustiça desta medida. Uma classe que se queixa de não ser ouvida por uma opinião pública que, na sua ignorância, prefere insultar, acaba por ter um comportamento igual, de índole fratricida, em vez de exigir fiscalização de possíveis fraudes e apoiar os colegas.

Entre colegas que dizem que “é bem feito”, por se suspeitar de alguns abusos fraudulentos, outros que assobiam para o lado, porque o problema não é com eles e, outros ainda, que aguardam que a desgraça destes professores lhes possa ser benéfica, deixam antever que esta luta será apenas mais uma a somar a tantas outras causas perdidas. Um fracasso, não só dos professores que, infelizmente, por motivos de saúde se veem obrigados a concorrer em regime de MPD, mas mais um falhanço de toda uma classe que fica enfraquecida aos olhos de uma opinião pública que volta a olhá-la como sendo trapaceira, oportunista e preguiçosa, e um MEC que, mais uma vez, facilmente consegue o desentendimento entre os professores. Mas, acima de tudo, um fracasso de todos aqueles que um dia poderão vir a padecer de doenças incapacitantes e já não terão como poder trabalhar em condições condignas nem ver defendidos os seus direitos de assistência na doença.

O desassossego dos professores nestas circunstâncias, que se sentem nitidamente isolados e marginalizados pelos seus pares que lhes lançam mais críticas e insultos do que apoios, é tudo o que conseguimos ver quando destapamos os espelhos da nossa alma refletindo o quanto a classe está doente, mas de valores.

Nem que fosse apenas um de nós a ser prejudicado, em consciência, era nossa obrigação apoiá-lo. Mas parece que na desgraça moral em que se transformou esta coisa difícil de classificar verdadeiramente como uma “classe” – que vive muito bem com o mal dos outros –, parece haver mais colegas de profissão interessados que estes professores abandonem o ensino por não aguentarem, metam baixa médica devido ao sofrimento, ou até que morram para sobrarem mais vagas para si. Este é o real estado em que se encontra uma profissão em que a insegurança constante, o desânimo e o desespero em que todos nos encontramos, legitima todo o género de atitudes e comentários, por mais aberrantes que possam ser.

Sacudindo o pó de recordações dolorosamente suspensas no meu canto de memórias, lembro-me quando iam acabar com par pedagógico de EVT e desmembrar a disciplina; estivéramos 5 mil professores deste grupo disciplinar a manifestar-nos em frente ao parlamento. Onde estiveram os colegas de profissão de outras disciplinas que eu não os vi? Em casa a torcer pela nossa desgraça, a ver que horas iriam ganhar os seus grupos disciplinares, enquanto nós ali estávamos corajosamente sós.

Acordo uma outra memória adormecida e, como fantasmas que se erguem de um passado ainda mais distante, vejo a reunião onde estávamos vários docentes representantes dos grupos disciplinares. Um decreto governamental sentenciara a redução de 5 para 4 tempos de carga horária em EVT, o que propiciou o mais degradante espetáculo que assisti ao longo da minha carreira. Apegados a uma longa, acesa e degradante discussão, os representantes das várias disciplinas insultaram-se mutuamente para tentarem conseguir para si a carcaça daqueles despojos de guerra – o tempo letivo retirado a EVT. Uma mera horita (desgraça do grupo disciplinar que a perdia) era motivo de alegria para quem com ela ficasse, o que em linguagem aceitável, mas argumentos inadmissíveis, permitiu o uso de todo o género de agressividade verbal e rebaixamento que se possa imaginar. Talvez isto resuma na plenitude aquilo que somos – um grupo em que, cada um por si, sem tento na língua, puxa a «manta» para o seu lado sem preocupação que isso possa deixar outros «destapados».

Porque já estou no topo da carreira, porque já não preciso de cotas, é dos mais velhos, dos contratados, dos QA, ou dos QZP, deste ou daquele grupo disciplinar, deste ou daquele ciclo, dos que estão em MPD, em Concurso Interno ou Externo, o assunto nunca é da minha conta. No fundo, nunca nos revoltamos, uma vez que a luta nunca é nossa e quando passa a ser nossa, os outros também não nos apoiam usando o mesmo argumento de que a luta não é deles. É como se não fosse possível nos entendermos por nenhum de nós falar a mesma língua, o que não deixa de ser curioso, visto abraçarmos todos a mesma paixão – o ensino.

A proliferação do número de sindicatos é o espelho mais visível de uma desunião cada vez mais evidente.

Olhando para o comportamento individualista deste grupo delirante, já não acalento esperança em coisa nenhuma. Pressinto que iremos bater estrondosamente no fundo, a coisa de nome “Ensino” será lugar onde se venderão aulas a baixo custo e a expressão “classe docente” nada mais representará do que um aglomerado de gente em locais mormente mal frequentados. O que resta da classe é um cadáver moribundo que ainda não se apercebeu já estar morto.

Talvez, na receção aos novos professores, fosse mais honesto entregarem-lhes um bilhetinho com as palavras “Bem-vindo ao inferno. Estás por tua conta e risco. Boa sorte e cuidado com o colega sorridente que está ao lado, pois à primeira oportunidade não hesitará em te abandonar ou te atraiçoar!”

Entretanto, enquanto não descobrimos quem realmente somos, vão-se destapando espelhos.

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Imagem: DR

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