Ciência | Breve anatomia do novo coronovírus

 

 

O vírus SARS-COV-2 alastrou-se pelo planeta Terra em pouco mais de três meses, ocasionado a actual crise pandémica ainda sem fim à vista. Da mesma forma que está presente em quase todos os países do mundo, este vírus também parece atacar vários órgãos do organismo humano.

De facto, as evidências médicas e científicas acumuladas desde o mês de Janeiro de 2020, e já publicadas em muitos artigos científicos, mostram que este vírus parece infectar e causar danos, infelizmente muitas vezes irreversíveis, no sistema respiratório (pulmões), mas também em outros sistemas de órgãos como sejam o cardiovascular (coração e vasos sanguíneos), o renal (rins), o hepático (fígado), o sistema nervoso central (cérebro), digestivo (intestinos), ocular (olhos) e ainda causar danos nas extremidades dos dedos das mãos e dos pés.

Quando uma pessoa infectada expele gotículas carregadas de vírus através da sua respiração, tosse, espirros, e estas são inaladas por uma outra pessoa não protegida e susceptível, os vírus SARS-COV-2 entram pelo nariz e pela boca, chegam rapidamente à garganta e encontram um ambiente propício à sua infecção: encontram células dos tecidos das vias aéreas superiores que apresentam à sua superfície muitas moléculas receptoras designadas abreviadamente por ACE2 (sigla inglesa para a enzima conversora da angiotensina 2), às quais este novo coronavírus se liga com muita afinidade, o que desencadeia o processo que leva a que o vírus entre para dentro das células, onde se replica inúmeras vezes propagando a infecção. Acontece que o receptor ACE2 está presente em células de diferentes tecidos do corpo humano, o que abre portas para que o vírus infecte vários órgãos. Diga-se convenientemente que o receptor ACE2 tem um papel importante na regulação da pressão arterial, encontrando-se abundantemente nas células das paredes internas dos vasos sanguíneos, nas células do coração e dos rins.

Nos primeiros momentos após a infecção, os vírus estarão confinados às vias aéreas superiores. Mas, se o sistema imunitário não conseguir debelar a infecção, que parece ser nesta fase assintomática ou apresentar sintomas, mais ou menos ligeiros e parecidos aos de uma gripe (tosse seca, febre, dores corporais, a que se acrescenta no caso da COVID-19 uma perda de paladar e olfacto), então os vírus propagam-se pelas vias aéreas inferiores chegando aos pulmões. E aí começam a surgir as complicações mais graves. Os alvéolos pulmonares, nas extremidades dos bronquíolos, possuem muitos receptores ACE2, assim como os vasos capilares que os rodeiam e que participam nas trocas gasosas necessárias à respiração pulmonar. Ou seja, são um local muito propício à infecção e replicação viral, do que resulta uma potencial perda, mais ou menos grave, da função respiratória. Surgem os sintomas de falta de ar, dificuldade em respirar que é acompanhada com dores. Em muitos casos desenvolve-se uma pneumonia. A afecção profunda da função respiratória, que pode ser letal, obriga à necessidade de os doentes serem ligados aos ventiladores. Nesta fase da infecção, o sistema imunitário trava uma luta intensa contra o vírus e a resposta inflamatória é devastadora elevando enormemente o nível no sangue de citocinas (moléculas mediadoras da resposta imunitária) o que pode afectar o funcionamento de outros sistemas de órgãos.

O sistema cardiovascular é outro dos mais afectados pela Covid-19. Há muitos casos clínicos na Itália, na China e em Espanha que reportam danos no miocárdio (músculo do coração) não associados a enfarte, em muitos doentes com Covid-19. Um outro estudo mostra que, na Alemanha, 20% dos doentes internados em unidades de cuidados intensivos (UCI) apresentam danos no miocárdio e insuficiência cardíaca. Os cientistas ainda não conseguem perceber de que forma este novo coronavírus causa estes danos no coração. Também tem sido comum encontrar alterações na capacidade de coagulação do sangue, acompanhada por um aumento significativo de coágulos sanguíneos em doentes com Covid-19, o que potencia acidentes vasculares cerebrais e dificulta o bom funcionamento dos rins. Recorde-se que as células do epitélio que reveste internamente os vasos sanguíneos apresentam o receptor ACE2 na sua superfície, o que pode explicar a interacção do vírus com a vascularização sanguínea.

Num outro estudo, publicado recentemente, são apresentadas micrografias electrónicas de cortes de rins provenientes de autópsias de mortos de Covid-19, que revelam a presença de partículas virais, o que sugere um “ataque” directo do SARS-COV-2 nos tecidos renais. Como já se disse, os receptores ACE2, aos quais o vírus se liga com muita afinidade, também se encontram abundantemente nas células dos tecidos que compõem os rins. Vários artigos apresentam uma taxa cerca de 50% de doentes Covid-19 internados em UCI com parâmetros bioquímicos associados a falência renal.

O sistema nervoso também parecer ser afectado pelo SARS-COV-2. O sintoma mais reportado é o da perda de olfacto e de paladar, mesmo em doentes que só apresentam outros sintomas muito ligeiros. Outras complicações do foro cerebral têm sido reportadas em doentes com Covid-19, mas discute-se se elas não poderão dever-se à reduzida oxigenação e à presença de coágulos sanguíneos que podem afectar a vascularização cerebral.

Para os interessados numa análise mais extensa sobre este assunto aconselho a leitura de um artigo publicado recentemente na revista Science.

Para quem pensava, erradamente no início e antes da pandemia, que este vírus não causaria mais do que uma simples gripe, as evidências mostram agora que a sua virulência é deveras preocupante e muito grave em pelo menos 5% dos infectados, podendo deixar sequelas nos recuperados.

 

Imagem: CV

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