Pub
‘J’ accuse – O Oficial e o Espião‘ revisita o célebre “Caso Dreyfus“, ocorrido em finais do século XIX, quando um militar francês de origem judaica foi injustamente acusado de traição à França, inscrito na história da Europa como um capítulo de perturbante dramatismo da nossa memória coletiva.
Em 1894, o Capitão francês Alfred Dreyfus foi injustamente condenado por traição à pátria e condenado a prisão perpétua, num processo em que a imprensa escrita e a opinião pública tiveram imensas responsabilidades, dividindo a França praticamente em duas, entre defensores e opositores da respetiva causa, durante cerca de 12 anos, até à sua conclusão final, mantendo-se ainda hoje um permanente caso de estudo.
O Affaire Dreyfus passou então a simbolizar a injustiça contemporânea, e continua a ser um dos exemplos mais notáveis de um complexo erro judicial e do antissemitismo. Ocorrido durante um período de intensa agitação política que viria a acabar de vez com a monarquia francesa, o caso Dreyfus amargurou a política francesa durante anos e incentivou a radicalização. Citando João Lopes, no Diário de Notícias, Dreyfus “surge, [naquele momento], como o “ponto de fuga” de todo um sistema militar, político e judicial que nele encontra um bode expiatório das suas próprias contradições internas. Mais do que isso: Dreyfus é tratado como símbolo de uma “corrupção” que esse mesmo sistema castiga para preservar a sua utópica “pureza”.
Neste célebre caso, o acusado sofreu um processo judicial fraudulento conduzido à porta fechada. Dreyfus era, em boa verdade, inocente: a condenação era baseada em documentos falsos. Quando os oficiais de alta patente franceses perceberam isto, tentaram ocultar o erro judicial. A farsa foi encoberta por uma onda de nacionalismo e xenofobia que invadiu a Europa no final do século XIX.
J’ Accuse, o filme
Roman Polanski assume, além da realização, o argumento do filme, em parceria com Robert Harris, em cujo romance com o mesmo nome se basearam, tendo arrecadado o Grande Prémio do Júri, no Festival de Veneza de 2019. João Lopes recorda que a expressão “J’ Accuse” “serviu de título à carta aberta do escritor Émile Zola a Félix Faure, Presidente da França, publicada a 13 de Janeiro de 1898, no jornal L”Aurore, acusando o governo francês de anti-semitismo e denunciando a prisão sem fundamento de Dreyfus. O Poder reagiria da forma mais brutal, condenando Émile Zola a uma pena de prisão que não cumpriu porque se entretanto exilou em Inglaterra. Mas os dados estavam lançados e, a partir de então, o processo judicial só terminaria com a libertação do injustamente acusado Dreyfus.
“O mínimo que se pode dizer de J’ Accuse – O Oficial e o Espião, de Roman Polanski, é que se trata de um filme contra a corrente“, salientou João Lopes. “Desde logo, contra a noção de que o espectáculo cinematográfico não passa de uma sucessão de super-heróis fabricados com efeitos especiais… Afinal, há histórias de gente viva que vale a pena contar, continuar a contar. Mais do que isso: estamos perante um retorno, tão sereno quanto sofisticado, a uma arte narrativa que continua a acreditar nas virtudes do cinema como espelho crítico das convulsões da história coletiva“, sendo este um “filme marcado por tensões emocionais que remontam à ideia fundadora do cinema como “coisa” próxima da vida, ao mesmo tempo capaz de ser maior que a vida”. “Estamos perante um filme que revaloriza a energia da escrita”, pelo que o crítico acaba por concluir ser este um filme “Excecional“. Idêntica opinião exprime Jorge Leitão Ramos, no Expresso:
Analisando sob outra perspetiva, “ao invés de observar as ramificações políticas que o escândalo teve em França, por toda a Europa e para lá do continente, como por exemplo a cimentação do antissemitismo e a precipitação da ascensão do movimento sionista laico”, Diogo Lucena e Vale, na Comunidade Cultura e ArtePolanski, contrapõe, desvalorizando o filme, que Roman Polanski “dedica a grande maioria do seu filme à investigação de Georges Picquart que viria a reabrir o processo que, após uma primeira instância de mera redução de pena, mais tarde culminaria na declaração de inocência de Alfred Dreyfus, o que – não querendo desvalorizar a bravura do general – torna a narrativa em mais uma história de homem honesto em busca da verdade contra o mundo corrupto, do género das que já foram contadas centenas de vezes”.
Mas Roman Polanski “é um realizador de espaços“, deixa claro Hugo Gomes na SapoMagazine. “Como tal fez disso o seu perfeito signo autoral. (…) Em “J’Accuse”, o espaço adquire uma perfeita analogia do enclausuramento moral que o filme conjuga com planos perfeitamente adaptados à sua “mise-en-scène”. Nota-se, por exemplo, o cerco humano que delineia a ação na sua abertura: a despromoção, humilhação e condenação de Dreyfus (Louis Garrel) é o comité de boas-vindas para pressentirmos um realizador preocupado com a estética estagnada de um filme que se queira político.
Todas as sequências que se seguem persistem nesse fascínio pelo adorno, pela reconstituição e pela atmosfera que se readapta ao clima imposto na história. ‘J’Accuse‘ é um policial sem o assumir, é um filme de tribunal sem o pretender ser e uma cinebiografia sem o desejar“.
Recorde-se que o realizador, com 86 anos, tem vindo a ser alvo de fortes críticas, desde há anos, por acusações, que sistematicamente tem vindo a negar, de violação a uma menor e, mais recentemente, a uma outra mulher ao tempo em que era jovem ainda adolescente. Chegou mesmo a estar preso no seu domicílio e atualmente vive exilado na Suiça.
J’ Accuse de Roman Polanski – trailer
Exibições a ocorrer nos próximos dias:
Braga: 4 e 5 de fevereiro, 14h40, 18h10, 21h20, 00h25 – Cinemas NOS (BragaParque)
Póvoa de Varzim: 6 de fevereiro, 21h45 – Octopus Cineclube (Cine-Teatro Garrett)
Barcelos: 11 de fevereiro, 21h30 – Cineclube ZOOM (Teatro Gil Vicente)
Vila Nova de Famalicão, 27 de fevereiro, 21h45 – Cineclube de Joane (Casa das Artes)
Fontes: Cineclube de Joane, Comunidade Cultura e Arte, Diário de Notícias, Expresso, Octopus, Público, SapoMagazine, Wikipédia, Zoom
**
*
Se chegou até aqui é porque provavelmente aprecia o trabalho que estamos a desenvolver.
A Vila Nova é cidadania e serviço público.
Diário digital generalista de âmbito regional, a Vila Nova é gratuita para os leitores e sempre será.
No entanto, a Vila Nova tem custos, entre os quais se podem referir, de forma não exclusiva, a manutenção e renovação de equipamento, despesas de representação, transportes e telecomunicações, alojamento de páginas na rede, taxas específicas da atividade.
Para lá disso, a Vila Nova pretende pretende produzir e distribuir cada vez mais e melhor informação, com independência e com a diversidade de opiniões própria de uma sociedade aberta.
Se considera válido o trabalho realizado, não deixe de efetuar o seu simbólico contributo sob a forma de donativo através de netbanking ou multibanco. Se é uma empresa ou instituição, o seu contributo pode também ter a forma de publicidade.
NiB: 0065 0922 00017890002 91
IBAN: PT 50 0065 0922 00017890002 91
BIC/SWIFT: BESZ PT PL
*
Pub
Acerca do Autor
Artigos Relacionados
Comente este artigo
Only registered users can comment.