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Hoje mesmo, 8 de agosto, está a ser revelado, em Genebra, pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), mais um relatório especial sobre o ambiente, desta feita sobre as alterações climáticas e o uso do solo, assinala a Zero – Sistema Terrestre Sustentável através de comunicado emitido e assinado por Mafalda Sousa. Este é o segundo relatório especial após a assinatura do Acordo de Paris, tendo sido o primeiro divulgado em outubro do ano passado sobre a possibilidade do aquecimento global se ficar pelos 1,5 graus Celsius em relação à era pré-industrial. Mais ainda, este relatório surge após o relatório recente das Nações Unidas sobre a perda da biodiversidade à escala mundial.
Depois da energia e transportes, a prioridade é o solo
As exigências que estamos a colocar sobre a superfície terrestre são enormes, insustentáveis e, a menos que mudemos rapidamente de rumo, não conseguiremos evitar a crise climática. A maneira como tratamos o solo pode ajudar ou dificultar o clima. Os usos atuais estão a impulsionar a desflorestação, eliminando animais e plantas a um ritmo vertiginoso que acelera o colapso climático. A agricultura industrial e a indústria alimentar são quase tão importantes para as alterações climáticas quanto os combustíveis fósseis, já que cerca de um terço da superfície terrestre do mundo e 75% dos recursos de água doce são dedicados à produção agrícola ou pecuária.
Só práticas agrícolas adequadas que permitam evitar o uso de fertilizantes, a eliminação do desperdício alimentar e uma alimentação equilibrada nos ajudarão a enfrentar os impactos climáticos, quando combinados com a interrupção da desflorestação e a restauração de ecossistemas danificados. Estas mudanças ajudam-nos também a enfrentar os impactos climáticos que não podemos evitar e permite que o solo e as economias sejam mais resistentes a choques climáticos.
Não havendo uma solução milagrosa para a crise climática, mudar o relacionamento com a terra é a única saída para para travar as alterações climáticas, a par de operarmos uma mudança para energias renováveis que mantenha os combustíveis fósseis no solo, descarbonize a sociedade e crie cidades mais eficientes, em particular no que respeita aos modos de transporte.
O relatório especial anterior do IPCC explorou as opções de usarmos soluções não comprovadas para extrair carbono da atmosfera se não reduzirmos as emissões até ao nível necessário em 2030 para limitarmos o aumento da temperatura a 1,5 ºC. Agora, este relatório sobre o uso do solo examina a realidade da implantação dessas tecnologias, nomeadamente as associadas à bioenergia e captura e armazenamento de carbono (designadas por BECCS – bioenergy, carbon capture and storage).
Sabemos que a segurança alimentar está ameaçada se não combatermos as alterações climáticas, exigindo-se uma profunda alteração na forma como fazemos agricultura tornando-a menos industrializada, por forma a cumprir o Acordo de Paris.
Só uma mudança transformacional permitirá atender às necessidades crescentes e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões. É também fundamental preservarmos as florestas (principalmente florestas primárias) que são vitais para o nosso futuro e não esquecer o papel que os povos indígenas e as comunidades locais terão na luta para impedir a rutura climática.
A mudança no uso do solo já provoca um quarto das emissões de origem antropogénica e as próprias alterações climáticas terão impactos muito significativos no solo. De momento, o solo é um “sumidouro” líquido de carbono, mas é possível que a mudança climática possa danificar o solo até ao ponto em que o solo se torne uma fonte líquida de emissões. A gestão sustentável do solo será fundamental para reduzir as emissões e reduzir os impactos das alterações climáticas, existindo muitas opções para uma “mitigação baseada no solo” .
O papel decisivo do solo
O solo e os usos que dele fazemos é uma fonte significativa de gases com efeito de estufa (GEE), representando cerca de 24% do total de emissões humanas – semelhante às emissões produzidas por toda a eletricidade e calor que usamos. Especificamente para o dióxido de carbono, o solo produziu o equivalente a 12% do total de emissões humanas de dióxido de carbono entre 2007 e 2016, a maioria devido à atividade humana, em particular a desflorestação nas zonas tropicais e opções erradas de gestão da floresta. A mudança no uso do solo também emite metano e óxido nitroso, ambos potentes gases de efeito estufa, sendo a agricultura uma fonte importante para ambos. As emissões da agricultura quase duplicaram entre 1961 e 2016 e representam pouco mais da metade das emissões totais de gases de efeito estufa associadas aos solos. A pecuária (66%) e a produção de arroz (24%) são as principais fontes de metano, enquanto cerca de dois terços das emissões de óxido nitroso estão associadas ao uso de fertilizantes e à gestão dos dejetos dos animais.
A terra também absorve gases de efeito estufa, atuando como um “sumidouro de carbono”. De facto, embora a superfície terrestre produza emissões, o balanço líquido é favorável ao solo, retirando-se mais carbono da atmosfera do que aquele que é emitido. Porém, não há garantia de que o uso do solo continue a ser um sumidouro líquido de carbono, uma vez que as alterações climáticas estão a alterar o funcionamento dos sistemas naturais.
Mudar a agricultura
A agricultura é uma das principais causas de degradação do papel do solo como sumidouro. As terras agrícolas ocupam cerca de 38% da superfície terrestre e este valor está a aumentar, com a maior parte da expansão impulsionada pela procura por produtos pecuários que servem para manter um consumo de carne muito superior ao desejado e recomendado. As áreas irrigadas expandiram-se em cerca de 50% ao longo dos últimos cinquenta anos, fazendo com que o consumo de água doce, e em alguns casos a erosão, sejam agora um problema. Um aumento nos sistemas agrícolas industrializados é um dos principais motivos para a desflorestação na Amazónia, criando ainda uma forte pressão sobre os solos. Para além do aumento das áreas agrícolas, a agricultura também se está a tornar mais intensiva – o uso de fertilizantes aumentou em 500% no mesmo período, aumentando ainda mais a poluição e degradação dos solos e dos aquíferos.
Evitar a desflorestação
A desflorestação é outro fator importante. Globalmente, mais de 60% das florestas estão sob alguma forma de uso ou gestão com intervenção humana, incluindo virtualmente todas as florestas boreais temperadas e as do sul. A agricultura comercial e a extração de madeira são os principais fatores de desflorestação e degradação florestal na África, Ásia e América Latina. Cerca de 7% das florestas geridas são plantações intensivas, que possuem stocks de carbono inferiores aos das florestas primárias.
Mudar a alimentação
A maneira como produzimos e consumimos alimentos contribui para muitos problemas ambientais e socioeconómicos, incluindo as alterações climáticas e a degradação dos solos. Mais de 60% da produção agrícola mundial é agora dominada por apenas quatro culturas (milho, arroz, trigo e soja), criando um sistema de produção e comercialização de alimentos altamente dependente do que acontece com estas culturas. O sistema alimentar é criticamente importante para a sociedade humana e profundamente vulnerável a perturbações nos sistemas terrestres e climáticos. O aumento da população e dos rendimentos, a urbanização e as mudanças na dieta estão a aumentar a procura de alimentos, levando a uma expansão das áreas de cultivo intensivo, sem que tenha sido erradicado o flagelo da fome em vastas área do globo.
As emissões do sistema alimentar ocorrem ao longo de toda a cadeia de abastecimento, com a agricultura a produzir a maior parte. A produção de gado produz o maior número de emissões por quilograma de proteína, a que se tem de adicionar a montante as emissões associadas à alimentação dos animais e ao fabrico de fertilizantes e a jusante as emissões de transporte e de refrigeração. Ainda que as dietas ricas em carne de bovinos e ovinos tenham os maiores impactes no ambiente, também os elevados níveis de desperdício de alimentos ao longo da cadeia de abastecimento e ao nível do consumidor contribuem para as emissões de gases de efeito estufa.
As opções possíveis
Se houver sensibilidade política, existem opções de mitigação que podem limitar as alterações climáticas e fornecer co benefícios para o solo, designadamente:
- Travar a deflorestação e plantar mais árvores, incluindo locais para além dos desflorestados, ajuda a diminuir as emissões de dióxido de carbono.
- Efetuar uma melhor gestão agrícola reduz as emissões de metano e óxido nitroso.
- Mudar as dietas também contribuirá para reduções nas emissões de gases de efeito estufa.
Todavia, o recurso às tecnologias de emissão negativa de uso do solo (NET, de negative emission technologies – tecnologias que removem o carbono da atmosfera), que podem incluir florestação, reflorestação, gestão intensificada de terras, culturas bioenergéticas e bioenergia com captura e armazenamento de carbono (BECCS), são suscetíveis de causar efeitos colaterais adversos no meio rural.
Os receios justificam-se pelo facto de, para limitar o aumento da temperatura a 1,5 ou 2 graus, as NET necessitarão de extensões muito significativas de terrenos, o que poderá contribuir para a degradação do solo. Se quisermos limitar a subida da temperatura do planeta a dois graus, as culturas bionenergéticas e o recurso à bioenergia com captura e armazenamento de carbono poderão precisar de uma área de 1500 milhões de hectares de área até 2100 – cerca de 160 vezes o tamanho de Portugal – e competiriam com áreas necessárias para a produção de alimentos.
Mas se quisermos mesmo limitar o aquecimento global a 1,5°C sem ter que implementar estas tecnologias que têm incertezas e impactes significativos, então a abordagem deverá centrar-se na promoção de mudanças comportamentais de larga escala, incluindo comer menos carne e reduzir o desperdício de alimentos, menor intensificação agrícola e mitigação em outros setores relevantes.
Imagens: (0) Peter Gonzalez, (1) Ernesto Velázquez
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