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Estamos no início de um novo ano. É a altura privilegiada para fazermos um balanço das nossas vidas e prepararmos para nossos desafios. Também é a altura em que arrumamos as ornamentações da celebração do Natal. Uma celebração que esteve em risco.
Em 2017, foi lançado o filme “O Homem que Inventou o Natal / The Man Who Invented Christmas“, realizado por Bharat Nalluri.
O filme mostra como o escritor britânico Charles Dickens conjugou a inspiração da vida real com a sua imensa criatividade, de modo a criar a sua mais célebre obra “Um Conto de Natal”, um das obras literárias mais difundidas de sempre.
Na época de Charles Dickens, no século XIX, a celebração de Natal estava claramente em risco. Com efeito, a Revolução Industrial tinha promovido uma transformação económica sem paralelo na História da Humanidade, sobretudo nas sociedades da Europa e da América do Norte, mas à custa de profundas desigualdades sociais e de um aumento avassalador da pobreza e de outras formas de exclusão social.
O trabalho infantil era vulgar. Não existiam sistemas de proteção social. Os direitos individuais e coletivos dos trabalhadores eram uma miragem. Os salários eram baixíssimos. As jornadas de trabalhos eram desumanas e abusivas, chegando a alcançar as 18 horas por dia! Não existiam férias ou dias de descanso.
Neste contexto de clara exploração do ser humano pelo seu semelhante, que ainda persiste em muitas sociedades do nosso mundo, existiam setores religiosos mais conservadores, sobretudo ligados ao protestantismo conservador, que atacavam a celebração do Natal.
Argumentavam que na Bíblia não era mencionado o dia de nascimento de Jesus e que o dia 25 de dezembro era uma celebração pagã. De facto, o dia 25 de dezembro era inicialmente celebrado em Roma como o dies natalis Solis invicti, o dia do nascimento do Sol invicto, a vitória da luz sobre a noite mais longa do ano. Somente a partir do século IV, as comunidades cristãs do Ocidente começaram a celebrar em 25 de dezembro a data de nascimento de Jesus, referido nas Escrituras bíblicas como a Luz do mundo, enquanto na tradição cristã oriental tem prevalecido a data de 6 de Janeiro.
A segunda razão era que estes setores religiosos mais conservadores legitimavam as desigualdades sociais.
O cristianismo conservador, nas suas diversas variantes, enfatizava a temática do pecado original, preconizava que apenas alguns seriam salvos, e pior ainda, que o estado espiritual do ser humano estava diretamente relacionado com a sua riqueza material. Não havia necessidade de solidariedade. Os pobres teriam sido condenados pelos seus próprios pecados. Uma argumentação que faz lembrar as teses de alguns setores do hinduísmo, que consideram que o sistema de castas é legítimo, manipulando de forma grosseira os ensinamentos dos grandes mestres espirituais da Índia.
Ao longo da sua obra, Charles Dickens expôs de forma clara as condições dos pobres e dos excluídos e a exploração da pequena minoria rica que domina(va) a sociedade.
Os leitores de Dickens raramente estão cientes das suas convicções espirituais, profundamente influenciadas pelo cristianismo unitarista.
Já foi referido que o cristianismo conservador destacava o pecado original como caraterística estruturante da condição humana. O cristianismo unitarista enfatizava a noção de virtude humana original. Mesmo Ebenezer Scrooge, o milionário avarento, que parece irredimível, emendou o seu percurso de vida e emergiu como uma pessoa autenticamente transformada.
O cristianismo conservador tendia a considerar Deus como um ser todo poderoso, que vive numa realidade própria chamada Céu, dissociada do universo criado. O juiz supremo e implacável, que premiava os bons e castigava os maus.
Por seu turno, o cristianismo unitarista e o cristianismo progressivo em geral, no qual Dickens se reconhecia, considerava que Deus era o fundamento do Cosmos e da existência, a fonte da Vida e do Amor. A sua essência é o Amor Infinito, da qual emanam todas as formas de amar. É o fundamento da humanidade. Manifesta-se na interioridade e na profundidade do ser humano e da Criação no seu todo.
Uma conceção que tinha sido proclamada por diversos mestres espirituais, mas de uma forma mais estruturante e vibrante por Jesus.
Na perspetiva do unitarismo, que inspirava Dickens, Jesus era e é uma figura elevada, porventura a mais relevante da história espiritual da humanidade. Um modelo exemplar de integridade ética, de vida compassiva e de amor incondicional. Plena e inequivocamente humano. Que pode ser considerado divino no sentido em que a sua vida revelam a divindade e o elevado potencial espiritual inerente em cada ser humano.
Considerando que o Natal era a festividade na qual se celebrava a manifestação do Divino, que se manifestou em Jesus, mas também noutras figuras cimeiras da História espiritual da Humanidade e que pode expressar em cada um de nós, os unitaristas, entre eles Charles Dickens, desenvolveram uma atuação em prol da revalorização do Natal.
E tiveram um claro sucesso. Um sucesso tanto mais expressivo, se tivermos em conta que os unitaristas eram e são uma pequena minoria religiosa, presente sobretudo em países anglo-saxónicos.
Os unitaristas contribuíram fortemente para a difusão da árvore de Natal, que se inspirou no conceito da árvore da vida presente em diversas culturas. Em 1832, Charles Follen, ministro unitarista e professor do Harvard College, colocou uma árvore na sua casa em Cambridge, Massachusetts, e decorou-a. Duas escritoras unitaristas tiveram um papel muito relevante na promoção da árvore de Natal: Harriet Martineau e Catherine Sedgwick.
Alfred Shurtleff, também ele ministro unitarista, foi provavelmente a primeira pessoa a colocar luzes nas janelas e nas árvores no Natal.
Um artista unitarista, Thomas Nast, concebeu a imagem moderna do Pai Natal. Inspirando-se na figura venerável de São Nicolau, o bispo cristão de Myra (atual Demre, na Turquia) e defensor ativo da educação e do bem-estar das crianças, ele concebeu o Pai Natal como uma figura com longas barbas brancas. Ele foi o responsável por colocar a residência do Pai Natal no Pólo Norte e por rodeá-lo de colaboradores duendes.
As comunidades unitaristas dos países anglo-saxónicos promoveram celebrações de Natal, com uma forte dimensão social. Os unitaristas não acreditavam que o Natal fosse o aniversário real de Jesus, mas gostaram da ideia de um feriado especialmente centrado na solidariedade e na família e acharam que uma temporada especial com a prática do amor ao próximo era uma excelente ideia. E começaram a pressionar os poderes públicos para que o Natal fosse considerado feriado.
Em 1870, o Congresso dos Estados Unidos da América aprovou uma lei declarando o Natal como feriado nacional, uma prática que é atualmente seguida pela generalidade dos países do mundo.
O Natal é um momento especial para pensar no nosso próximo, como companheiro de viagem na vida, independentemente da sua condição pessoal e social e das suas crenças. Isto é também salvação. Talvez tenhamos de salvar o Natal de novo, porque muitos de nós parecem ter esquecido que a sua celebração não se trata de consumismo, de abundância para alguns e de salvação para alguns.
O Natal pertence a toda a humanidade. O Natal anuncia a humanidade nova, na qual todos os seres humanos serão capazes de comunicar e de se relacionar de forma fraterna, porque o Divino reside no coração de todos e de cada um de nós como fonte de amor e de liberdade.
Imagem: Jeremiah Gurney
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