Internet: to tube or not to tube?

 

 

A Internet deu à Humanidade uma das mais intensas experiências comunicacionais alguma vez vividas no último século, lavrando terreno para a criação de novas formas de comunicar e transmitir conteúdos digitalmente nos mais variados formatos. Estas inovadoras formas de transmissão de conteúdos e dados, online, — hoje até, por recurso a Smart Phones via Wireless — estiveram, a par de outros fenómenos, relacionados com o comércio electrónico, na génese do que hoje se reconhece como Mercado Digital Online.

Estes fenómenos são reflexo evidente de uma nova realidade cultural e comunicacional que espelha uma nova forma de livre expressão criativa, artística e cultural dos povos na sociedade da informação. Tal estado da arte, elevou o estatuto da Internet a algo quase sacramental, sendo esta um “lugar” onde, em permanência, habita hoje uma comunidade de fervorosos internautas de várias gerações convictos da existência de um profundo sentimento de pertença e de propriedade sobre o Ciberespaço e os conteúdos que tem ajudado a edificar, razão pela qual, se tende a aceitar como válida a tese de que, o acesso à informação Online, On Demand, tem um estatuto de bem essencial fundamental.

Um pouco de História…

Dos últimos 20 anos a esta parte, sempre foi notório o desagrado das indústrias audiovisuais e de comunicação tradicionais sobre o que apelidam de “faroeste digital” na internet, desdém esse que manifestam ao não aceitar a realidade de obsolescência para a qual caminham os seus modelos de negócio, baseados na intermediação. Esta ideia de que o Autor/Artista, poderia atingir um estatuto de autonomia tal que lhe permitisse viver sem a necessária intermediação destes agentes representantes dos “interesses dos Autores” — p.ex. as editoras discográficas, que se tornam quase irrelevantes, dadas as novas formas de colocação à disposição do público no caso dos Autores/Artistas musicais —, colocou-os numa posição de inflexibilidade para negociar soluções viáveis à inclusão da inovação sem que da qual não resultasse mais do que uma mera renovação dos seus interesses monopolistas, algo que, sempre fizeram cavalgando uma tese de defesa dos “interesses dos Autores” contra a autonomia tecnológica e as novas possibilidades criativas que surgem com o primeiro gravador de cassetes VHS.

Ora, este conflito hodierno entre gigantes comunicacionais e gigantes tecnológicos, viria a tornar-se num fenómeno económico global cujo peso dos atores envolvidos consegue fazer com que uma necessidade de kafkiana justiça privatística — para reter Leakes e controlar, por qualquer meio, os dados com valor comercial para estes agentes —, ultrapasse fronteiras e burocracias de qualquer tipo, extravasando-se, até, quando o valor assim o revele necessário, as barreiras geográficas para prosseguir os objetivos do controlo (veja-se o caso Kim.com).

A proposta de uma nova Diretiva Europeia

Pelo Velho Continente, após o Parlamento Europeu ter fechado a porta às negociações do tratado A.C.T.A., era apenas uma questão de tempo até que a temática voltasse a ser trazida à colação. O timing em que estas preocupações surgem na agenda da UE, que propagandeia hoje uma valorização dos dados pessoais na era digital — agora que já quase todos os aspetos da nossa vida privada foram cedidos, voluntariamente, sem que pouco ou nada fosse regulamentado —, é tudo menos inocente.

Esta adaptação do mercado digital às novas formas de comércio tem vindo a concretizar-se, desde 2016, com a anunciada reforma do Mercado Digital Europeu, promovida por J. Claude Junker, a qual, de resto, fazia antecipar, uma necessária reforma dos Direitos de Autor no panorama legislativo da UE, sendo objetivo estruturante da reforma, a optimização e o aproveitamento do valor económico dos dados e dos conteúdos produzidos pela emergente economia digital. Um mero vislumbre sobre os dados relativos à produção de conteúdos digitais permite observar números que se cifram na ordem dos 44 Biliões de GB de conteúdos diariamente produzidos e lançados na internet — cabendo, a título exemplificativo, umas singelas 400 000 horas de vídeo só ao Youtube —, dados que, cremos, serem suficientes para promover uma necessidade de criar soluções atuais e adequadas para a realidade do Mercado Digital Europeu.

Longe estariam de pensar os utilizadores, apesar do histórico de atrito à mudança, que uma proposta legislativa europeia pudesse, sequer, ser pensada nos moldes em que se apresentara para muito provável aprovação e em si consagrara, como solução legal para os problemas Jus-Autorais no Sec. XIX, a possível clausura de mercado e o anúncio da limitação da liberdade de expressão dos utilizadores no espaço digital europeu. Cremos que, o momento legislativo em que se alia à preocupação com os Direitos dos dados dos cidadãos, estas alterações legislativas, se apresenta — qual cavalo de Tróia — como o formato escolhido para prosseguir com um necessário enfraquecimento das gigantes tecnológicas, sempre, teoricamente, em prol de um mercado concorrencial saudável, como se uma necessidade de modificar o estado de coisas, mesmo que tal venha a resultar na proteção dos clássicos e bafientos “interesses dos Autores”, em detrimento da realidade atual dos mercados digitais fosse o caminho necessário.

Uma breve análise dos já célebres Arts. 11º e 13º, os quais, juntamente com outras normas menos referidas (art.º 3º,  5º e 6º), visam limitar a divulgação de conteúdos informativos (à semelhança do moribundo linktax alemão), ou mesmo a responsabilização das plataformas de hospedagem pela não monitorização e filtragem de conteúdos, apresentam evidentes sinais de uma instrumentalização dos Direitos de Autor como forma de inverter a lógica de exceção de responsabilidade de que beneficiavam os prestadores de serviços de Internet por força da Diretiva E-Commerce (Safe Harbour). No entanto, o real problema de daqui respalda continua  a ser a dúvida sobre quais os reais danos colaterais que indubitavelmente afetarão a economia digital europeia, com a adopção de tais medidas. Se, por um lado, os utilizadores passarão apenas a ter acesso a conteúdos pré-controlados/filtrados — mediante uma previsível instituição de PayWalls —, custearão por outro, em última ratio, a manutenção deste novo sistema de protecionismo, algo corporativista, reduzindo-se quantitativa e qualitativamente os conteúdos digitais disponíveis. Consequência natural será a busca de serviços alternativos em localizações geográficas extracomunitárias, já que acreditamos que dificilmente abdicarão os utilizadores do acesso aos conteúdos de que necessitem, nos moldes em que a praxis dos últimos 20 anos já consolidou. Outro efeito colateral poderá passar por um necessário e possível abandono do Mercado Digital Europeu por parte de serviços como o Youtube ou o Google Images, em função de uma restruturação legitima, baseada num insustentável custo para obtenção de tão mirrado benefício.

Algures pelo meio, ficarão os aspirantes a Autores/Artistas/Produtores de conteúdos no meio digital, para os quais não vimos ainda plasmado no texto nenhuma garantia de exceção adequada, mas apenas uns comunicados dos representantes da UE sobre a manutenção da liberdade de expressão no espaço europeu ser uma premissa irredutível dos desígnios da União. Tal desiderato não cumpre com a necessidade garantística de que os efeitos de um “filtro”, baseado nos ditames da Diretiva, seja verdadeiramente capaz de distinguir uma paródia de um discurso discriminatório ou lesivo dos Direitos de qualquer Autor, nunca prejudicando casuisticamente, o utilizador independentemente da sua dimensão. Entendemos, salvo melhor opinião, que bem andaria a UE se emendasse ao texto da presente Diretiva uma justa exceção ou limite à aplicação de filtros baseado na dimensão lesiva do fenómeno casuisticamente analisado— em vez de um abordagem “Photoshop” ao corpo normativo já redigido—, que computasse a análise do impacto previsível do dano em face do alcance e impacto do conteúdo produzido: falando-se aqui de um juízo de ponderação imanente ao avaliador em vez de uma mera imposição legal indiscriminada. Aliado a isto, uma abordagem de aplicação de taxas especiais de audiovisual às empresas de telecomunicações, que permitem o acesso Internet a todos os agentes do mercado digital, figuraria, sem dúvida como uma medida de justo contributo para a remuneração dos Autores/Artistas sobre os quais todos, certamente, concordariam.

O avançar das discussões e a não alteração da rigidez do corpo normativo, à data, faz transparecer a verdadeira face negra da guerra concorrencial do mercado audiovisual e dos seus velhos e, não tão novos agentes, que parece quererem fazer com que a UE dos Direitos Sociais se curve perante o capitalismo, esquecendo assim os interesses daqueles que fazem do Mercado Digital Europeu e da Internet, o espaço económico de relevo que é.

Será, In Dubio Non Tube, o brocardo adequado para a Internet Europeia de 2019?

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Para acompanhar o estado dos trabalhos legislativos: https://juliareda.eu/eu-copyright-reform/

(1). Adaptação do brocardo Shakespeariano da obra Hamlet.

Imagem: DR

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