Parece que isto da assembleia se torna mais interessante quanto mais pequeno for o órgão de poder local. A Assembleia da República é castiça, porque às vezes são levadas a debate certas coisas, tipo a religião e assim, escutas e inquéritos. Fui fazer uma visita à Assembleia Municipal e percebi que os assuntos nacionais, tratados pelos senhores grandes do Governo, são discutidos no salão nobre de uma Câmara Municipal em que os votos são dados em forma de coreografia – digamos que os líderes das bancadas são uma espécie de Marco de Camillis do Município. Mas, obviamente, desconhecia, até agora, onde se encontrava a verdadeira paixão política; e ela está na Assembleia da Junta de Freguesia.
Cheguei uns dois minutos atrasada e não sabia se me podia sentar em qualquer lugar. No Município, aquilo está muito bem dividido, de forma que avancei a medo. Alguém me fez sinal e me explicou que, quem quer assistir, basta entrar lá na salinha e sentar-se sem qualquer problema. Havia um senhor, lá na mesa, em cima, a falar e a ler um diálogo qualquer. “Ele disse”, “Depois ele respondeu”, “Usou de ironia”… Palavras proferidas por aquele contador de histórias. Mais tarde percebi que se tratava da leitura da Acta da Assembleia anterior. Eu não sei quanto tempo o senhor contou a sua história, mas na minha cabeça demorou mais ou menos quatro horas e meia. Eu vi, com estes olhinhos que a Terra há-de comer, gente a dormitar, um pestanejar demorado durante aquela leitura. Na mesa, tinha um senhor que perguntou se havia alguma coisa contra todo aquele relambório acabado de ler. E começa aqui a minha aventura pela Assembleia da Junta de Freguesia.
Foram quase três horas do melhor espectáculo político de sempre!
Eu não vivo nesta freguesia, por isso, das poucas vezes que se falou de assuntos que levassem ao progresso de um local, da Rua Nossa Senhora Conceição e da Travessa disto e daquilo, da obra num terreno que não se sabe ser público ou privado e do estacionamento que beneficiava os bancários, eu não fazia mais a pálida ideia do que se estava a passar. Em boa verdade, também não precisava, porque seguramente mais de metade do espectáculo a que fui assistir foram trocas de galhardetes.
O contexto é o seguinte: Houve, alegadamente, gestão danosa por parte dos antigos membros da Junta de Freguesia. E, alegadamente, essa mesma gestão danosa está a ser solucionada pelos actuais membros. Pelo que percebi, este assunto andou pelos tribunais e tudo, uma coisa à Operação Marquês mesmo! Um assunto importante! É verdade, até podemos dizer do interesse publico. Senhores, perdoem-me, mas há falácias de argumentação nas duas partes. Nenhuma das partes no meio de um sem número de acusações tomou consciência e pensou “Já chega! Vamos lá falar da nossa freguesia.” Nenhuma o fez, nem de uma cor nem da outra. O acusado explodia de nervos, o outro ria, obviamente levantando discórdia e provocando ainda mais a reacção explosiva.
No meio disto tudo estava o Bino. Foi assim que mo descreveram. Penso ser o Presidente da Mesa, salvo erro. O Bino (peço desculpa o abuso) é o desgraçado que tentava manter a ordem apelando à calma de cada vez que havia uma explosão – o que basicamente estava sempre a acontecer. Ora vai que pedia ao Presidente para falar sem ironias, ora vai que pedia à oposição para se acalmar, ora pedia brevidade nas palavras, ora tomava pulso aos assuntos. A dada altura apeteceu-me levantar, mandar calar os meninos do infantário e abraçar aquele senhor que tanta dificuldade teve em tentar dignificar o que já tinha perdido a dignidade desde o primeiro minuto. Atrás da mesa estava o retrato do Excelentíssimo Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa. Pois eu acho que quem merecia o lugar de destaque era o Bino!
Não existe ironia no meu discurso. No fim daquelas quase três horas, fiquei com a sensação que deviam todos dedicar-se às suas profissões e deixar o Bino, seja lá quem for esta pessoa, falar em paz. Porque, claramente, nenhuma das pessoas que falou durante aquela assembleia, e repito nenhuma, teve o discernimento de rematar assuntos com longevidade de mais de cinco anos, não se pouparam a incêndios emocionais e provocações. Mas o Bino esforçou-se!
Seja o quanto for que este senhor ganha, se é que ganha alguma coisa, é pouco!
O Bino bem que tentava acalmar os ânimos, mas nem o seu vizinho do lado, o contador de histórias, facilitou neste processo. Lá teve que lançar mais uma fagulha que levou a umas maiores fagulhas da oposição. E o Presidente ironizava e batia com as mãos na mesa e a oposição ardia e levantava-se para ser ouvida e as pessoas cá atrás cochichavam. E lá estava o Bino… Oh Bino!
A dada altura, no fim da luta livre a que estava a assistir, acaba a ordem de trabalhos e dá-se lugar ao público para tecer os seus comentários. E então cheguei à conclusão que o problema, na volta, está mesmo nos lutadores de luta livre que se perderam a caminho do recinto e por engano foram ter à Junta de Freguesia. Isto porque os habitantes – e o Bino – vivem a sua freguesia, lutam pela sua freguesia e senti que tinham vergonha de toda aquela situação. E não está em causa a veracidade dos factos, mas sim o rumo das discussões. Um dos, digamos que deputados, antes que sobrasse para ele, disse “há coisas que se passaram há muitos anos e eu nem estava aqui”.
Toda a celeuma dos dinheiros dados ao clube desportivo da terra levou à repetição, sem fim, da acta anterior. naquele ponto e até mesmo à visita do antigo tesoureiro do grupo desportivo. Quem deu mais? Este ou o anterior? Mas foi um valor constante? Não foi porquê? Eu nem sabia da importância do clube no mundo do futebol, mas a julgar pela amplitude do tema os gajos são bons… São!? Não sei… Alguém depois me explica! Escusado será dizer que, entre risos e explosões, foi mais um momento mágico a recordar.
Ouviu-se de tudo… Até da conduta de uma tal senhora que vive numa casa que teve quatro maridos, mas que segundo o senhor “Aquilo nem são maridos nem são nada!”. E lá continuava o Bino a tentar manter a seriedade daquela intervenção.
O Bino, no auge da sua elegância, para não parecer indelicado perante as intervenções, dizia coisas como “Eu peço desculpa estar a acelerar, mas de facto temos de terminar esta sessão”. Ou até, quando não havia resposta, dizia: “Talvez possamos ouvir a justificação…”. Fazia uma coisa maravilhosa a que poucos darão o devido valor, que é tratar as pessoas pelo nome.
O melhor que vi foi de um senhor que se encontrava na plateia e referiu que “As discussões são importantes, bem como a oposição e todos os intervenientes políticos, mas nunca isso pode impedir o progresso”. O Bino deu tempo de antena suficiente para que este comentário fosse ouvido e foi o melhor que se ouviu nestas horas!
Uma vez por outra lá se falou de assuntos relevantes, um deles até foi levado a sério e tudo. Sim, sim… Estou a falar verdade! É inegável que vivi uma experiência com muito mais intensidade política no seio de uma freguesia do que a que havia vivido no Município.
Quando vivemos numa sociedade em que destacamos alguém pelo simples facto de ser normal, algo vai mal neste mundo.
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O meu recadinho pessoal
No rescaldo da assembleia, já cá fora, comentei que os políticos, sobretudo nos poderes locais, devem ter em atenção às reacções que provocam. Que, na minha modéstia opinião, não devem descurar de dizer a sua perspectiva, mas nunca esquecendo que são figuras nas quais os habitantes (neste caso de uma freguesia) lhes confiaram o voto, pelo que devem evitar instigar discórdia, ainda que muitas vezes o façam de forma impulsiva e sem ter essa percepção. No meio do meu discurso fui inquirida se sugeria que as pessoas a exercer cargos fossem “manhosas”. Eu disse que não e obtive uma resposta surpreendente(?): “Mas os políticos são assim.” Não são! O que a política pretende alcançar pela acção dos políticos, em cada situação, são as prioridades do grupo. E não temos que pensar o que os outros pensam, porque a essência da política não é negativa.
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Ainda penso no Bino!
O baluarte, de uma Assembleia terminar sem estampas na comunicação. É levá-lo para presidente leonino!