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Portugal assumiu levar a cabo um conjunto de políticas e de ações de forma a combater todas as formas de discriminação e de violência com base no género, tendo por base o esforço conjunto dos líderes mundiais, que adotaram, em 2015, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Tal agenda tem por objetivo promover políticas que permitam combater problemas verdadeiramente globais como: o acesso equitativo à educação e a serviços de saúde de qualidade; a criação de emprego digno; a sustentabilidade energética e ambiental; a conservação e gestão dos oceanos; a promoção de instituições eficazes e de sociedades estáveis e o combate à desigualdade a todos os níveis. Portanto, foi exatamente neste último ponto que a participação de Portugal foi mais importante e, como tal, todas as formações e políticas educativas atuais, fazem parte de um plano nacional que permita promover e desenvolver uma educação e uma sociedade mais pacífica e inclusiva e, em concreto, permita erradicar todas as formas de discriminação e de violência com base no género.
Ora, no trabalho realizado em contexto escolar, quer na fase de diagnóstico, quer na fase do plano de intervenção, teve-se sempre em atenção o objetivo 5 da Agenda da ONU, Alcançar a igualdade de género e empoderar todas as mulheres e raparigas. Para o efeito, na atividade de diagnóstico procurou-se, como o artigo anterior faz referência, explorar a temática da desigualdade de género a partir de várias situações em que estivesse patente a desigualdade de género a nível profissional, relacional (violência no namoro) e nas tarefas domésticas. Em todas as situações criadas foi, desde logo, sentido pelos atores envolvidos que a desigualdade de género, não sendo tão acentuada como no passado, continua uma realidade presente na maior parte das famílias portuguesas e na sociedade e que a escola, juntamente com as autarquias e outras instituições, têm feito um esforço para combater e desconstruir práticas banalizadas de desigualdade de género, combater estereótipos relacionados e promover uma reflexão crítica contra imagens naturalizadas sobre papéis de género.
Contudo, após fase de diagnóstico e selecionado o item de trabalho para o plano de intervenção, desigualdade de género nas tarefas domésticas, foi sentido por todos que muita havia ainda a fazer, que o esforço tem que ser de todos e de cada um em concreto, que as famílias nem sempre educam no sentido da igualdade e que, por via disso, são cada vez mais os casos em que são os filhos que educam a família e não o contrário. A evidência de tais conclusões é corroborada pelos diários de bordo elaborados, tendo por base a dinamização de um roleplay onde se trabalhou as diferenças de género na repartição das tarefas domésticas.
«Querido diário, hoje participei numa atividade em que assumi o papel de uma esposa de 35 anos, com dois filhos, um no 1º ano do 1º ciclo e outro de 8 meses. Encarnei a personagem como se de mim se tratasse. Chego a casa às 20h, com os meninos, depois de um dia de trabalho, extremamente cansativo. O meu marido já está em casa desde as 19h, sentado no sofá a ler o jornal, a aguardar o meu regresso. É preciso dar banho ao menino mais novo, fazer o jantar e orientar o mais velho nos trabalhos de casa. O meu marido diz-se cansado do trabalho, por isso nada faz em casa. Até parece que os filhos não são dele, que não come, que não suja, que não vive aqui. Começo a ficar farta da desculpa do trabalho. Diz-se cansado. E então eu, também não trabalho? Julga que sou uma criada dele? Uma escrava? De início era meigo. Que sim, queria ter muitos filhos e que colaborava. Agora nada faz. Apresenta sempre a mesma desculpa. Querido diário, esta personagem pareço eu no futuro e isso assusta-me. Gostei do papel que desempenhei, embora me tenha sentido frustrada porque isso acontece muito e não devia acontecer. Afinal, o sexo não importa para fazer certas tarefas.»
«Querido diário, apesar de ser uma mulher, tive de assumir a personagem de um homem. A tarefa não foi fácil. Tive que olhar para o meu avô e um bocado para o meu pai, para representar o melhor possível esta personagem. Trasvesti-me e assim foi. Esta mulher está sempre a queixar-se. Que os filhos, o jantar, o fazer a cama, que também trabalha e isto e aquilo. De onde julga ela que vem o dinheiro para esta casa. Trabalho que me farto na empresa. Nem sempre chego cedo como hoje cheguei. Uma coisa é certa, chego sempre cansado. O trabalho é extenuante. Cuidar dos filhos? Mas então não é ela a mulher? Não foi ela que cuidou deles quando esteve de licença de maternidade? Não é para isto que ela foi educada? Querido diário, afinal até foi fácil, parecia que me estava a vingar. Deu-me gozo representar o papel de mau. É pena é que a vítima sejamos sempre nós, as mulheres. Por isso, afinal o gozo que tive foi triste»
«Querido diário, hoje participei numa atividade em que representei um irmão que nada faz em casa. E assim foi. É sábado e os meus pais não estão em casa. Antes de saírem ordenaram que eu e a minha irmã arrumássemos os nossos quartos, a casa-de-banho e preparássemos o almoço, para os quatro. Por que razão tenho que fazer tudo o que a minha irmã faz. Afinal, o meu pai também não faz grande coisa. Estou no quarto a jogar playstation e a minha irmã a chatear-me a cabeça para a ajudar a fazer o almoço. Ela que o faça, afinal cozinha melhor que eu e é mulher. Querido diário, apesar de ser homem não me revejo neste papel. Julgo que faço mais do que esta personagem que me mandaram representar. A tradição não pode justificar tudo, nem é argumento que se use. Os que assim falam não acompanham a evolução.»
«Querido diário, hoje participei numa atividade em que sou uma irmã que tem um irmão que nada quer fazer. A circunstância é a mesma. É sábado e os pais não estão em casa. Antes de saírem ordenaram que eu e o meu irmão arrumássemos os nossos quartos e a casa-de-banho e preparássemos o almoço, para os quatro. Eu já arrumei o meu quarto e as minhas roupas na casa-de-banho e o meu irmão continua no quarto a jogar e ainda não fez nada. Quem julga que ele é? Não sou criada dele, nem é meu pai. Aliás, o meu pai também deve fazer as coisas dele. Portanto, o meu irmão se quiser comer que venha ajudar, senão não come. Estou farta deste machismo, deste abuso. Vem-me falar da tradição que o pai também não fazia nada na idade dele. Pois, pois, mas a tradição já não é o que é. Para isso existe a evolução e a mudança. Portanto, se quiser comer que venha cozinhar. Se julga que arrumo a porcaria que deixou na casa de banho, está muito enganado. Que limpe a sujidade dele, que eu limpo e arrumo as minhas coisas. Querido diário, adorei o papel que representei. Apetecia-me ir às fuças do meu falso irmão, apesar de na realidade ser filha única. Porra, tem de haver igualdade de género nesta e noutras questões. Afinal, eu não sei cozinhar tão bem como isso, nem sei cozer um botão e faço mal a minha cama. Mas se tiver que o fazer faço e ponto final. Somos nós, a nova geração, que tem que mudar isso.»
Para terminar, na aplicação do plano de intervenção, nomeadamente nos momentos do roleplay e de partilha de opiniões, foi manifesta a necessidade de falar, de discutir, de partilhar e de exteriorizar situações de desigualdade de género que ainda ocorrem, neste e noutros domínios, assumindo-se que, no que às tarefas domésticas diz respeito, tem que haver responsabilidade partilhada dentro do lar e da família. Afinal, a natural diferença de sexo não pode justificar uma desigualdade de género que é exclusivamente cultural e, obviamente injusta.
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Imagem de destaque: Tarefas (Maria Pimentel; ilustração).
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