Pedro Passos Coelho concita ódios e estimações. Poder-se-á até acrescentar que suscita também a estimação de ódios e ódios de estimação.
Quanto à estimação, de gosto e apreciação, não há muito a dizer. Para os indefetíveis do Partido Social Democrata, Pedro Passos Coelho será sempre um dos seus ex-líderes, pelo que tanto é motivo suficiente para ser admirado e considerado.
Conheço, isto é, ouço falar em Passos Coelho desde o tempo da minha adolescência, vivida durante a década de ’80. Os tempos eram bem diferentes dos de hoje. O ambiente político e a forma como toda a gente vivia a política por essa época eram outros. A revolução, ocorrida poucos anos antes, fazia com que a agenda e a vida política fossem ainda muito inflamadas. Todos tinham opinião sobre tudo e sobre nada. Sucediam-se, umas atrás das outras, frequentes manifestações, greves e disputas políticas muito acaloradas.
Recordo-me bem dele e da sua forma de estar. Era um jovem seguro, convicto, cheio de galhardia e que defendia as suas convicções com unhas e dentes, mas de forma serena. Considerava também a sua forma de estar respeitadora das regras democráticas e dos adversários políticos com quem se batia. Sempre pensei que, mais cedo ou mais tarde, viria a ser líder do Partido Social Democrata, logo um muito provável futuro primeiro-ministro, o que viria a acontecer quando as fragilidades de um outro gigante político – José Sócrates – se tornaram indesmentíveis. Bem ou mal, governou Portugal de acordo com as ideias e os valores que lhe eram e são subjacentes e através de um Governo para que foi nomeado pela maioria dos portugueses.
No entanto, os últimos anos em que desempenhou o cargo de Primeiro-Ministro acirraram, em especial, os ódios, mesmo entre aqueles que, sendo simpatizantes do PSD, de modo algum apreciaram o seu afastamento da via social-democrata e a viragem política para uma direita neoliberal, logo mais adequada e consentânea com o Partido Popular, do que com a história do PSD, a tal ponto que entre ambos as diferenças se tornaram manifestamente irrisórias e desprovidas de significado político.
Desses anos negros, de profunda crise, não valerá a pena, por ora, enunciar as desgraças em que muitas famílias portuguesas se afundaram; nem se lhe pode atribuir responsabilidade exclusiva por muito que pensemos que as suas práticas políticas foram inadequadas. Os eventos são ainda recentes e a memória, apesar de curta, permanece na forma como (quase) todos nós vivemos. Se é certo que a responsabilidade direta desta crise não tinha sido sua, não é menos certo que a crise foi precipitada também pelo discurso de Pedro Passos Coelho e do seu PSD contra o Governo socialista de então, tendo em vista uma mais apressada chegada ao poder pelo próprio e pelo partido que dirigia, muito mais do que a verdadeira preocupação pelo destino dos portugueses nos anos que se lhe seguiram.
Durante o período sombrio daquela conjuntura, foram muitas as infelizes e deprimentes declarações de Passos Coelho. Não porque, às vezes, até nem fizessem algum sentido, mas porque o modo como as efetuava instigavam ondas de choque em sentido contrário ao das suas eventuais intenções.
Porque o rol seria demasiado extenso, lembramos apenas duas, por sinal relacionadas com o sistema de ensino, que indignaram gente de todas as classes sociais e grupos etários e que muito contribuiriam para o declínio da sua popularidade e do seu Governo.
Apesar de, posteriormente, Pedro Passos Coelho ter tentado rebater o argumento de que não incentivava a emigração, por exemplo, afirmando que “Há uns quantos mitos urbanos: um deles é o de que incentivei os jovens a emigrar.” , a verdade é que nunca mais conseguiria, nem provavelmente alguma vez conseguirá, fazer o povo pensar de outra forma em relação ao teor daquilo que ficou dito, sobretudo porque não eram já as primeiras provenientes do seu Governo com semelhante conteúdo. Contudo, o primeiro-ministro era Passos Coelho e as suas palavras tinham um peso muito superior às dos demais.
Ora, segundo noticiou o Jornal de Negócios, no passado dia 2, pouco tempo ainda decorrido sobre a data em que deixou de ser presidente do seu partido – recorde-se que Rui Rio o substituiu em 16 de fevereiro último -, Pedro Passos Coelho vai dar aulas nas áreas de Administração Pública e Economia, isto é, na prática vai ser professor, docente, atividade para a qual desde sempre têm sido exigidas habilitações específicas para o seu exercício ou, em casos excecionais, devidamente justificados, pública atividade considerada relevante para a prática concreta da profissão.
Mais, ficamos também a saber que irá exercer essas funções, no próximo ano letivo – 2018-2019 -, que apenas se inicia a 1 de setembro, numa universidade pública, o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade de Lisboa, embora as notícias conhecidas refiram que o fará ainda em duas outras instituições do ensino superior. Acrescente-se que as universidades públicas se encontram também entre as grandes vítimas da política “para além da troika” em vigor durante o seu Governo.
Adite-se ainda que, no exercício das suas futuras funções, o ex-primeiro-ministro irá auferir uma remuneração, variável, mas proporcional à carga horária que lhe for atribuída, na qualidade de professor catedrático convidado, o que, conforme o escalão em que seja colocado, terá como referência valores que se situam entre os cerca de 4600,00€ e os 5400,00€ brutos. É de todos conhecido como é difícil atingir este estatuto, mormente após todos os cortes e limitações instituídas nas carreiras profissionais da Função Pública, quaisquer que elas sejam e, em particular ainda, com a agravante de ter sido o próprio Pedro Passos Coelho, não o congelador das ditas carreiras, mas o termóstato que ainda as reduziu em real valor e prolongou sobremaneira as regras impeditivas à progressão nas mesmas; e pretendia adiar ainda mais qualquer possibilidade de a situação ser alterada em tempos aceitáveis para a generalidade dos funcionários públicos. Refira-se também, por outro lado, que há muito também quem defenda que estas progressões nas carreiras universitárias também são alheias ao verdadeiro mérito.
Pelo exposto, não surpreende, por isso, de certo modo, a animosidade que ora veio a público, enchendo páginas de publicações periódicas e inflamando as redes sociais. Salientam-se, sobremodo, as declarações de professores universitários de reconhecido prestígio profissional, seus futuros colegas, e um grupo de alunos do ISCSP que fizeram mesmo um abaixo-assinado contra a nomeação, embora também já haja um grupo a seu favor.
Quem ouve toda esta gente falar e pronunciar-se desta forma contra Pedro Passos Coelho, no meu entender, fá-lo mais por oposição ao caráter da personagem e às ideias que defende do que por oposição ao seu potencial e real valor como putativo professor universitário.
Políticos com o passado de Pedro Passos Coelho, mesmo se contratado por amigos ou correlegionários políticos, como é o caso de Manuel Meirinho, ainda que não isentos de mácula pela forma como atuou enquanto dirigente político nacional – seria de todo impossível agradar a gregos e a troianos – nem pela forma como viveu de expedientes – caso da Tecnoforma, este sim, em meu entender, passível de bem mais graves acusações -, são merecedores de crédito para o exercício de qualquer cargo de natureza superior, seja ele professor universitário, administrador de empresas ou quadro superior de uma qualquer instituição internacional de relevo. Tão só lhe deve ser exigido um período sabático, de afastamento, e uma distanciação efetiva de entidades sobre as quais tenha tomado decisões que lhes tivessem sido favoráveis, em especial quando de tais favores resultem benefícios financeiros.
Neste caso, ambos os pressupostos se encontram reunidos. Pedro Passos Coelho irá vencer um período de férias – no recato da sua casa, na solidão do deserto ou no anonimato de uma megalópole – que só terminará em setembro, período de férias bem merecido, diga-se, pois viveu uma série de anos atribulados, quer na vida política quer na vida pessoal. Para além disso, Pedro Passos Coelho poderia ter utilizado todo o manancial informativo de que dispõe para ir trabalhar para um desses grandes bancos mundiais ou empresas multinacionais que marionetam o mundo, mas não o fez. Pelo contrário, irá exercer uma atividade muito digna, a de professor, universitário no caso em apreço, tendo a oportunidade de passar o seu testemunho, os conhecimentos e saberes acumulados, as relações estabelecidas, a um conjunto de mais ou menos jovens que, em alguns casos, virão certamente também a liderar o futuro do nosso país.
Assim sendo, pois que goze entretanto as merecidas férias e, no final, ingresse no exercício da atividade profissional a que resolveu dedicar-se sem constrangimentos de natureza pouco ortodoxa ou antidemocrática.