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Kon-kon: ler as Cartas da tia-que-vive-na-selva

2017 foi um ano especialmente importante para a famalicense Isabel Fernandes. Estando a meio da terceira missão em países africanos, decidiu celebrar o seu trigésimo aniversário com a publicação do seu primeiro livro: Cartas da tia-que-vive-na-selva. Cartas da tia, porque os trinta textos que o compõem são dirigidos ao sobrinho, Afonso, sobre as aventuras vividas pela autora; da selva, porque é a expressão criada pelo Afonso para se referir à tia que está atualmente na Guiné-Bissau, a cumprir no terreno um projeto da AMI dedicado à saúde comunitária em Quinara.

O atual projeto é na área da saúde materno-infantil e visa ampliar a disponibilidade de serviços de saúde de proximidade a grávidas e crianças menores de 5 anos. Mas em 2009, Isabel já havia cumprido dois meses de voluntariado em Moçambique e em 2011, no mesmo país, coordenou durante um ano o projeto da ATACA – Associação de Tutores e Amigos da Criança Africana – que visava apoiar crianças e famílias em situação de pobreza extrema. O seu espírito de entrega e voluntariado valeu-lhe o prémio europeu de Melhor Voluntário em 2012, entregue pela Active Citizens of Europe Awards.

Quando partiu pela terceira vez em novembro de 2016, levava um enorme entusiasmo e apenas uma mágoa: ficar tão longe do sobrinho que ainda não tinha completado dois anos de idade. Começou, por isso, a publicar na sua página de Facebook textos sob a forma de cartas dirigidas ao Afonso, com uma descrição apaixonada do que lhe ia acontecendo no dia-a-dia guineense. Passar das redes sociais para o formato livro foi motivado pela ideia de que a literatura ainda é capaz de cumprir um papel especial: o de aproximar pessoas e culturas – ideia fundamental para o pensamento, entre outros, do filósofo Richard Rorty.1 Ler sobre o Outro, sobre aqueles que vivem, apesar de todas as similitudes do mundo globalizado, de um modo diferente do nosso, leva-nos a aprender mais sobre as múltiplas formas de se ser humano. E também nos faz viver mais, viver e ser outras coisas que não vivemos e não fomos mas que podemos experimentar com a literatura. Como diz a escritora espanhola Rosa Montero:

“Tenho pena das pessoas que não leem. Não por serem mais incultas, apesar de o serem; não por terem o cérebro com menos luzes, o que também é verdade; não por serem menos livres, o que também são porque a leitura dá-nos conhecimento e liberdade. Tudo isso é verdade. Mas tenho pena porque vivem menos. Ler multiplica a vida por mil.”2

Com aquele objetivo em mente, as Cartas da tia-que-vive-na-selva são, então, para toda a família – Isabel Fernandes não quis escrever um livro infantil (embora a publicação contenha desenhos guineenses que os leitores mais jovens podem colorir), mas um livro que pudesse ser lido por todas as gerações.

E o que podemos dizer dele? Que, acima de tudo, cria pontes: entre o mundo ocidental tal como nós o conhecemos e um país que, tendo feito parte do território português até 1974, é, provavelmente, aquele que mais desconhecemos dos países da lusofonia. Cria pontes com uma cultura onde praticamente não se fala português (cf. «Armon di amanhá») e a diversidade religiosa é muito maior do que a nossa (cf. «Um mês especial por cá»); onde usar os meios de transporte públicos é sempre uma aventura (cf. «Uma noite ao luar…com as cabras!» ou «Nas viagens por cá, nunca viajas só») e a castanha de caju é a sua maior riqueza («A castanha de caju é o ouro da Guiné-Bissau»); e onde ainda há tesouros por descobrir (cf. «O hipopótamo (da t-shirt) mandou-te um beijinho!»). Também podemos simplesmente confirmar que o futebol é tão importante lá como aqui, que o Cristiano Ronaldo é um ídolo em qualquer parte do mundo (cf. «Todos querem ser o melhor do mundo») e que as camisolas do Benfica abundam (cf. «O que conta é o que está no coração»). Criamos pontes com uma cultura que, sem o conforto do mundo ocidental (cf. «Eu cá encontrei luz!» e «E se a água não caísse?») nos supera no reconhecimento dos outros como parte da comunidade (cf. «Presentes especiais») e na dádiva fácil a todos, mesmo que desconhecidos (cf. «Sabes o que é o Macaré?»).

Cartas-da-tia-que-vive-na-selva mostra que temos mais a aprender do que a ensinar

Quando convidei a autora para participar numa atividade sobre voluntariado, que teve lugar em 2010 na Escola Cooperativa Vale S. Cosme, falamos sobre o perigo de as ações de voluntariado se transformarem em formas de culturalização europeia ou ocidental – afinal, as pessoas transportam inevitavelmente consigo a sua cultura e o esforço de nos libertarmos dos padrões que nos são familiares não é fácil. As Cartas da tia-que-vive-na-selva revelam essa dupla dimensão: se nunca conseguimos abandonar a nossa perspetiva cultural, a nossa forma de ver o mundo, ainda assim não estamos impossibilitados de fazer o esforço de nos libertarmos dessa herança e respeitar a outra cultura sem sucumbir à tentação de uniformização (tão típica do modelo social atual e que quer envolver todas as culturas na mesma interpretação unidirecional do progresso). Mais do que isso, estes textos mostram-nos que temos muito mais a aprender do que a ensinar:

“Passado algum tempo, algumas crianças chegaram com uma travessa do prato típico de cá: caldo de mancarra. Pouco depois, chega um dos homens que nos tinham recebido junto da comunidade com outra travessa de arroz com peixe. Ficamos sem palavras: não tínhamos pedido nada e trouxeram o que tinham de melhor como forma de agradecimento por estarmos lá! (…) Por cá, não podes mesmo rejeitar o que te oferecem de coração.” [«Sabes o que é o macaré?»]

Esta janela-de-partilha, resultando de uma paixão pelo continente africano que Isabel reconhece como inexplicável, permite-nos aprender tudo isso, vivendo um pouco da sua experiência e muito da sua paixão.

Kon-kon Isabel, esperamos o próximo!

Vila Nova - Famalicão Online | Patrícia Fernandes - Isabel Fernandes. Kon-Kon Cartas da tia-que-vive-na-selva

 


1 Richard Rorty, Contingência, Ironia e Solidariedade, 1989.

2 Rosa Montero em entrevista a Paula Moura Pinheiro (Programa Câmara Clara, 3 de novembro de 2006).


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