Não sei precisar exatamente quando dei pela existência da página Avifauna do Parque da Devesa – Observação e Registo, mas merece um especial destaque em VILA NOVA Online.
Sendo o Parque da Devesa um dos ex-libris da cidade e do concelho de Vila Nova de Famalicão, sem qualquer dúvida o seu espaço “natural” é uma referência para todos os cidadãos e turistas que nos visitam. No meu caso, em particular, o Parque é, não apenas uma referência, mas um quase-centro de vida. Dou com ele ao acordar, acompanho todas as suas mudanças de cor, luz, som, ao longo de boa parte dos dias e das estações, caminho nele com relativa frequência, aproveito diversas das atividades nele organizadas, não adormeço sem olhar para ele.
Certo-certo é que, a dado passo, aquela página do facebook me apareceu e desde logo fiquei de olho nela. Por várias razões. Desde logo, porque a avifauna sempre me interessou desde criança – comecei pelos pombos e pelas rolas, mais tarde foram os periquitos, os canários, os pintassilgos, agapornis, bicos-de-lacre, diamantes e outros que tais, mais comuns nas suas vidas engaioladas. Depois, porque o Parque da Devesa preenche boa parte da minha vida. Além disso, não de somenos, pela beleza das fotografias de António Cruz que, com encantamento, me deixavam estarrecido a olhar para elas durante segundos a fio, à cata de pequenos detalhes. Last but not the least, o projeto Avifauna da Devesa era um projeto que se revelava consistente, cuidadoso, próprio de quem observa e vê, não de quem apenas olha, e, mais ainda, revelador e divulgador de algum conhecimento.
VILA NOVA e Avifauna da Devesa, projetos com espírito comum
Até que, em meados do ano passado, resolvi lançar a Vila Nova. Entre coisas e loisas a que pretendia dar destaque, encontravam-se algumas que, estava e estou em crer, teriam ou podem ter pouco público. Foi o caso do Avifauna da Devesa. Como projeto diferenciado que pretendia ser, deveria incluir rubricas que interessassem apenas a uns quantos leitores. Como uma coisa leva a outra, decidi convidar António Cruz, que não conhecia, a fazer parte da Vila Nova.
Combinámos um café no final de um dia de verão, eu ainda de férias, o António a fazer um desvio do seu trabalho. Onde nos encontramos? Como já adivinharam, não podia ser de outra forma, no café do Parque da Devesa.
Identificámo-nos mutuamente de imediato e, com um ligeiro nervosismo à mistura, característico das situações novas e, de certo modo, inusitadas, lá nos demos a conhecer. António Cruz aderiu de imediato ao projeto, pelo que é um dos colaboradores iniciais da Vila Nova.
Homem sereno, gentil e delicado, apreciador de boa conversa e de silêncios, António Cruz nasceu há 42 anos na Vila de Ribeirão, em Famalicão. Todavia, desde há mais de 20 anos, grande parte da sua vida é passada na cidade do Porto, primeiro por força dos estudos académicos, hoje em dia por razões profissionais. António Cruz é auditor interno numa instituição. Aí desempenha funções de análise de procedimentos, identificação de riscos, avaliação de controlos e reporte de conclusões para os destinatários. Rindo-se, refere com algum humor: “Ninguém gosta de mim”.
Parque Biológico de Gaia valoriza trabalho do ornitólogo famalicense
A inauguração da sua exposição no Parque Biológico de Gaia, intitulada com o nome do seu projeto, em 3 de fevereiro foi o motivo para esta entrevista. A exposição estará patente ao público durante 2 meses. Nela poderá encontrar alguns dos registos mais significativos deste ornitólogo.
Pedro Costa: Qual é o seu lema de vida, António?
António Cruz: A minha maneira de “ser”, de “estar” e de “fazer” encontra-se centrada num conselho, transformado num objetivo de vida, que recebi de um amigo especial, Ricardo Reis. Conheci-o aquando da minha inesquecível passagem pela Forave – Escola Profissional e Tecnológica do Vale do Ave.
Dizia-me, então, Ricardo Reis, o conhecido heterónimo de Fernando Pessoa, pela voz de um estimado professor:
“Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.”
……………………………… Ricardo Reis, in Odes
Pedro Costa: Por que motivo(s) resolveu começar a fazer o levantamento da Avifauna do Parque da Devesa e como se concretiza esse projeto? O que é que o levou, de facto, a isso?
António Cruz: O projeto Avifauna do Parque da Devesa – Observação e Registo teve o seu início em junho de 2013, no dia de São João, quando visitei o Parque pela primeira vez. Nesse dia, fiquei agradavelmente surpreendido pela beleza do local e pelas condições existentes. O rio agitado, o lago sereno, os extensos prados verdes e as diversas zonas arborizadas formavam um cenário que, julguei eu, era potencialmente atrativo e poderia tornar-se num importante porto de abrigo para as aves, de forma permanente, sazonal ou ocasional. A partir desse primeiro momento comecei a fazer visitas com regularidade, aliando o gosto pela observação e pela fotografia com a descoberta da riqueza natural do Parque da Devesa.
Em maio de 2014, foi criada a página na rede social Facebook e, alguns meses depois, o blogue, com o objetivo de divulgar os resultados obtidos.
Pedro Costa: António, quando se iniciou o seu interesse particular pela avifauna? Como evoluiu esse interesse?
António Cruz: O especial interesse pela observação e pela fotografia de aves manifestou-se de forma mais expressiva em 2009, a partir do momento em que adquiri um novo equipamento fotográfico e passei a acompanhar esporadicamente um amigo observador nas suas saídas de campo. Fui aprendendo a identificar as espécies mais comuns e conhecendo um pouco mais das suas características, comportamentos e habitats.
À medida que o tempo passava surgiam novos desafios, como a vontade de conhecer mais espécies e a de conseguir mais e melhores registos fotográficos.
Depois… Depois o prazer que se respira no contacto com a natureza e que nos alivia do peso das responsabilidades do quotidiano, que transformou as saídas ocasionais em saídas regulares.
Pedro Costa: Onde costuma habitualmente realizar fotografia da Natureza? Porquê nesses locais e não noutros?
António Cruz: A escolha dos locais para observação e fotografia de aves depende essencialmente das alturas do ano e das espécies de aves que pretendo encontrar. As aves, residentes, invernantes, estivais ou em migração, procuram diferentes habitats, logo tenho que me deslocar para as zonas onde a probabilidade de observação é maior. Por vezes é necessário fazer uns passeios mais longos, mas como o tempo, habitualmente, não é muito, na maioria das vezes procuro locais mais próximos, como o Parque da Devesa, o estuário do Rio Douro, o estuário do Rio Cávado, a Serra do Marão, a Ria de Aveiro, entre outros.

Pedro Costa: Quais as suas aves preferidas? Quer destacar uma em particular e explicar o motivo especial do seu interesse por ela?
António Cruz: Tenho um particular fascínio por duas aves, o Guarda-rios (Alcedo atthis) e a Coruja-das-torres (Tyto alba). O Guarda-rios é uma ave diurna com umas cores fantásticas. É um excelente pescador. A Coruja-das-torres é uma ave noturna que encanta pelo brilho dos seus olhos, pela face branca em forma de coração e pela suavidade das suas penas claras.

Pedro Costa: Tem por aí alguma imagem antiga, da fase inicial em que começou a fotografar aves? Quer mostrá-la e falar sobre ela ou sobre o significado que essa foto em particular tem para si?

António Cruz: Das primeiras fotografias que fiz, há uma que, definitivamente, criou em mim uma vontade incessante de apreciar e registar a beleza da avifauna. Trata-se da minha primeira fotografia de um Guarda-rios, tirada no verão de 2012 no Algarve. Estive uma manhã inteira – mais de cinco horas -, dentro de um abrigo sem conseguir quaisquer resultados interessantes, quer em termos de observação, quer em termos de fotografia, até que, quando já me preparava para abandonar o local, surge o Guarda-rios e pousa a cerca de um metro de distância de mim. Apenas tive uns escassos segundos para admirar a sua beleza e tirar uma sequência de 11 fotografias. Foi, porém, o tempo suficiente para esquecer as cinco horas passadas à espera e sentir o desejo de repetir idênticos momentos.
Pedro Costa: Antes desta, no Parque Biológico de Gaia, já realizou anteriormente outras exposições fotográficas? Onde e quando?
António Cruz: Sim. Para além desta mostra da “Avifauna do Parque da Devesa”, agora apresentada em Vila Nova de Gaia, inaugurada pela primeira vez em abril de 2017, na Casa do Território do Parque da Devesa, e, posteriormente, patente no salão nobre da Junta de Freguesia de Ribeirão, por ocasião das celebrações do aniversário da Vila, já realizei uma outra exposição, embora com um tema completamente diferente.
Essa foi, de facto, a minha primeira exposição fotográfica. O tema era “Avé Maria.” Foi inaugurada em abril de 2011, na Casa Museu Soledade Malvar. Um ano antes, em 2010, partira ao encontro de Nossa Senhora, como um filho parte ao encontro de sua Mãe, numa atitude de agradecimento pela vida. Decidi levar na mochila a máquina fotográfica, na expectativa de retratar eventuais motivos de interesse. Decisão acertada, porquanto muitos foram os momentos indescritíveis vividos ao longo da caminhada, cuja riqueza importava eternizar e partilhar. Cada fotografia tinha uma história e cada história tinha um rosto, o rosto de cada peregrino que espontaneamente contava a sua experiência de vida. Assim nasceu a exposição “Avé Maria”.
Pedro Costa: A fotografia de Natureza é um hobby caro? Qual é o mínimo indispensável para se poder praticar conseguindo obter bons resultados em termos fotográficos?

António Cruz: Na minha opinião, o mais importante de tudo é que todas as pessoas podem fazer observação de aves sem qualquer custo. Não devemos pensar que é uma atividade exclusiva para quem possui determinados equipamentos que facilitam a observação ou permitem a realização de fotografia. Todos podemos apreciar a vida natural que nos rodeia. É suficiente que tenhamos esse objetivo no nosso pensamento.
Outros fatores, também fundamentais, são a dedicação, a persistência e a sorte de cada pessoa, das quais dependerá o maior ou menor sucesso nas observações e nas fotografias.
A partir daqui, tudo é possível. Os equipamentos de observação (monóculos ou binóculos) e de fotografia (máquina e objetivas), com custos que oscilam do oito ao oitenta, ou seja, das centenas aos milhares de euros, facilitam muito a obtenção de bons resutados.
Pedro Costa: Quais as implicações para a sua vida pessoal deste seu interesse tão particular? Levantar cedo, sair sozinho, conciliar com a profissão, etecetras…
António Cruz: Esta atividade é, essencialmente, um passatempo. Procuro não deixar outras responsabilidades por cumprir para efetuar as minhas saídas de campo. Desta forma, a observação e fotografia de aves não interfere com a minha atividade profissional que, naturalmente, está em primeiro lugar. Levantar cedo ou, por vezes, deitar tarde, no caso das saídas noturnas, umas vezes sozinho outras na companhia de amigos, para contactar com a natureza, são excelentes exercícios para o físico e para a mente, na medida em que fazemos longas caminhadas e aliviamos o stress do dia-a-dia.
Pedro Costa: Para terminar, António, gostaria de deixar alguma indicação aos curiosos que eventualmente pensem iniciar este tipo de atividade?
António Cruz: Pois sim! Deixo então algumas sugestões para quem porventura queira efetuar observação de aves. Em primeiro lugar, é de todo conveniente não perturbar as aves de qualquer forma, seja através da realização de movimentos bruscos, da produção de ruídos ou qualquer outra forma. É também conveniente utilizar roupas com cores discretas. Se possível, adquirir uns binóculos que facilitem a observação sem necessidade de grande aproximação. Por fim, comprar um guia de campo para apoiar na identificação das espécies.
Imagem de destaque: Ao Encontro das Aves, evento realizado no Parque da Devesa, em 2014-10-05 (Fotografia: Pedro Couto).
Para saber mais:
Blogue Avifauna da Devesa – Observação e Registo
Facebook Avifauna da Devesa – Observação e Registo
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Avifauna da Devesa | Viúva-de-cauda-comprida (Vidua macroura) exótica
Avifauna da Devesa | Garça-real (Ardea Cinerela)
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