Deverá a educação ser manipuladora ou um espaço de manipulação de vida?
Questiono-me se somos máquinas fabricadas pelo tempo que urge, pelo espaço que corre na dimensão de caras sem rosto e bocas sem mel e moldados maquiavelicamente por todos os príncipes deste mundo.
A educação é um processo em que todos participam e que tem de ser reinventada todos os dias e sempre sujeita a muitos desafios e considerações. Nela participam muitos agentes, que a motivam e condicionam (pais, professores, alunos) e é, por isso, um fenómeno complexo na ajuda da construção dos pensamentos. “Ela exige os maiores cuidados, porque influi sobre toda a vida” (Séneca). O espetáculo das ideias pode ser cárcere da rotina ou dar asas para voar. Existe um “acordo tácito” entre a construção das ideias e o rompimento com as amarras. É inserida nesta dialética que pretendo orientar a minha reflexão.
O ponto de partida é a Alegoria da Caverna, e numa adaptação metafórica existente há mais de dois mil anos, do filósofo Platão (Atenas- 428 A.C.), pretendo demonstrar a sua atualidade e aplicabilidade à educação. É importante filosofar sobre a Educação.
A caverna é o mundo onde somos colocados à nascença, nele são-nos incutidas crenças e pressupostos, que aceitamos sem questionar, para nos adaptarmos à normalização instituída na sociedade. Do interior da caverna, sítio onde todos estamos aprisionados, consegue visionar-se a luz do sol que representa o verdadeiro conhecimento, a sabedoria. No entanto, como nos encontramos agrilhoados aos esquemas deontológicos das classes e não classes, nem sempre temos a coragem ou oportunidade de sermos agentes criadores do mundo. Se, por um lado, nascemos de olhos fechados, numa cegueira “natural”, que tende a ser eliminada com o tempo, por outro lado, teimamos viver sob uma “cegueira branca”, revestidos por cataratas sociologicamente consentidas. O conceito “catastrófico” é de José Saramago, que considera, que o ser humano vive numa cegueira histórica, perpetuada no egoísmo, na insensibilidade, na ausência de princípios morais, na indiferença, diante do infortúnio do outro. Afinal, a superioridade que a racionalidade nos trouxe, animalizou-nos (o
maior e melhor exemplo é a História da humanidade).
Assim, descobrimos que a educação, sendo uma atividade, não é um simples conjunto de teorias, ainda que muitas tenham sido produzidas sobre bastantes questões fundamentais. Mas a questão não se trata somente de as estudar profundamente, de se especializar nelas, de as memorizar, mas de aprender como se faz, retirar instrumentos e conceitos para entender como retorquir às suas próprias dúvidas e inquietações e sentir-se capaz de dar o salto para a vida boa. Convém elucidar, que não se trata da boa vida, almejada por muitos, mas da vida examinada e reflexiva. E este é o exercício efetuado pelo prisioneiro que sai da caverna. Numa atividade difícil de questionamento das crenças básicas, procura o fundamento dos dados adquiridos e incontestáveis e encontra muitos escolhos, não apenas pela exigência inerente à autocrítica e disciplina intelectual a que se propõe, mas sobretudo pela incompreensão e rejeição dos outros. O exame pode desconstruir alicerces que muitos não estão dispostos a derrubar.
Educar pode transportar ambivalências profundas, um aprisionamento às ideias proferidas pelo educador como se de uma ideologia absolutista se tratasse, ou, nesse domínio, abrir brechas para o pensamento autónomo, aquele que porventura nem todos ousam reclamar para si. A maioria dos alunos, dogmaticamente, aceita o que o professor transmite pelas suas ideias ou pelas ideias dos outros, difundidas nas suas palavras. Os motivos são muito variados: medo, insegurança, comodismo ou proveito. Também assim se explica a tomada de posição dos prisioneiros que, depois de elucidados, preferem viver no conforto que a ilusão lhes traz. Existem, porventura, os espíritos inquietos, os prisioneiros que se soltam, que preconizam o filósofo, os revolucionários, que são aqueles que permitem que se empreendam revoluções como mudanças de conceção do mundo. E é, quanto a mim, na ousadia dos pensamentos originais e na criatividade instaurada, que o ensino tem mais relevância e valor. Num mundo globalizado e altamente tecnológico, a despersonalização parece facilitada, o aluno facilmente tem acesso a todo o tipo de informação, pelo que será muito mais interessante e produtivo que possa participar neste processo que é seu. Falamos de utopias ou conformismos?
As novas tecnologias funcionam cada vez mais como o milagre dos tempos modernos e estamos mais equiparados à futurada afinação das máquinas e cada vez menos confrontados com a significação e intencionalidade que movimenta o nosso agir. Da mesma forma, as nossas ações são sequências de atos mecânicos, numa celeridade que apaga a semântica que transportamos connosco. Arriscamo-nos a perder a humanidade que há em nós: o sabor de um beijo, a cumplicidade de um olhar, um toque suave ou abrupto, um esconderijo, o ficarmos sós, os traços do rosto de um ser, de um lugar, de uma paisagem, carregam uma significação que não é passível de ser traduzida em caracteres matemáticos ou até mesmo linguísticos. Foram neste sentido as palavras do matemático John Nash, galardoado com o Prémio Nobel da economia, em 1994.
Por isso me questiono se somos máquinas fabricadas pelo tempo que urge, pelo espaço que corre na dimensão de caras sem rosto e bocas sem mel e moldados maquiavelicamente por todos os príncipes deste mundo.
Os dias correm… Mas haverá certamente um momento em que nos encontramos ou perdemos. Ou somos autênticos ou deixamo-nos atropelar pelos aferros dos outros. Ou me calo ou grito e esperneio como uma criança com fome.
A educação deve dar armas para a pesquisa subterrânea, para que o argumento mais débil possa ter voz sobre o mais forte. Uma pedagogia anarquista onde toda a educação é manipulação, alcança apenas a institucionalização coerciva que tenta formar e normativizar o indivíduo.
É, por isso, muito importante, que a escola seja espaço de realização de vida. É que se não podemos deixar a criança sem regras, também não a podemos aprisionar. Estou certa de que a vida não cabe numa teoria, como nos diz o poeta Miguel Torga, mas deixemo-nos inspirar por ela, para que o instante se impregne de sentido.
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Imagem: Yasmin DeBoo
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