Ma Youtie e Cao Guiying vivem numa pequena aldeia chinesa. Sendo ambos pobres e solteiros, este homem e esta mulher levam vidas em tudo semelhantes nas dificuldades com que as vivem. Assim, as duas famílias combinam o seu casamento. Trata-se de uma união de conveniência, mas que vai refundar as suas vidas e dar-lhes uma cor surpreendentemente inesperada.
Esta combinação poderia tornar as suas vidas ainda mais complicadas e difíceis. Afinal, Ma é um agricultor reticente, o último da sua família de quatro irmãos a permanecer solteiro e de que a sua família se quer livrar tão rápido quanto possível. Cao é deficiente e infértil e, por isso, considerada pouco desejável, tendo há muito ultrapassado a idade conveniente para casar na China rural. Além disso, sofre de incontinência pelo que a puseram a viver num barracão nas traseiras da casa de família.
O seu casamento arranjado, unindo duas pessoas habituadas ao isolamento e à humilhação, parece forçá-las a uma relação que tem tudo para piorar a vida de ambas. Contudo, compreendendo o lugar um do outro e a rejeição a que sempre foram sujeitos, Ma e Cao aproveitam a oportunidade para se erguerem acima de si próprios e descobrirem o seu destino comum.
Aprendem a ser companheiros próximos, a falar, a cuidar um do outro e até a sorrir. Surge, assim, entre eles, um amor terno e sereno, que lhes vai proporcionar uma felicidade inesperada, apesar do trabalho árduo que lhes é exigido pela sua ligação quintessencial com a terra e as provações que os esperam no seu caminho comum.
Esta é uma história sobre as dificuldades da vida rural, e do colapso da sua cultura, no norte da China, mas também sobre o enorme contentamento encontrado nas coisas simples da vida. “Passado numa pequena aldeia da China rural, Regresso ao Pó, de Ruijun Li, conta uma insólita história de amor e de resistência à adversidade. O casamento de conveniência que as famílias de Ma e Guiying combinam é-o apenas para estas, que se libertam do que consideram ser dois pesos mortos que só dão trabalho, despesas e, no caso da rapariga, vergonha”, diz Eurico de Barros, na Time Out.
“Mas Ma e Cao são, na verdade, almas gémeas na simplicidade, na bondade e no estoicismo. E contra todas as expectativas das famílias e da aldeia, apoiam-se mutuamente, e não só conseguem erguer uma casa com as suas próprias mãos, cultivar cereais e criar animais, como também construir a meias o lar que nunca tiveram e encontrar um no outro tudo o que de bom e de afetuoso antes lhes era negado”, refere o crítico de cinema.
Esta relação inesperada, nascida da enorme adversidade vivida em comum, “à medida que Ma e Cao, unindo-se aos ciclos da Terra, criam um refúgio no qual conseguem prosperar” acaba por resultar numa “história sobre amor eterno, contra todas as probabilidades”, conforme refere, por seu turno, a Comunidade Cultura e Arte.
“Há ainda o pormenor de Ca ter um tipo de sangue raro, o mesmo do homem mais rico da zona, que está doente e precisa de transfusões regulares. O que o torna, aos olhos da família deste, uma pessoa que tem que ser bem tratada, e lhe traz de arrasto um estatuto especial perante os autarcas e os representantes do partido locais”, acrescenta também Eurico de Barros.
Para lá da evidente dimensão poética, é por esta via que Regresso ao Pó ganha dimensão política, pelo que acaba por ser censurado e mesmo proibido na China. Ao falar abertamente das estratégias sociais aplicadas pela nova China autocrática na China rural, para retirar uma enorme fatia da sua população da pobreza, mas também no sentido de “modificar de uma vez para sempre o modelo de sociedade herdada por séculos de privações”, assim salienta João Garção Borges, no Magazine.HD, de modo a projetar o país na liderança económica global, o filme evidencia um tom crítico sobre a ação da liderança chinesa porque, alegadamente, transmitiria uma imagem negativa do país.
Devido à referida posição privilegiada do casal na comunidade, este vai ser, afinal, o beneficiário primeiro de um dos novos apartamentos que estão a ser construídos na região pelo governo, como parte da política de demolição das casas velhas e de um novo programa de habitação no interior do país. Só que Ma e Cao são camponeses por essência, vivem e labutam ao ritmo das estações e seguindo o calendário da natureza, pelo que não se dão num pequeno apartamento num prédio de habitação quando são arrancados à terra da qual e para a qual vivem, e que os faz felizes. Como diz Ma quando o levam a visitar o andar que lhes foi atribuído: “Mas como é que eu vou pôr aqui o burro, as galinhas e os porcos?”, insiste em recordar o articulista da TimeOut Magazine.
“Soberba experiência estética, moral e emotional”, Regresso ao Pó é um “longo e extasiante momento de prazer cinéfilo perante cenas cada uma mais bela e comovente que as que as outras”, declara também, com a emoção à flor da pele, Eric Debarnot, no BenzineMag. O filme, segundo diz, é de quebrar o coração – o desenlace da história, como a vida, é tudo menos favorável ao casal de imprevistos apaixonados – pelo que, no final, “as lágrimas que correm pelo nosso rosto são lágrimas de felicidade”.
Regresso ao Pó: trailer
Realizador: Li Ruijun; Intérpretes: Renlin Wu, Hai-Qing…
Género: melodrama com sabor político
Estreia: seleção oficial do Festival de Berlim; Prémios: Júri do Lisboa & Sintra Film Festival 2022 e Júri do LEFFEST.
O filme é exibido esta quarta-feira, 5 de abril, pelo Cineclube de Joane, na Casa das Artes de Famalicão.
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