O professor e gestor António Costa Silva, autor da Visão Estratégica para a Recuperação Económica de Portugal, defendeu ontem, que perante a crise pandémica “não é o mercado” que vai salvar o país, mas sim os serviços públicos. Confrontadas com a realidade, as ideias ultraliberais conheceram uma “derrota histórica”, assinala o estratega.
Costa Silva falava na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, durante a sessão de balanço da consulta pública da ‘Visão Estratégica para o Plano de Recuperação 2020/2030’, documento feito a pedido do Governo, com as prioridades para a saída da crise provocada pela pandemia de Covid-19 e para a recuperação económica e social do país.
“É escusado pensarmos agarrados a muitos dos paradigmas e a ideias feitas do passado, e todos ouvimos neste país as campanhas pelo Estado mínimo, pelo desmantelamento dos serviços públicos, pela privatização cega dos serviços públicos, e ainda bem que esse modelo não vingou”, sublinhou o professor universitário.
“Quando há uma epidemia como esta, não é o mercado que nos vai salvar. É o Estado, os serviços públicos, é o Serviço Nacional de Saúde, e eu espero que haja a humildade de assumir esta derrota histórica que a realidade impôs a ideias ultraliberais”, defendeu.
António Costa e Silva defende necessidade de resposta rápida e eficaz da Administração Pública e do Estado
O autor do plano em que Portugal deverá basear a sua estratégia de crescimento económico ao longo dos próximos anos afirma não ter sido condicionado em nada no que se refere às propostas apresentadas no documento que entregou ao Governo para recuperar a economia no pós-pandemia, refere Marta Moitinho de Oliveira, no Público. No entanto, não deixa de assinalar que fez as suas escolhas nas propostas que deixou escritas preto no branco na Visão Estratégica que entregou ao executivo, tendo deixado de fora algumas propostas para “não dar mais controvérsia”.
A parte “mais difícil” para recuperar a economia de Portugal está prevista na parte do documento relativa às condicionantes e limitações com que a implementação do plano se irá confrontar. “Essas condicionantes e limitações têm a ver com a necessidade de uma resposta rápida e eficaz da Administração Pública e dos organismos do Estado; com a necessidade de melhorar as qualificações criando competências para os novos desafios; com a definição clara dos instrumentos financeiros necessários para a execução das políticas e para o investimento a médio prazo; com a necessidade de compatibilizar esses instrumentos que são decisivos, como o Banco de Fomento e/ou um Fundo Soberano, com o sistema bancário existente; com a necessidade de melhorar o trabalho dos reguladores e torná-lo mais eficaz; com a necessidade de melhorar significativamente o funcionamento da justiça e em particular da justiça económica e fiscal”.
Administração Pública: existir para resolver problemas
Para o gestor, este é um debate que vai ser travado agora, sublinhando que “a esmagadora maioria do povo português percebe” a importância dos serviços públicos e o investimento que é preciso fazer “em toda a galáxia” dos serviços do Estado.
A Administração Pública foi, aliás, uma das áreas que recebeu mais contributos durante o período de discussão pública do plano, que decorreu em agosto.
“Nós temos uma Administração Pública muito orientada para a emissão de pareceres e pouco orientada para a resolução dos problemas, temos de mudar essa cultura”, defendeu.
Na sua intervenção, António Costa Silva salientou que será “muito importante” enfrentar a crise em todas as dimensões e constrangimentos com que nos deparamos, ao nível da capitalização das empresas, da dívida pública, do investimento, das limitações da estrutura produtiva, advertindo que a recuperação da economia “vai ser lenta” e que o país precisa de usar “todos os seus trunfos”.
‘Visão Estratégica’ recebeu mais de 1.000 contributos
O documento inicial da ‘Visão Estratégica para o Plano de Recuperação 2020/2030’, foi apresentado no dia 21 de julho e esteve em consulta pública no mês de agosto, recebendo 1.153 propostas de contributo, considerando Costa Silva que esta foi “uma contribuição extraordinária” para o país.
Com a conclusão da consulta pública da visão estratégica, o Governo vai aprovar esta quinta-feira, em Conselho de Ministros, a primeira versão do Plano de Recuperação e Resiliência, instrumento que já terá tradução na proposta de Orçamento do Estado para 2021 que será entregue em 12 de outubro na Assembleia da República.
O Programa de Recuperação e Resiliência de Portugal será em seguida apresentado publicamente, a 14 de outubro, na véspera de ser entregue à Comissão Europeia.
Fontes: PS, Público