Cineclube | ‘Sophia, na primeira pessoa’ de Manuel Mozos

 

 

O ano passado, em entrevista ao site Comunidade, Cultura e Arte, Mozos falou sobre Sophia, na primeira pessoa, dizendo que “(…) apesar de em termos de realização eu ter tido um prazo relativamente limitado ― tive alguns meses para poder pensar o filme e fazê-lo segundo os compromissos que tinha com o centenário e com a própria RTP (este documentário foi feito para a RTP, partindo da comissão comemorativa do centenário do nascimento da Sophia e, portanto, o filme teria de estar terminado até à data da celebração, 6 de novembro) ― isso foi conseguido. No início, apesar de gostar e de conhecer relativamente a obra de Sophia, sobretudo enquanto poeta, havia muita coisa que eu desconhecia e, realmente, na investigação e pesquisa feita é que fui percebendo, conhecendo e aprendendo coisas que, se não fosse pelo filme, provavelmente ainda não conheceria. Como já disse, no início até se punha a hipótese de haver depoimentos de outras pessoas e assim, mas com o avançar da pesquisa é que fui começando a delinear o que é que o filme poderia ser. Ou seja, íamos montando o material que tínhamos e, à medida que encontrávamos sequências ou linhas que nos pareciam interessantes, íamos filmando, montando e definindo aquilo que iria ser o filme.”

Já Joana Emídio Marques escreveu para o Observador que “depois da morte da poeta em 2004, foram sendo produzidas dezenas de trabalhos, debitadas centenas de palavras, de opiniões, comentários, encómios. Criou-se uma outra Sophia cada vez mais distorcida e distante daquela que um dia viveu, escreveu e pensou. Torna-se e retorna-se aos lugares comuns: a Grécia, o sol, o mar, o branco e o azul. Há uma espécie de acordo tácito em fazer de Sophia uma poeta pueril e fácil. Mas, na verdade, Homero nunca designou a cor azul, porque os gregos não tinham nome para esta tonalidade. O mar de Homero é sempre negro ou cor de vinho. O mundo grego é terrível e cruel, a musa ensina-lhe o canto que, no final, lhe “corta a garganta”.

“O grande espanto que nos causa este documentário é vermos como de entre congressos e panteões, tudo o que fazia falta a Sophia era que alguém a libertasse, lhe devolvesse a voz. O documentário de Mozos não recorre a nenhuma outra voz que não a da artista. Não há comentadores, especialistas, filhos, amigos. Não há ninguém a não ser ela: “Quem procura uma relação justa com o homem (…) é necessariamente levado a buscar uma relação justa com o homem. Aquele que vê o esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo”, ouvimo-la dizer, enquanto as praias do Algarve, onde ela tanto nadou, não são um bilhete postal, mas um lugar de faina, onde homens de rosto duro e curtido pelo sol se lançam ao trabalho.”

Sobre Crescei e Multiplicai-vos, e em entrevista a Miguel Gomes para o catálogo “Manuel Mozos – Um Ponto de Vista”, publicado pelo Festival de Cinema Luso Brasileiro de Santa Maria da Feira, o realizador admitiu que “não acho que seja um filme demagógico. Poderia dizer que é um filme que daqui a vinte anos vai ser compreendido, mas não é verdade. É mauzote. No entanto, há meia dúzia de momentos que são conseguidos. É constrangedor porque o projecto não era meu, só intervim na fase de rodagem e, parcialmente, no casting. Mas não estou arrependido de o ter feito.

“(…) Acho que fiz um filme mau. Existem alguns planos de que gosto mais: quando o casal espreita à porta, quando ela põe a cabeça para trás, quando estão fora da igreja, um ou dois planos do Fernando Luís e até o plano final que acho completamente… fora.”

Na recta final da maior retrospectiva alguma vez feita em Portugal à obra de Manuel Mozos a próxima sessão do Lucky Star – Cineclube de Braga é dupla. Na primeira parte exibe-se Crescei e Multiplicai-vos, uma curta-metragem de 2000, com Carla Chambel e Fernando Luís, baseada num conto de Urbano Tavares Rodrigues com o mesmo nome. Na segunda exibe-se o último filme de Mozos, Sophia, na primeira pessoa, colagem poética de arquivos pessoais e testemunhos públicos da escritora. Às 21h30 de 5 de março no auditório da Casa do Professor de Braga.

Crescei e Multiplicai-vos, 2000, realizado por Manuel Mozos; com: Carla Chambel, Fernando Luís e Luís Tempera

15 minutos, Cores, Portugal.

Sinopse:

Dois irmãos querem casar-se. Casimiro e Leonarda vêem como natural e necessária a confirmação do seu amor. Foram sempre fiéis um ao outro e desejam sê-lo até morrer. Jorge – o padre – recusa-se a seguir a vontade dos noivos, denunciando o carácter incestuoso da sua relação, que Deus, em última instância, condena. Contudo, é através dos olhos desta personagem que vemos a angústia de dois jovens em busca da felicidade.
Através da indignação destes irmãos vemos a dúvida de um homem que abraçou uma fé cujas respostas não o livram da dúvida no momento de decidir sobre o que é certo ou errado.

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Sophia, na primeira pessoa, 2019, realizado por Manuel Mozos; com: Sophia de Mello Breyner Andresen

55 minutos, Cores e preto e branco, Portugal.

Sinopse:

Recorrendo ao espólio pessoal da autora, a imagens atuais de locais onde viveu ou que lhe foram queridos, imagens arquivo fílmicas e televisivas; utilizando partes da sua prosa e da sua poesia sempre com testemunhos na primeira pessoa; do Porto a Lisboa, da Granja a Lagos, do mar Atlântico ao Mediterrâneo, da Grécia ao 25 de Abril: as paixões e decepções de uma vida e obra dedicadas à busca pelo real, a liberdade e a justiça. Sophia, na Primeira Pessoa, é a extensão da missão da poeta: “olhar, ver e dizer o que viu”.

Preço: 3,00 € (Sócios Lucky Star / Casa do Professor: Entrada livre)

Obs: Este artigo foi publicação original em Luck Star – Cineclube de Braga tendo sofrido adequações na presente edição.

Imagens: (0, 1) Manuel Mozos/RTP, (2) LL (3) LS

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