Uma espiritualidade a partir de baixo

 

 

Recentemente, no âmbito do encontro da American Physical Society, sediada na cidade norte-americana de Dallas, foi divulgado um estudo sobre a evolução da religião em diversos países.

O estudo, baseado no modelo de progressão matemática e nos dados dos censos e das projeções de diversos países, constatou que a religião poderá desaparecer nos seguintes países: Austrália, Áustria, Canadá, República Checa, Finlândia, Irlanda, Holanda, Nova Zelândia e Suíça.

Em março deste ano, foi divulgado um estudo muito relevante feito por duas das mais importantes universidades católicas da Europa que mostrou que 42% dos jovens portugueses entre os 16 e os 29 anos não se identifica com nenhuma religião. No que toca aos restantes 58%, a esmagadora maioria professa o cristianismo, corporizado sobretudo, mas não exclusivamente, no catolicismo, mas mais de metade destes admite que não frequenta regularmente a eucaristia.

Uma das principais conclusões do estudo universitário atrás referido é precisamente o elevado número de jovens afastados das religiões, sobretudo em países como a República Checa, onde 91% dos jovens dizem não ser religiosos, a Estónia (80%) e a Suécia (75%). Os países europeus com menos jovens afastados da religião são a Polónia (27%), a Lituânia (25%) e a Áustria (37%). O estudo inclui também Israel, que apresenta resultados totalmente díspares à maioria dos países europeus: no país, apenas 1% dos jovens dizem não se identificar com uma religião.

O declínio das religiosidades tradicionais no mundo ocidental, nomeadamente forte nos países atrás referidos, não significa a desvalorização da dimensão espiritual do ser humano.

O paradigma da modernidade, baseado na racionalidade, na ciência, no individualismo e no progresso, promoveu o desencantamento do mundo, mas não esvaziou a necessidade genuinamente humana de encontrar um sentido para o universo e a existência.

Após o “desencantamento” do mundo”, característico da modernidade, que foi analisado por Max Weber e outros pensadores das ciências sociais e humanas, constata-se atualmente um processo pós-moderno de “reencantamento do mundo”, marcado pela aspiração à espiritualidade, de uma forma muito multifacetada.  

Sobretudo nas sociedades do mundo ocidental, acredita-se, cada vez menos, no Deus exclusivamente transcendente dos monoteísmos tradicionais, mas também não se aceita que o universo, a vida e a humanidade se reduzam a partículas atómicas e subatómicas, células e neurónios. O sentimento de conexão com a natureza como um todo animado, a abertura ao infinito e ao absoluto, uma espiritualidade pós-teísta poderá ser a grande tendência do século XXI, que poderá ver cada vez mais os crentes afastarem-se das religiões institucionalizadas e os não crentes espiritualizarem-se.

De facto as profundas transformações do mundo atual, cada vez mais globalizado e interdependente, juntamente com a busca incessante do ser humano pelo sentido da existência, criam as condições para impulsionar o desenvolvimento espiritual da humanidade, com novos contornos.

Na primeira quinzena do mês de novembro, esteve na cidade do Porto um mestre espiritual indiano: Edwin Maria John. Edwin Maria John é um sacerdote cristão que preconiza uma espiritualidade libertadora e macroecuménica. É também um defensor ativo da sociocracia, uma forma de governança da sociedade que se estrutura de baixo para cima, que visa apoiar a organização de comunidades e o desenvolvimento sustentável, criando círculos de pessoas que se envolvem ativamente no debate, planeamento e implementação de ações que facilitem a resolução dos seus próprios problemas. É desenvolvida em diversos contextos, nomeadamente o comunitário, com crianças e jovens ou com adultos. Pode ser aplicada noutros contextos, desde a educação à saúde, passando pela economia e pelo contexto espiritual.

No âmbito espiritual, Edwin defende o que ele denomina “spirituality from below”, que pode ser traduzido como “espiritualidade a partir de baixo” Considerando que a espiritualidade é um sentido de responsabilidade baseado na consciência do Absoluto, Edwin defende o desenvolvimento de comunidades espirituais de base, que podem ser formadas por pessoas de crenças diversas, as quais compartilham o propósito comum de manifestação do Reino de Deus no nosso mundo, baseando-se em valores comuns como o amor incondicional e a fraternidade universal.

Com efeito, na atual época, existem fortes condições para consolidar formas de espiritualidade que preconizam uma visão pluralista e inclusiva da relação do ser humano com o Divino como Fonte da Existência e da Vida.

De entre as formas de espiritualidade que preconizam uma visão pluralista e inclusiva da relação do ser humano com o Divino como Fonte da Existência e da Vida, merecem especial ênfase o unitário-universalismo e a teosofia.

O unitário-universalismo tem as suas raízes no cristianismo liberal, especialmente no unitarismo e no universalismo, mas desenvolveu gradativamente uma visão espiritual macroecuménica, valorizando o legado de nossa tradição espiritual milenar, a sabedoria das diversas religiões do mundo, o contributo da razão e da ciência, e a conexão com o planeta que habitamos e que devemos preservar para a fruição das gerações atuais e vindouras. De uma forma muito sucinta, o unitário-universalismo assenta nos seguintes pilares fundamentais:

– A ideia de que a Fonte Divina é una. Por detrás de tudo que o que é visível ou invisível, existe uma Realidade absoluta,  eterna, ilimitada e imutável.

– A valorização da unidade essencial da humanidade e da Criação. Somos membros da imensa família humana, que por sua vez faz parte da grande família cósmica. Todas as formas de vida estão interligadas. 

– Considerar que todos os seres são chamados a reconciliar-se com a Fonte Divina.

Por seu turno, a teosofia pode ser definida como o conjunto vasto dos ensinamentos sobre a origem, a natureza e o sentido da existência da humanidade e do universo. Está na base de diversas correntes religiosas e espiritualistas da humanidade. Baseia-se em princípios fundamentais como a unidade fundamental de toda a existência e a fraternidade universal.

O futuro da humanidade passa mais pela construção de pontes do que por ruturas, embora em determinadas condições estas possam ser necessárias.  

Precisamos de promover na nossa vida valores como a fraternidade universal, a compaixão, a cooperação, a inclusão, a sustentabilidade, a simplicidade e a reverência pelo sistema interdependente de toda a existência da qual somos parte.

Por conseguinte, uma espiritualidade macroecuménica, pós-dogmática, pluralista e horizontal, construída a partir de baixo, alicerçada em comunidades espirituais de base, pode contribuir para fazer do nosso planeta Terra uma verdadeira casa comum para a humanidade e os demais seres vivos.

Imagem: Freepik

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