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Ecologia espiritual e uma nova relação do homem com a natureza

 

 

Ao longo das últimas décadas do século XX e dos primeiros anos do presente século, existe uma consciencialização progressiva da Humanidade para a relevância de promover um modelo de desenvolvimento adequado que valorize a beleza e a salvaguarda da Criação e o bem-estar da humanidade, de uma forma equitativa e sustentável.

Neste contexto, um dos campos com um desenvolvimento mais significativo na mudança de consciência da humanidade tem sido a ecologia espiritual.

Ecologia espiritual renova dimensão humana no seu encontro com o Divino

A ecologia espiritual, na sua rica diversidade, assume que é essencial reconhecer e analisar as dinâmicas espirituais na raiz da atual crise ecológica.

Neste sentido, a espiritualidade pode desempenhar um papel fundamental na transformação de atitudes e comportamentos e no desenvolvimento da consciência ecológica de cada um de nós e da humanidade em geral em relação ao futuro da nossa casa comum: o planeta Terra.

Antes de mais, deve ser feita a distinção entre religião e espiritualidade. Com efeito, a espiritualidade é anterior, mais ampla e mais fundamental do que as religiões.

Com efeito, as religiões são sistemas de mediação que tiveram a sua origem na época neolítica, enquanto a espiritualidade representa a própria dimensão da humanidade no seu encontro com o Divino, desde tempos imemoriais.

No princípio era a Divindade

Desde tempos imemoriais, a humanidade, na diversidade das suas culturas, tem tido uma perceção do Divino.

Com efeito, a abertura ao Divino está profundamente enraizada nos seres humanos de todos os tempos e lugares e constitui uma experiência de alcance universal.

Conforme assinala Karen Armstrong: “No princípio, os seres humanos criaram um Deus que foi a Causa Primeira de todas as coisas e Senhor do céu e da Terra. (…) No princípio, portanto, havia o Deus Único. Se assim foi, então o monoteísmo foi uma das ideias mais antigas desenvolvidas pelos seres humanos para explicarem o mistério e a tragédia da vida”.

Diversos estudiosos, como Joaquim Wach, Bronisław Malinowski, Joseph Campbell e Mircea Eliade, reconhecem que os seres humanos, desde os primeiros momentos de sua evolução, entraram numa relação com o Divino.

As práticas espirituais dos humanos datam há pelo menos 70 mil anos, muito antes que se ouvisse falar de religiões formais.

Durante a maior parte da era paleolítica, a humanidade esteve envolvida numa sofisticada e altamente criativa forma de exercício espiritual, centrado numa Divindade, que era representada com traços essencialmente femininos.

Durante dezenas de milhares de anos, os humanos viveram em harmonia com a Terra, sendo com ela uma mesma realidade inseparável. A Terra era experimentada por aqueles seres humanos como um lugar cósmico ao qual todos pertenciam e ao qual nenhum grupo pretendia controlar ou dominar de modo exclusivo. Os humanos não sentiam a urgência de dominar o mundo. A Terra foi entendida como organismo vivo e como a manifestação da Grande Divindade.

Existem provas abundantes que confirmam esta espiritualidade altamente elaborada, nomeadamente na arte paleolítica.

A consciência espiritual, centrada na Grande Divindade, que se manifestava numa Terra prodigiosamente fértil, levou a humanidade a descobrir novas possibilidades de obtenção de recursos para a subsistência mais apropriada do que a coleta de alimentos ou a caça. Então, surgiram a agricultura e a criação de gado.

Contudo, com a transição do Paleolítico para o Neolítico, eclodiu a crise da constelação de valores articulados em torno da figura da Grande Divindade, e reforçou-se a vontade de poder, de domínio, de exploração da terra e dos outros seres humanos.

Os estudiosos consideram que esta Grande Divindade se tornou tão majestosa que foi progressivamente substituída por deuses mais acessíveis.

Neste contexto, a humanidade começou a conceptualizar o Divino segundo as necessidades e o ponto de vista patriarcal e explorador das sociedades. O ser humano começou a querer ser como Deus. Criaram-se formas religiosas que legitimavam aos seres humanos dominarem uns aos outros, como se supunha que o próprio Divino fizesse.

Jesus, o ecologista

Ao longo da História da Humanidade, surgiram diversos seres que contribuíram para elevação da sua consciência espiritual e ética.

Entre eles, merece um claro destaque a figura de Jesus. De facto, Jesus tinha uma compreensão particularmente profunda da beleza da natureza criada por Deus, a quem chamava ternamente de Abba:

Na sua vida terrena, ele vivia em conexão permanente com a natureza e tinha com ela uma relação caracterizada pelo afeto, pelo carinho e pela admiração.

Em diversas ocasiões, chamou a atenção dos discípulos e das discípulas e dos demais ouvintes para percecionar na natureza a presença infinita e amorosa de Deus:

A visão do mundo como manifestação da presença de Deus enquadra a práxis de Jesus. Com efeito, nele está presente a convicção de que cada criatura, pelo simples facto de existir, está aberta á oportunidade do dom salvífico de Deus. O Reino de Deus tem uma dimensão universal, que engloba todas as criaturas.

Imitando Jesus, deve-se desenvolver um amor contemplativo pela natureza enquanto manifestação da presença infinitamente amorosa de Deus.

Mudar o paradigma da relação do ser humano com a natureza

A atual crise ecológica pode constituir uma oportunidade valiosa para propor uma nova forma de encarar as relações dos seres humanos entre si, com a natureza e com a Realidade Divina como fonte originária da qual emana tudo o que existe.

Neste sentido, podem ser sugeridos alguns caminhos que poderão contribuir para uma espiritualidade ecologicamente mais esclarecida e responsável.

O reconhecimento de Deus como fonte de tudo o que existe

Falar da criação divina em termos contemporâneos é reconhecer que Deus age “como força primordial, criadora e perfeita, e consequentemente age como condutor do mundo imanente e superior ao mundo, respeitando totalmente as leis da natureza, cuja origem é ele próprio”, como refere Hans Küng.

O Divino está presente em todas as todas as coisas e todas as coisas estão no Divino. Com efeito, todo o que existe é manifestação do agir criativo de Deus.

A visão ecológica da Natureza como uma vasta rede de sistemas interligados e inter-relacionados conduz-nos às ideias filosóficas proclamadas por pensadores como Espinosa ou Einstein, entre outros.

Espinosa defende uma “uma concetualização da ideia da unidade, apenas pode haver uma Substância, ou não dualismo, a qual é infinita, e essa substância é também Deus ou a Natureza. Aquilo que experienciamos como o mental e o físico não têm realidade metafísica separada, como são antes aspetos dessa Substância única.

Por seu turno, Einstein preconiza uma relação positiva entre a física e a espiritualidade e uma religiosidade cósmica. Na sua perspetiva, existe uma ordem sublime e maravilhosa ordem que se manifesta tanto na natureza como no mundo das ideias.

A superação do antropocentrismo

A superação do antropocentrismo passa pelo reconhecimento de que o ser humano não está acima, nem fora, mas faz parte da natureza, cuja autoria emana do próprio Deus.

O ser humano deve estar consciente de que está incluído no universo, pertence-lhe e está ligado com os processos que o configuram.

Reconhecer que o ser humano faz parte da ordem cósmica cuja autoria e tutoria supremas são do próprio Deus não deve ser interpretado como usurpação das potencialidades criadoras do ser himano nem muito menos da sua dignidade.

Uma nova visão da condição do ser humano perante a natureza liberta a atividade humana das suas armadilhas idolátricas: a posse transforma-se administração, o domínio muda para colaboração, a exploração passa a ser cuidado respeitoso e sustentável pelas outras criaturas. Conduz à etica da responsabilidade, da sobriedade e da solidariedade.

A defesa de uma ecologia integral

Na génese da atual crise ecológica estão presentes um conjunto de fatores humanos de enorme relevância, nomeadamente os seguintes: a desigualdades na distribuição da riqueza; o hiperconsumismo; os conflitos políticos, económicos e religiosos; a prevalência de padrões éticos e culturais não solidários; o domínio de um paradigma tecnocrático que se arroga a destruir a natureza e explorar as pessoas mais vulneráveis; a persistência de uma lógica egocêntrica e utilitarista, que leva o ser humano a encarar o outro e a natureza como simples objetos e conduz a diversas formas de dominação; a incapacidade de reconhecer limites razoáveis ao progresso científico e tecnológico.

Consequentemente, assume uma crescente relevância preconizar a ecologia integral como como novo paradigma de justiça, uma ecologia “que integre o lugar específico que o ser humano ocupa neste mundo e as suas relações com a realidade que o circunda”, conforme defende o papa Francisco.

Não se alcançará um equilíbrio ecológico autenticamente sustentável se as desigualdades estruturais de cariz político, social e económico não forem enfrentadas com firmeza e determinação.

Depois do projeto da modernidade, que concebia a realização do ser humano em termos essencialmente materialistas e antropocêntricos, abre-se uma janela de esperança para um novo modo de olhar o mundo:

Que coloque em primazia as relações entre os seres humanos e os demais seres vivos e não a posse das coisas;

Que privilegie a cooperação em detrimento da competição;

Que valorize a contemplação, a dádiva, a gratidão, o deslumbramento, o louvor e a ação de graças; e

Que contemple a natureza como a manifestação da glória e do amor infinitos de Deus, tal como foi expresso de forma sublime na obra Os Irmãos Karamazov, do escritor russo Fiodor Dostoievsky: “Amai a criação no seu todo em todos os seus elementos, cada folha, cada raio, os animais, as plantas. Ao amardes cada coisa, compreendereis o mistério divino em todas as coisas. Uma vez compreendido este, conhecê-lo-eis sempre melhor, todos os dias. E acabareis por amar o mundo com um amor universal”.

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Imagem: Jim Noviello

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